(Vai-me faltando a pachorra para aturar as nossas
polémicas de trazer por casa como foi a suscitada em torno de António Costa e
Silva e do Plano de Recuperação Económica que o governo estará a preparar. O meu colega de blogue já o tinha acertadamente assinalado e quero insistir
na mesma mensagem, com incorporação de dados novos neste caso da vizinha
Espanha.)
Um dos dramas mais frequentes das economias menos desenvolvidas ou em
exigentes processos de transformação estrutural (como é o nosso caso) radica na
evidência de que esses países são muitas vezes incapazes de mobilizar o
conhecimento que neles existe. Como o meu título sugere, haverá mil e uma
maneiras de desperdiçar esse conhecimento. Algumas das formas de desperdício
são clássicas: incapacidade de conviver com argumentos e evidências contrárias
aos poderes dominantes, perseguição política de intelectuais identificados como
adversários políticos, instrumentalização excessiva do conhecimento,
sobreposição indevida entre os mecanismos do conhecimento científico e da
decisão política, intelectuais demasiado “estrangeirados” e sem sensibilidade
para compreender os problemas nacionais, vazios criados no passado entre
política e conhecimento com demasiada inércia para serem superados e muitas
outras.
Enquanto alguém que já participou em alguns desses processos tenho a dizer
que alguns “mixed feelings” atravessam a minha mente. Em primeiro lugar,
porque a parte política começa por apresentar essas colaborações de forma algo
irritante, das quais a mais comum é a da apresentação como grupos de “sábios”. Depois, porque regra geral
acontecem em períodos eleitorais e em algumas iniciativas cheira a pura
instrumentalização mediática. Uma das exceções a essa regra foram os primeiros
Estados Gerais em que houve participação generosa e convivo bem com a ideia de
que esses processos constituem por vezes oportunidades para a emergência
política de algumas personalidades que passam do conhecimento à vida política.
É uma forma de rejuvenescer a classe política e isso é só por si algo de nobre
e valioso. Da generalidade dos processos em que tenho participado retiro uma
lição: participação honesta nos princípios e sem expectativas muito altas de
que a nossa participação impactará decisivamente o mundo da política. Por vezes
basta uma ideia que ganha asas do ponto de vista político e isso chega para
justificar os custos do envolvimento, relembrando que muitos destes processos
acontecem por Lisboa (pré COVID) e que há gente que marca reuniões como se toda
a gente vivesse nas avenidas novas ou nas imediações da Gulbenkian.
No plano internacional, entre as economias mais avançadas há uma tradição
de mobilização desse conhecimento, de economistas e não só. Quem não conhece as
personalidades que passaram pelo Council of Economic Advisors dos EUA e
algumas das suas presidências mais sonantes? O Governo alemão tem também essa
prática e a literatura económica tem evidências de resultados notórios de
grupos de trabalho constituídos pelo grupo de economistas conselheiros de
Merkel. Em França existe também uma tradição de constituição de grandes painéis
com gente de grande notoriedade até a nível mundial, não apenas de economistas,
mas envolvendo uma maior interdisciplinaridade do que a dos casos americano e
alemão anteriormente referidos. Há também a registar, não apenas em França, a
presença dos think-tanks que direta ou indiretamente acabam por
influenciar a ação governativa.
Em Espanha, foi hoje revelado pelo El País (link aqui) a existência de um coletivo
alargado de economistas espanhóis que tem trabalhado em Moncloa com o grupo de
prospetiva pós COVID do Governo de Sánchez, cobrindo as cátedras de análise
económica de muitas universidades espanholas e envolvendo também personalidades
a trabalhar em inúmeras instituições internacionais.
Cá pelo burgo a SEDES já viveu melhores dias, a Gulbenkian continua a
organizar algumas iniciativas com impacto público e o Institute of Public
Policy Thomas Jefferson (ao qual está associado o nome de Paulo Trigo Pereira),
com ligações ao ISEG, é praticamente o único think-tank com
possibilidade de exercer alguma influência.
Em dissonância com as experiências atrás assinaladas, António Costa terá
optado pelo modelo de “one man”, António Costa e Silva, com um
curriculum invejável e para mim bastaria o facto dele ter passado estoicamente
pela situação de preso político em Angola para granjear o meu respeito,
independentemente de nunca com ele ter contactado e não ter qualquer informação
privilegiada sobre a personalidade. Mas não deixa de ressaltar a natureza
diferenciada do modelo. Espero que não tenhamos uma nova evidência de que os
menos desenvolvidos são os que tendem a aproveitar menos e pior o conhecimento
disponível. Ou António Costa terá tido a intuição de que os “sábios” estão
desacreditados ou cansados de ser instrumentalizados? Seria estranho que assim
acontecesse até porque em matéria de pandemia se registou uma visão muito
prudencial das relações entre a política e o conhecimento, que aqui registei
como algo de novo e saudável.
Porque será que a economia tem de estar fora dessa gestão prudencial do
conhecimento? Alguém me explica?
Sem comentários:
Enviar um comentário