Nestas leituras de verão, na esplanada da praça
que nos protegia da chuva miudinha, é impossível ficar indiferente à fotografia
de Ana Belén, que nos remete para uma crónica do grande Manuel Vicent, no
suplemento Revista verano do El País, designada de “Travessía de una chica com classe”.
É a beleza da imagem que primeiro nos atrai e só depois há tempo e estímulo
para mergulharmos no texto, que me levou a outros pensamentos.
Compreende-se pelo texto que Belén é uma referência
de um imaginário coletivo, diremos de esquerda para simplificar:
“(…) É impossível imaginar os últimos quarenta anos sem que o
rosto desta mulher não tenha sido o referencial de um fascínio coletivo. Quando
a política se abria á liberdade e a uma geração de artistas jovens que
acreditava que as coisas podiam mudar crendo e lutando, Ana Belén, sem perder a
sedução, estava sempre onde tinha de estar, onde se esperava que estivesse: na
greve de atores, nos meetings anti-Nato, por detrás dos cartazes de Não à
Guerra, nas manifestações contra a repressão. Ela era dos nossos, diziam-se os
políticos progressistas. Formava uma frente com Víctor Manuel, Serrat, Miguel
Ríos, Sabina, Aute. Sem perder o swing, sem gritar e descompor a figura,
tinha-se orientado para o Partido Comunista, que era o porto natural onde se
acolhiam contra Franco todos os inconformistas, rebeldes, visionários e
companheiros de viagem (…)”.
Manuel Vincent acrescenta um parágrafo de antologia
no qual expõe a tese de que a classe é um swing interior:
“ (…) A classe é um swing interior, que se manifesta na graça
natural de olhar, caminhar, de sorrir, de calar, de seduzir, de ondular o corpo
em torno de um eixo espiritual que atravessa o corpo desde o cérebro à planta
dos pés. É a vida que nos oferece a classe. (…)”
E de facto, em Espanha, compreende-se a importância
destes referenciais, porque desaparecem todos os outros.
Como não podia deixar de ser, dei comigo a
procurar cá pelo burgo se também dispomos de um referencial feminino com este swing interior. Fiquei desolado. As
imagens que me vieram ao espírito só me ofereceram horrores, que me dispenso de
mencionar, apenas por pudor. Talvez Maria Carrilho fosse no meu imaginário uma
aproximação a esse referencial. Desaparecera da circulação até que reapareceu
como membro do triunvirato que está a gerir as eleições primárias no PS.
Concluo por isso que nem sequer de uma Ana Belén
dispomos para amenizar o deserto de ideias.
Deixo-vos para amenizar a situação com o célebre
concerto “El Gusto es Nuestro” com Serrat, Ana Belén, Miguel Ríos e Victor Manuel
(link aqui).
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