A expressão é inspirada na crónica de João Miguel
Tavares, aliás muito bem contraposta com o último post do meu colega de blogue, que bem aqui assinalou a relevância
do que foi conseguido em Bruxelas a propósito da União Bancária e do novo método
de intervenção em resgates ao sistema financeiro.
Mas não deixa de ser curioso assistir ao modo
como a atual maioria tem passado relativamente a salvo por entre os pingos da
chuva, sobretudo depois que a narrativa do pós Troika se esfumou e se percebeu
que afinal a recuperação não era tão esfusiante como a pintaram. E
metaforicamente até não se tratava de chuva miudinha, mas antes de séria
borrasca, pois o caso BES-GES veio mostrar que a transformação do paradigma produtivo
em que o futuro do país tem de ser construído será penosa e não será um
qualquer relógio político que a fará apressar.
Para que a maioria pareça dar-se bem com os
tempos do atual verão, muito contribui a previsibilidade da oposição. Da
baratinha tonta em que o Bloco de Esquerda se transformou, à previsibilidade do
PCP cujas intervenções poderiam ser esboçadas facilmente com um computador que
tratasse a regularidade das intervenções passadas, temos um PS aguerrido para
consumo interno, em que António José Seguro se assume como um pitbull de cabelo encaracolado para António
Costa e seus seguidores, estando este último a pagar as favas de um calendário
político-eleitoral desenhado a preceito em função dos interesses do primeiro. E
para cúmulo desta luta interna, o fantasma de Sócrates parece regressar, aliás
preparado pelo próprio quando este se mostrou tão agastado pelo modo como a
justiça portuguesa tem tratado Ricardo Salgado.
Ou seja, ou pela sua previsibilidade ou porque se
tem posto a jeito, a oposição tem criado as condições para que o verão corra de
feição à maioria, que parece dar-se bem com o primeiro-ministro a banhos. E o pôr-se
a jeito tem até permitido alguns escritos de circunstância, bem arrancados,
como é este o que transparece do excerto da crónica de Paulo Rangel no Público:
“É já de si
um tanto inusitado que alguém publicite a sua disponibilidade para ocupar um
cargo executivo, cujo processo de selecção resulta de uma cooptação (do Governo
nacional em cooperação com o Presidente da Comissão). O cargo de comissário é
um posto que integra um colégio executivo e que obedece a uma designação por
via de escolha pessoal. Em muitos dos seus aspectos, a escolha de um comissário
tem um óbvio paralelo com a escolha de um ministro, que também faz parte de um
órgão executivo colegial. É, pois, bem caso para questionar: o que diriam os
meios de comunicação social portugueses de uma personalidade que, em pleno
período de formação do Governo, desse entrevistas, escrevesse artigos e se
desmultiplicasse em declarações a dizer que se considerava a si própria a
pessoa com mais perfil e competência para ser ministro desta ou daquela pasta?
Ou até, como de facto sucedeu, com mais perfil e competência para ocupar toda e
qualquer pasta? Vale a pena meditar no que diriam de uma atitude desse tipo a
generalidade dos observadores e comentadores…
Mas a verdade é que nessa vertigem de auto-promoção ainda se foi mais
longe. A dada altura a férrea volição de ocupar o lugar chegou ao ponto, não
apenas de exibir as pretensas qualidades próprias, mas de fazer passar como
certo que essa seria a genuína vontade do Presidente da Comissão. Ora, que se
saiba, ninguém ouviu o Presidente Juncker falar de nomes na praça pública e não
é crível nem plausível que tenha mandatado alguém para falar em seu lugar. A
única coisa que transpirou, com auras de alguma verosimilhança, foi uma
inclinação pela escolha da actual Ministra das Finanças. Que se diria, naquele
paralelo da formação de um Governo, de alguém que afirmasse, preto no branco,
que tinha de ser ministro porque além do mais, o Primeiro-Ministro queria muito
que esse alguém fosse… e só por hipotética teimosia de um putativo parceiro de
coligação é que deixaria de ser? Isto, apesar do dito chefe do executivo ter
sempre de Conrado guardado o prudente silêncio…”
Ou seja, também na escolha do Comissário Europeu
a maioria parece passar sem grandes estragos, neste caso porque outros se
puseram a jeito ou em bicos de pés. E para o cidadão comum (ninguém o terá
desmentido) até foi Paulo Portas que indicou o nome de Jaime Gama.
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