terça-feira, 30 de junho de 2020

TRÁGICA E PATÉTICA CORRIDA



(Recompus a minha base de dados a partir dos sítios WEB mais consistentes sobre a pandemia, John Hopkins University Center e Worldometer, para me concentrar nos 40 países com maior número de casos confirmados. A União Europeia deixou o estatuto de epicentro disseminador e confronta-se agora com os “trade-offs” do desconfinamento e abertura, ou seja da eficácia com que os inevitáveis casos importados vão ser geridos. Portugal poderia também estar a preparar-se para esse desafio, mas as coisas, sabemo-lo agora, correram mal na aglomeração de Lisboa em termos de gestão e coordenação logística e vai ter de gerir os dois processos em simultâneo, o que não é bom augúrio.

Bradford DeLong, impiedoso como sempre, foca-se na trágica e patética corrida entre os EUA e o Brasil para disputar o ceptro da mais ruinosa corrida de má gestão da crise pandémica. Os três gráficos que o economista americano de Berkeley reúne são eloquentes. Os dois desqualificados populistas (tão amigos e mutuamente compreensivos que eles eram) vão reciprocamente fechar-se e, para já, não vão poder entrar em território europeu. Não sei como o Estado português vai à luz desta decisão tratar a comunidade brasileira mas espero que compreenda o risco enorme de invocar aqui algum excecionalismo.

A análise da minha base agora atualizada traz-nos novos personagens como os três gráficos já clássicos evidenciam: taxa de infeção por mil habitantes, taxa de letalidade por mil habitantes e taxa de letalidade de infetados.




O que ressalta dos meus dados é que, embora o epicentro da pandemia tenha abandonado o território europeu, a incidência passada deixou marcas bem visíveis. Em termos dos indicadores clássicos atrás referidos, países como a Espanha, a Itália, a França e a Bélgica continuam, à custa dos valores passados, a encimar as listagens de indicadores. Se é assim verdade que as últimas três semanas se focaram na Suécia e em Portugal, as incidências passadas oferecem-nos um panorama totalmente diferente. As sequelas nos países mais martirizados não desapareceram com a mudança do epicentro da pandemia para outras paragens.




segunda-feira, 29 de junho de 2020

O ZÉ MANEL


As incidências da vida e da morte aqui por perto têm-me mantido afastado deste espaço. Em mais um S. Pedro aziago, a juntar a outros de má memória, o vazio alastra com o desaparecimento quase súbito de um familiar de referência e de um amigo verdadeiro. Desculpar-me-ão os nossos leitores que aqui sinta necessidade de vir fazer, embora sem grandes alardes, o elogio de um homem que marcou presença forte nos últimos trinta anos da minha existência. E recordo já com saudade a sua paixão pela Eduarda, o seu amor fraternal à prima, a sua inteligência prática e o seu sentido das prioridades essenciais, a sua sociabilidade e permanente disponibilidade, o seu gosto pelas incursões poveiras, a sua especial relação com os animais, o seu inexcedível entusiasmo pela ferrovia e pelos comboios, o seu jeito radical para o bricolage de toda a ordem e qualquer sofisticação, entre tanto e tanto mais. Acrescentar o quê que não seja assumir as desesperantes limitações desta passagem?

TURISMO



(É verdade que as cadeias de valor globais estão de pernas para o ar e se os historiadores económicos se empenharam em comparar a Grande Depressão de 1930 com a Grande Recessão de 2008 têm agora vasta matéria para aprofundar essa comparação com a crise ditada pela pandemia. Mas talvez a atividade que enfrenta a maior perturbação seja o turismo pois os seus principais agentes, transporte aéreo e pessoas vão demorar algum tempo a recuperar o seu relacionamento.

Como é habitual em Portugal, os temas da “turistificação” e da gentrificação das cidades ditada pelo cosmopolitismo urbano, nomeadamente turístico, chegaram com atraso, com muito atraso. E não é menos verdade que também como frequentemente acontece os contornos do debate são forçados para a nossa realidade, como se quiséssemos compensar o atraso com a demonstração de que as nossas derivas e excessos estão ao nível dos observados onde tais fenómenos ganharam expressão inicial. Para além disso, a também usual prática de tomar a nuvem (Lisboa) por Juno (o país) ajuda a missa e rapidamente também o Porto começa a ter de demonstrar que também está no barco dos mesmos excessos. Como é óbvio, os que se comprometeram precocemente com o debate nunca se quiseram colocar face à questão do contrafactual: o que seriam as nossas Cidades principais sem essa pressão turística?

Esta questão não se confunde com um outro problema, esse já conhecido há bastante mais tempo e que se prende com a chamada “tourism disease”, que é mais uma questão macroeconómica e das condições de especialização das economias. O Algarve e a Região Autónoma da Madeira (RAM) são os nossos únicos exemplos. O turismo influencia a especialização produtiva das regiões focadas nessa atividade, dificultando a diversificação produtiva e suscita um desafio enorme à chamada especialização inteligente. Ou seja, como incorporar maior intensidade de conhecimento nesse modelo de especialização? As estratégias regionais de especialização inteligente do Algarve e da RAM evidenciaram com clareza como é difícil a génese da inovação nesses modelos de especialização.

