(Os tempos difíceis pelos quais o PSOE passa merecem uma
ampla reflexão, pois podem ser mais relevantes do que parece para compreender
como conquistar um eleitorado estável, capaz de garantir de novo em Espanha
condições de alternância democrática. Por isso o choque
político entre o PSOE de González e o de Sánchez é um tema fascinante e
interpretado pelo viperino Barreiro Rivas ainda adquire mais alcance. Não deixa
de haver aqui um conflito geracional que transposto para a política adquire
outros cambiantes.)
A política espanhola tem sido fértil em crispação, a leitura dos jornais
espanhóis cansa e os tempos são de perturbação incendiados pelo mais pequeno
pormenor da vida política quotidiana em Espanha. Começa a cavar-se um fosso
intransponível entre a geração que tornou possível a Constituição de 1979 e a
geração mais nova, fazendo com que os 40 anos que nos separam daquele relevante
momento da transição democrática em Espanha nos pareçam uma eternidade. O
viperino Xosé Luís Barreiro Rivas é um observador privilegiado para interpretar
essa brecha geracional. Tenham em conta o que ele nos diz sobre a mais recente
tomada de posição pública de Felipe González sobre o momento político espanhol:
“(…) A crítica de Felipe González a
Sánchez foi demolidora, sarcástica, certeira, europeísta e
liberal-conservadora, e foi muito apreciada por aqueles que, com consciência
plena de que deixávamos para trás Franco e o seu tempo, para nos integrarmos na
Europa e nas suas democracias, votámos a Constituição em 1979. Porque a
importância daqueles momentos e a experiência que trazíamos na mochila,
convidavam-nos a fazer política de Estado, que na minha metáfora de hoje
equivale a ouvir música de excelência em auditórios prodigiosos. Mas as gerações de agora, que trocaram a
história pela memória histórica, e que andam em festa pelas ruas, como falleros
e falleras[1],
exigindo diversão que baste e gratuita, preferem Paquito el Chocolatero[2] – e
para os seus fins acertam na escolha!, embora vejam com enorme espanto que
Felipe González proponha que, no momento de iniciar as romarias, com os bolsos
cheios de petardos, comece a ouvir-se o Aleluia de Handel.
Por isso vi com ternura este González que, sem se dar
conta que o seu eleitorado está em retirada, clamou sozinho no deserto, como se
ignorasse que o PSOE de hoje não o reconhece, e que os que mais o querem –
porque nos supera na crítica – são os liberais conservadores. Mas os velhos do
lugar sabemos que tudo o que González fez, ou o ajudou a fazer, dependia de um
eleitorado que o apoiava, e que de modo algum pode repetir-se com um eleitorado
jovem que só pensa na diversão. Porque o velho líder que continua a ser bom e
tem critério, não percebe que o seu eleitorado e o seu tempo – tal como ele –
pertencemos ao passado.”
Um sentimento de derrota imposta pelo tempo atravessa esta preciosa
citação.
Será que não vale a pena continuar a lutar por alguma ponte entre os
eleitorados socialista dos fins dos anos 70 e o eleitorado jovem de hoje? Não
estou nada convencido de que não haja pontes possíveis.
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