domingo, 31 de agosto de 2014

O DEBATE DO MÊS

(Xavier Gorce, “Les Indégivrables”, http://www.lemonde.fr)

A máxima dos casamentos aplicada ao país com que nos casaram, uma questão cuja pertinência vai crescendo a olhos vistos...

FRONDINHAS FRANCESAS

(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

Primeiro, foi um presidente da República Francesa em perda de credibilidade a voltar aos por si entretanto esquecidos malefícios das políticas de austeridade vigentes na Europa.

Depois, vieram uns ministros lançar uma fronda contra essa mesma austeridade e seus principais promotores (vejam-se os meus posts de 25 do corrente), tendo imediatamente Valls e Hollande reagido e forçado o respetivo despedimento, com o chefe dos revoltosos (Montebourg) a insistir na sua dama na declaração de renúncia.

Aqui chegados, chegou-se então à frente o primeiro-ministro francês para afirmar que o problema não é de qualquer política de austeridade, matéria que disse não praticar, aproveitando ainda o ensejo para manifestar o seu amor profundo pela empresa.


Mas a coisa tinha-se posto negra e Hollande, que começara por eleger a finança como o seu “verdadeiro adversário”, decide designar um novo ministro da Economia (Emmanuel Macron) reconhecidamente liberal e vindo da banca de investimentos (Rotschild, nomeadamente).

(Jean Plantu, http://lemonde.fr)

Sendo que a justificação não se fez esperar, já que o dito Macron afinal apenas corresponderá ao hemisfério direito do cérebro de Hollande, que é nada mais nada menos do que o responsável pelos movimentos da parte esquerda do corpo.

 (Ilias Makris, http://www.ekathimerini.com)

Sofisticado demais? Nada disso. Tudo isto não passa de componentes de uma gigantesca campanha de marketing que visa reabilitar a imagem do atrapalhado inquilino do Eliseu. A qual foi objeto dos favores de um devido acolhimento na reunião especial do Conselho Europeu de ontem, onde foi expresso um acordo quanto a uma agenda estratégica com um foco no emprego, crescimento e competitividade que já vinha de 27 de junho e pouco tem de novidade mas serve para viabilizar uma agit-prop salientando as “duras exigências” de um Hollande tão artificialmente insuflado quanto primando por uma cada vez mais cândida e desesperante desorientação...

BINGO!


Retomo o meu post de 29 do corrente – assim jogasse e acertasse eu no “Euromilhões” e teríamos certamente mais um excêntrico à solta...

O SOBE E DESCE DA SEMANA (IX)


Última semana de um estranho agosto. Enquanto os destaques positivos continuam a escassear gritantemente – refugio-me no desporto, entre a sensibilidade social de um jovem vimaranense de 25 anos que é o melhor tenista profissional português de sempre (35º lugar no ranking de simples mundial) mas não permite que se confunda a pressão a que está sujeito em competição com a de um chefe de família desempregado, por um lado, e a primeira consagração de um treinador de futebol importado do País Basco para levar um FCPorto por si reconstruído à décima-nona presença na fase de grupos da Liga dos Campeões, por outro –, os negativos não cessam de abundantemente pulular.

Deixando para outras núpcias a inspirada entrevista de Daniel Proença de Carvalho ao “Diário Económico” (DE) e as declarações de vários responsáveis por algumas estrondosas derrapagens autárquicas, escolho três casos marcadamente exemplares: o líder da oposição, do alto da sua enfadonha e já entediante superioridade moral, a vir por a nu a sua imensa imaturidade política; a ministra das Finanças, do alto do descaramento a que se autoriza impulsionada pela sua reconhecida capacidade técnica e política, a vir exibir habilidosamente a imensa inabilidade governativa em termos de gestão da máquina do Estado e respetivas gorduras; o diretor do DE (António Costa por infeliz acaso), do alto da sua palavrosa presunção, a vir satisfazer a encomenda de funcionar como mensageiro subliminar da sobrevivência política de um Passos que – e não faz a coisa por menos! – “deixa a mudança estrutural da economia para a próxima legislatura”...