No período imediatamente anterior à pandemia, algumas garras anti-turismo começavam a surgir no debate, afinal os outros já eram de mais. Tudo isso ruiu com a pandemia e com a colocação do cenário oposto, o emprego que se perdeu, o rendimento que não chega, o capital investido que não se rendibiliza e como sempre nestas coisas do mercado os últimos a entrar são sempre o mexilhão do processo.

O António Guerreiro que escreve no Público não é um prosador fácil, antes pelo contrário, é bastante hermético. Mas na sua última crónica (link aqui), traz-nos uma reflexão bem oportuna em tempos de penúria:

“ (…) Podemos e devemos criticar com violência (porque é a única maneira de lutar contra o que também produz violência) o problema da gestão do turismo, da sua planificação pelo poder político e gestionário, no quadro de uma planificação cultural, urbanística e social. Mas de modo nenhum podemos pensar em prescindir dos “estrangeiros”. Não por eles trazerem prosperidade económica (motivo importante, mas não é disso que trato aqui), mas porque as culturas vivem de reflexos e contra-reflexos, de olhares recíprocos. Sem isso, estiolam e vivem na cegueira. Alguém pensa que foram os lisboetas que descobriram a beleza de Lisboa, aquela que é atualmente tão reconhecida e celebrada? Alguém pensa que antes de os alemães e holandeses freaks terem começado a visitar e a instalar-se na costa alentejana algum autóctone sabia olhar para as praias e para o mar que tinha à sua frente? Foi sempre o olhar de outrem a ativar o nosso próprio olhar.”

domingo, 28 de junho de 2020

A DIPLOMACIA DO FUTEBOL NÃO CHEGOU!



(Ainda sem a confirmação oficial de que o governo britânico não vai conceder o estatuto de corredor aéreo turístico a Portugal, embora com a BBC a sugerir essa não concessão, há um semipânico instalado nos operadores turísticos sobretudo algarvios. Dá para perceber que a diplomacia futebolística terá sido uma mera ilusão. Quando é que aprenderemos de vez com estes erros?)

A imagem de uma União Europeia fragmentada, atomizada e vidrada nos corredores aéreos turísticos seletivos envergonha qualquer um. A perspetiva de tentar resolver o problema turístico de cada um à revelia de uma solução global de transição no quadro da União terá surpreendido o governo de António Costa, demasiado envolvido na diplomacia Uefeira e convencido que a decisão de colocar em Lisboa a estranha parte final da Champions serviria como uma espécie de atestado sanitário muito CLEAN AND SAFE, tão importante ou mais do que o selo improvisado pelas autoridades turísticas nacionais para sossegar os espíritos dos nossos visitantes.

A Dinamarca e a Grécia abriram as hostilidades e o argumento de que Portugal faz muitos testes, e por isso revela mais casos (parece impossível como um líder como António Costa e políticos experientes como Augusto Santos Silva caem nesta esparrela), não colhe pois a Dinamarca testa mais do que Portugal. Os alemães iniciaram experimentalmente a ideia de corredor aéreo com as Canárias e essa hipótese criou esperanças de que os ingleses pudessem fazer o mesmo com o Algarve. Afinal, os Conservadores sabem que a sua gestão política da pandemia foi péssima e, por isso, assegurar umas férias à população votante podia ajudar a descomprimir o ambiente político no Reino Unido, onde já ninguém parece lembrar-se que há uma negociação do BREXIT para concluir.

Mas nestas coisas qualquer falha de última hora é a morte do artista e o surto de Lagos, fruto da estupidez e do oportunismo humanos, criou a primeira perturbação, ao qual se seguiram o surto de Reguengos de Monsaraz e os números do coração metropolitano da Grande Lisboa, mais propriamente da margem esquerda do Tejo gerou uma imagem desfavorável a qualquer ideia de estabilização. O país demasiado habituado a construir a sua própria imagem a partir da aglomeração da capital (e em segundo plano do Algarve) segue a metáfora de “pela boca morre o peixe”, manifestando uma extrema dificuldade de inverter a imagem criada pelo surto de novos casos na capital. Afinal, a esmagadora percentagem do território nacional tem o surto bem controlado e o país fica refém da perturbação no seu coração metropolitano. Vários esforços diplomáticos terão sido realizados e até o El País veio ajudar negativamente à missa fornecendo números de população confinada em Lisboa exagerados, já que não desceram ao rigor das freguesias atingidas.

Fica agora claro que a diplomacia do futebol (cheguei a pensar que o Fernando Gomes da FPF chegaria a ministro dos Negócios Estrangeiros, substituindo o amigo Augusto Santos Silva que joga demasiado às canelas para este futebol mais diplomático) não chegou. Manifestamente, a decisão da UEFA concluir a Champions em Lisboa não representou para o Reino Unido, Dinamarca e outros países o equivalente a um certificado sanitário tipo CLEAN AND SAFE.

Só segunda-feira conheceremos a decisão oficial do governo britânico. Até lá temos a notícia da BBC que anuncia o pior. O turismo algarvio vai tremer.