sábado, 13 de junho de 2020

UM ELEITORADO QUE SE FOI?



(Os tempos difíceis pelos quais o PSOE passa merecem uma ampla reflexão, pois podem ser mais relevantes do que parece para compreender como conquistar um eleitorado estável, capaz de garantir de novo em Espanha condições de alternância democrática. Por isso o choque político entre o PSOE de González e o de Sánchez é um tema fascinante e interpretado pelo viperino Barreiro Rivas ainda adquire mais alcance. Não deixa de haver aqui um conflito geracional que transposto para a política adquire outros cambiantes.)

A política espanhola tem sido fértil em crispação, a leitura dos jornais espanhóis cansa e os tempos são de perturbação incendiados pelo mais pequeno pormenor da vida política quotidiana em Espanha. Começa a cavar-se um fosso intransponível entre a geração que tornou possível a Constituição de 1979 e a geração mais nova, fazendo com que os 40 anos que nos separam daquele relevante momento da transição democrática em Espanha nos pareçam uma eternidade. O viperino Xosé Luís Barreiro Rivas é um observador privilegiado para interpretar essa brecha geracional. Tenham em conta o que ele nos diz sobre a mais recente tomada de posição pública de Felipe González sobre o momento político espanhol:

“(…) A crítica de Felipe González a Sánchez foi demolidora, sarcástica, certeira, europeísta e liberal-conservadora, e foi muito apreciada por aqueles que, com consciência plena de que deixávamos para trás Franco e o seu tempo, para nos integrarmos na Europa e nas suas democracias, votámos a Constituição em 1979. Porque a importância daqueles momentos e a experiência que trazíamos na mochila, convidavam-nos a fazer política de Estado, que na minha metáfora de hoje equivale a ouvir música de excelência em auditórios prodigiosos.  Mas as gerações de agora, que trocaram a história pela memória histórica, e que andam em festa pelas ruas, como falleros e falleras[1], exigindo diversão que baste e gratuita, preferem Paquito el Chocolatero[2] – e para os seus fins acertam na escolha!, embora vejam com enorme espanto que Felipe González proponha que, no momento de iniciar as romarias, com os bolsos cheios de petardos, comece a ouvir-se o Aleluia de Handel.

Por isso vi com ternura este González que, sem se dar conta que o seu eleitorado está em retirada, clamou sozinho no deserto, como se ignorasse que o PSOE de hoje não o reconhece, e que os que mais o querem – porque nos supera na crítica – são os liberais conservadores. Mas os velhos do lugar sabemos que tudo o que González fez, ou o ajudou a fazer, dependia de um eleitorado que o apoiava, e que de modo algum pode repetir-se com um eleitorado jovem que só pensa na diversão. Porque o velho líder que continua a ser bom e tem critério, não percebe que o seu eleitorado e o seu tempo – tal como ele – pertencemos ao passado.”

Um sentimento de derrota imposta pelo tempo atravessa esta preciosa citação.

Será que não vale a pena continuar a lutar por alguma ponte entre os eleitorados socialista dos fins dos anos 70 e o eleitorado jovem de hoje? Não estou nada convencido de que não haja pontes possíveis.


[1] Referência a uma festividade, as Fallas, popular na Comunidade Valenciana.
[2] Paso doble muito tocado nas touradas espanholas.

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