sábado, 30 de agosto de 2014

O (DES) TOQUE DE MIDAS



A expressão ocorreu-me quando esta semana, em Lisboa, avaliava com algumas entidades a possibilidade de gerar uma parceria de candidatura a um programa lançado pela União Europeia de apoio a população síria fora do país (designada de iniciativa TAHDIR), exilada inicialmente pelas atrocidades sanguinárias do regime de Assad e agora entre dois fogos, o de Assad e o dos extremistas islâmicos jihadistas. Em Portugal, existe já um número não despiciendo de universitários sírios e pensou-se que seria possível lançar algum projeto de capacitação desse conjunto de estudantes, embora a iniciativa da UE esteja utopicamente a antever uma reconstrução do país que certamente é bem mais longínqua que qualquer processo de capacitação pode antever.
Não interessa o projeto, interessa que numa conversa de pouco mais de hora e meia alguém no grupo desfiou relatos de situações desesperadas de famílias normais, como as nossas, classe média, quadros, que de repente se viram na antecâmara do desespero e nela acabaram por entrar. E, na sequência da conversa, demos connosco a verificar que onde o ocidente (EUA e uma desmembrada União Europeia, apesar da NATO) meteu a mão para tentar inverter ou controlar situações elas resvalaram frequentemente para o oposto das intenções iniciais. Ou seja, uma espécie de contrário de toque de Midas.
Tudo isto vem a propósito da perturbadora crónica de Vasco Pulido Valente, hoje no público: “O Ocidente é o inimigo universal das forças que dominam o mundo muçulmano, não pode arbitrar ou conciliar, tanto mais que não conhece ou não percebe as sociedades em que se acha na obrigação de intervir.” A contundência desta síntese é terrível na sua profundidade, tanto mais terrível quanto conduz VPV à tese da delimitação e isolamento do conflito, mais ou menos a ideia de que matem-se uns aos outros e encontrem o vosso equilíbrio. A nossa incapacidade política e cultural, diria uma incapacidade total, para compreender o que está em desenvolvimento do ponto de vista do (s) conflito (s) religiosos suscitados pela intervenção ocidental, é dramática. Há cerca de 40 anos quando iniciei os meus estudos de desenvolvimento, a tradição intelectual de alternativa consistia na desmontagem do etnocentrismo ocidental, da errada perceção de que o Ocidente era o centro do mundo e de que os nossos valores eram universais. A situação alterou-se radicalmente nos últimos tempos. Já não é de rejeição de valores que deve falar-se. O Ocidente é como VPV o assinala o inimigo das forças que dominam o mundo muçulmano. A imposição desses valores, tão criticada na altura por todas as teorias do desenvolvimento alternativas, é hoje impossível. E as questões não se passam hoje ao nível dos conceitos. Damos connosco a pensar como é que foi possível, nas barbas dos serviços de inteligência internacionais, o ISIS ou ISIL aparecerem tão bem armados e financiados sem escassez de recursos. A imagem de fraqueza e de desorientação que Obama tornou pública esta semana não resulta sequer de uma gaffe. Ela é mesmo o retrato fiel da incapacidade total do mundo ocidental compreender a situação gerada a partir da sua própria incompetência. Este mundo não se recomenda.

BREVE PONTO DE ORDEM ORÇAMENTAL

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Tem sido uma tal sucessão de acontecimentos, declarações, comentários e números em catadupa que já poucos portugueses ainda tentam perceber algo que lhes sustente o seu cada vez mais vernáculo desabafo contra os políticos e o estado caótico em que tudo isto se encontra. Tento aqui algum esclarecimento, tomando apenas por referência os elementos factuais mais recentes.

Vejamos: em meados do mês, tivemos uma decisão do Tribunal Constitucional (TC) obrigando o Governo a repor salários de funcionários públicos e impedindo a tributação dos subsídios de doença e de desemprego, assim como os cortes nas pensões de viuvez; uma semana atrás, foi feita a divulgada da estimativa de execução orçamental relativa aos primeiros sete meses do ano; e, há dois dias, foi apresentado o segundo Orçamento de Estado Retificativo de 2014.

É óbvio que os termos da decisão do TC sempre teriam de ter implicações orçamentais negativas, pelo que a única questão de que se quis fazer polémica foi a de saber se o TC era o inviabilizador geral da árdua tarefa de consolidação que estava a ser levada a cabo por diligência governativa (a nova “força de bloqueio”, para citar Cavaco) – como sublinharam Passos e muitos dos seus apaniguados – ou se do seu acórdão apenas provinha algum acréscimo de dificuldades (aliás há muito anunciadas pelos especialistas) para a teimosa aplicação pelo Governo de uma “estratégia” de austeridade largamente assente na penalização de funcionários públicos e pensionistas – o que foi o caso, como veremos.

Por um lado, a síntese da execução orçamental de julho já evidenciava quanto o Governo vinha laborando em claro arrepio das suas próprias previsões. Com efeito, os dois gráficos abaixo (a laranja, as taxas de crescimento a que o Governo se comprometeu em início do ano, aquando do primeiro orçamento retificativo de 2014; a verde, as taxas de crescimento efetivamente verificadas nestes primeiros sete meses do ano) mostram bem como assim é a vários títulos e, muito especialmente, em domínios que nada têm a ver com a interferência do TC: impostos em sobredose (receita fiscal prevista diminuir em 2,5% e realmente aumentada em 4%, p.e.) e incapacidade de contenção da despesa do Estado tout court (a chamada aquisição pública de bens e serviços – algo não muito diverso dos celebérrimos consumos intermédios de outrora, i.e., uma rubrica de despesa que deixa de fora os gastos com o pessoal, com transferências e com juros – foi anunciada como indo estar em queda de 10% e regista um sinal contrário, subindo 0,4%).



Por outro lado, a recentíssima apresentação do segundo orçamento retificativo de 2014 e as correspondentes explicações de Albuquerque sobre o mesmo vieram confirmar não apenas a dimensão da folga orçamental (que não existe segundo a ministra das Finanças enquanto houver défice, batize-a então como lhe aprouver) em vias de ser garantida pela ligeira melhoria registada na atividade económica e no emprego (um encaixe adicional de 0,7% do PIB, cerca de 1000 milhões de euros, em impostos e de 0,3% do PIB, cerca de 500 milhões de euros, em descontos para a Segurança Social) mas também, e sobretudo, a existência assumida de desvios na despesa que vão largamente para além dos decorrentes da decisão do TC.


Muito mais haveria a procurar discernir em todo este emaranhado de complicações em que estamos metidos. Mas o que acima fica dito será certamente já o bastante para que por aqui nos fiquemos, deixando absolutamente claros os excessos austeritários em curso e a incapacidade governamental no tocante a um controlo da despesa pública que anteriormente era considerado necessário e simples. E ainda que a contabilidade não permite que o bode expiatório do TC pegue ao ponto que sugerem, referem, proclamam ou decretam Passos, Portas, Albuquerque, Pires, Montenegro e tantas outras finíssimas figuras da nossa pauperrimamente escrutinada democracia – porque Passos, mais do que apontar o dedo acusador ao TC, devia preferencialmente assumir o banho gelado que lhe permitiria maior legitimidade na subsequente nomeação dos seus tão amados contribuintes...

GLOBALIZAÇÃO?

(Turhan Selçuk, http://www.lemonde.fr)

A volta ao mundo dos conceitos, assim lhe chamou o autor e grande cartoonista turco – um pequeno pedaço de tecido estampado às riscas azuis e pretas, e tantas são afinal as possibilidades de o explorar utilitariamente nos mais diferentes lugares do mundo. De um mundo globalizado, a fazer esse caminho ou nem por isso...

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

A UE SOB PRESSÃO: ESTAMOS COM OS LIBERAIS AMERICANOS



Enquanto a senhora Merkel vai mexendo as peças no seu próprio puzzle europeu (ver último post do meu colega de blogue) e dá graças ao santo (S. Tiago) em passeio de verão pelos caminhos de Compostela com o seu súbdito Rajoy (não vá o diabo tecê-las), nesta semana que se fina economistas proeminentes, essencialmente do lado de lá do Atlântico, zurziram e fortemente o fizeram na incapacidade europeia de compreender o estado deplorável da sua situação macroeconómica.

Bradford DeLong, que se prepara para um ano sabático (imagino a vasta produção que daí advirá, pois com aulas parece que não dorme, sem elas imagina-se o que vem aí) atira a matar quer no Washington Center for Equitable Growth (link aqui), quer no Project Syndicate (link aqui). A comparação da evolução das economias americana e europeia face à tendência que resultaria da situação anterior a 2008 é confrangedora, o que o leva a uma escala de agressividade na designação: primeiro, crise financeira de 2007, depois crise financeira de 2008, de seguida Grande Recessão e porque não agora “a maior depressão”. As perdas observadas pelas economias americana e europeia face ao produto potencial do período 1995-2007 são estimadas, respetivamente, em 78 e 60% do PIB relativo a um ano, representando uma enorme perda de recursos, para a qual os dois blocos económicos não dispõem das mesmas armas.
Do lado de cá do Atlântico, Simon Wren-Lewis (escrevendo a partir de Oxford no Mainly Macro (aqui e aqui) é particularmente certeiro quando submete a política macroeconómica da zona euro a uma crítica contundente, denunciando o que são as insuficiências da política monetária (mesmo se Draghi cumprir o que vai prometendo) quando comparadas a incontornável utilização da política fiscal no contexto deflacionário e de “zero lower bound” de taxas de juro que a zona euro vai vivendo. Wren-Lewis mostra como o discurso alemão de colocar a questão grega no centro de toda a sua argumentação pretende ocultar a pretensão alemã de renunciar a desempenhar o seu papel necessário de exercitar a política fiscal e reflacionária acima dos países da periferia, para que estes possam aspirar a taxas de inflação de pelo menos 1%. Não terá sido por acaso que o ministro das Finanças Schäuble se apressou a vir a terreiro dizendo que Draghi foi mal interpretado no seu discurso em Jackson Hole (link aqui para o Económico). Na mouche, sobretudo porque Draghi falou essencialmente para a Alemanha e para os seus representantes no BCE.
Finalmente, Krugman (link aqui) dá a sua interpretação para um problema tão vincadamente exposto neste blogue. Porque é que os economistas europeus se mostram tão pouco fazedores de opinião contra os princípios estabelecidos que estão a comer literalmente o bem-estar dos europeus e porque é que não se vislumbram vozes poderosas? Krugman propõe-nos duas explicações: “Uma é que a ecologia intelectual Americana parece ser muito mais flexível: aqui, economistas proeminentes com investigação reconhecida podem também assumir-se como intelectuais públicos com muitos seguidores e ainda assim servir o serviço público; e podem oferecer pelo menos algum contrapeso aos TMR (tipos muito respeitados). Pensem em Larry Summers, mas também em Janet Yellen (e antes dela Ben Bernanke) e de uma maneira ligeiramente diferente este vosso servidor. Este tipo de gente não é totalmente inexistente na Europa – Mervyn King foi um banqueiro central académico e de certo modo também Mario Draghi. Mas nos EUA há muito mais gente desse calibre. A outra hipótese é que os liberais americanos foram influenciados pela loucura da nossa direita e em particular pela experiência dos anos Bush”.
Enquanto analisa o débil ambiente académico europeu, Krugman espanta-se com a leveza (com a espessura de um kleenex) da esquerda europeia, incapaz de se fazer ouvir (de novo à atenção de Costa e de Seguro). E os tempos estão para sermos todos liberais americanos, já que é nesse campo que temos, por mais paradoxal que isso possa parecer, os melhores defensores de um outro paradigma de intervenção na Europa. Parece assim que este blogue nasceu com ideias certas: depois de anos e anos à procura de referenciais macroeconómicos europeus, vale bem mais a pena seguirmos com atenção a blogosfera americana e ter a sagacidade e o espirito crítico em alerta para pensarmos bem a contextualização europeia desse pensamento. Para lá do gozo de fazer este blogue, só esta conclusão bastaria para pensar que vamos seguindo a orientação certa.

OS LEGOS EUROPEUS DE ANGELA

(Ramachandra Babu, http://www.golf.com)

(James Ferguson, http://www.ft.com)

Devagar devagarinho, lá vai fazendo o seu caminho a estratégia de Merkel para um próximo comando da União Europeia que lhe seja essencialmente atreita e obediente. Primeiro, conseguiu resolver a seu contento a difícil questão da presidência da Comissão, acabando por instrumentalizar Juncker após várias manobras táticas em que torpedeou o francês Barnier e o seu compatriota socialista Schulz, conduzindo aquele a um quase aposentado silêncio e reduzindo as ambições deste a uma expressão comodamente gerível.



Depois de uns dias de férias, dedicou-se à questão da presidência do Eurogrupo, entregando-a através do amigo Rajoy ao ministro da Economia espanhol Luis de Guindos que tanto contribuíra para eclipsar qualquer voz reivindicativa da Espanha ao longo destes anos na expectativa de conseguir a desejada nomeaçãozinha – não que sejam previsíveis grandes diferenças entre a prestação de Luisito e a do seu antecessor Dijsselbloem (um alegado social-democrata que reportava cegamente a Schäuble), mas sempre é de bom tom premiarmos os nossos em relação aos outros.

(Peter Schrank, http://www.economist.com)


Agora parece que se prepara para entregar a presidência do Conselho ao europeísta e poliglota polaco Donald Tusk, caso em que um eventual vencimento de causa lhe permitirá de seguida a insignificante flor de entregar a Renzi os inexistentes negócios estrangeiros da União.

Com aqueles resultados eleitorais, só com mais socialistas de um só país (ainda?) seria possível obter pior...