sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O DEBATE DO MÊS


O recém-defunto Verão de 2014 foi marcado por uma incrível sucessão de funerais. De entre os muitos a que impavidamente assistiram uns já por nada impressionáveis portugueses conta-se o da ex-toda poderosa PT. Um filme cujo argumento é tudo menos simples e a que não cessam de ser acrescentados novos episódios e renovadas questões polémicas e dúvidas metódicas. Alguém que procure respostas, talvez possa começar por avivar a memória percorrendo os elementos que se apresentam no final deste postMas foi assim tão tremendo e inesperado o estoiro da Portugal Telecom?

Bom. Foi ou não ilusório conceber e alimentar uma estratégia visando a construção de um “campeão nacional” feito “empresa global”? Como se distribuíram as culpas entre os acionistas e as várias instâncias políticas ao longo do processo? Onde deve situar-se o seu “pecado original”, no engordar a qualquer custo para privatizar caro, no lirismo de um crescimento em mercados externos de grande dimensão e/ou de uma internacionalização lusófona, na compra da Vivo, na aproximação à Telefonica, no chumbo da OPA da Sonaecom, na utilização da golden share para forçar o prolongamento do mito através de uma entrada na Oi, na remuneração dos acionistas no período 2010/12, nos termos com que este Governo abdicou da golden share, em múltiplos malabarismos e amiguismos associados ao caso BES ou numa contratualização inconcebível com os brasileiros da Oi? O regulador falhou, quanto e em quê? E os auditores internos e externos? E os conselheiros jurídicos da empresa? Poderia em algum momento o rumo final dos acontecimentos ter sido invertido? Até que ponto era a empresa o exemplo de boa gestão que tanto se proclamou? E Zeinal era realmente o nosso “Messi das telecomunicações”? E que competências efetivas adquiriu a mesma, para além de um significativo reforço dos seus recursos e capacidades de inovação?

E agora, já agora? Pode tentar-se voltar ao princípio e arrancar novamente como quase sugere o novo presidente executivo? Ou há que embarcar na venda pelos brasileiros, embora nesse caso seja tudo menos indiferente a quem, com que objetivos e em que termos? Em suma, volta a ser tempo de regressar à pergunta que Lenine consagrou: que fazer?


(adaptação de http://oje.pt)



PARA ABAFAR AS PENAS



Não era necessário ser-se analista político de eleição para compreender que a via sacra do PS desencadeada pelas primárias para candidato a primeiro-ministro, mesmo que minimizada pela esclarecedora vitória de António Costa, não era solução que se recomendasse para gerar uma alternativa política mobilizadora, algo que criasse uma embalagem de vitória para 2015.
As evidências de toda a trajetória posterior aos resultados de 28 de setembro confirmam essa crónica anunciada e mesmo uma desajeitada maioria como a que atualmente diz que governa não teria dificuldades em explorar o desatino em que António José Seguro (AJS) com a sua proposta colocou a ambicionada alternativa mobilizadora.
Qual eremita com problemas de fé, AJS encontrou no refúgio de umas providenciais aulas um tempo precioso de abafar de penas e terá saído de circulação. A penosidade do trajeto que as primárias imprimiram era já por si só fator de desvantagem na transição política do PS e por isso seria de esperar que os novos protagonistas não a tornassem ainda mais penosa. Mas o sadomasoquismo do PS parece não ter limites e nos últimos dias parece haver gente apostada em tornar mais difícil a travessia ou transição, numa espécie de auto-flagelação tornando ainda mais pesada a cruz que se transporta e as agruras do caminho.
É para mim também uma crónica anunciada que no grupo parlamentar do PS há demasiada gente com demasiados problemas de consciência e de culpa em relação à governação de José Sócrates. O próprio António Costa é talvez o que lida melhor com essa provação, mas não está no grupo parlamentar. Tudo isso fruto de não ter sido feita em tempo oportuno uma avaliação crítica do que foi feito e não feito. A não sublimação, transferência ou resolução desses problemas de avaliação em tempo oportuno tornam a bancada demasiado vulnerável a qualquer provocação da maioria.
O debate em plenário hoje realizado do Orçamento de Estado na Assembleia da República é a confirmação dessa crónica anunciada e se o ausente AJS seguiu com atenção as incidências do debate deve ter-se rebolado de riso com a forma infantil e algo masoquista com que o PS se deixou envolver com o passado José Sócrates. O debate terá contribuído para AJS abafar senão minorar as suas penas e de mal o menos serviu para isso, já que para gerar a tal alternativa mobilizadora vou ali e venho. A escassez de nomes no PS que possam animar uma transição capaz de realizar a tal visão crítica do consulado de Sócrates e das suas pérfidas influências brada aos céus e seria de esperar que homens com a experiência política de Ferro Rodrigues e Vieira da Silva fossem mais consistentes a olhar para o futuro do que a deixar-se prender pelo passado. Mas não foi assim, antes pelo contrário e uma desconjuntada maioria sai ilesa senão vencedora do debate travado.
E para complicar as coisas o próprio António Costa deixou-se também envolver numa pouco hábil controvérsia com o Governo em torno dos Fundos Comunitários. Não compreender que a execução do QREN se joga até 31 de dezembro de 2015 e não até 31 de dezembro de 2013 é coisa que não lembraria ao mais desavisado homem de estado. Mas em meu entender isso não é o mais grave. Cavalgar a taxa de execução dos Fundos Comunitários também não me parece muito avisado. Não é necessário perder muito tempo para compreender que os problemas centrais da programação em Portugal não são de execução, mas sim de coerência e consistência das apostas de investimento em que essa execução se concretiza. Bem sei que do ponto de vista da inércia política em Portugal é sempre mais gravoso declarar que um euro de financiamento comunitário não foi executado do que concluir que mil euros executados foram mal investidos e pouco eficazes a produzir resultados. Mas também aqui se esperaria de António Costa um contributo para quebrar essa inércia e a tal preguiça dos jornalistas que se esfalfam a denunciar a não execução e ignoram olimpicamente a má execução. E o que é intrigante é que não escasseiam as fragilidades da maioria seja na concretização do QREN seja na preparação do novo período de programação, logo matéria bem mais sólida para combate político eficaz e contundente. Por exemplo, uma matéria da qual a maioria tem passado incólume é o efeito pernicioso que a austeridade gerou na incapacidade das empresas concluírem projetos de financiados cofinanciados e também a incapacidade orçamental para libertação de fundos de contrapartida nacional para investimento público cofinanciado.

DO NERVOSO DOS BANCOS

(Arend Van Dam, http://fd.nl)

(Dan Woodger, http://www.nytimes.com)

Confesso que não fiquei especialmente desestressado com os resultados dos exames aos bancos europeus, sendo ademais de notar que ninguém com responsabilidades veio a público esclarecer alguns dos pontos mais nebulosos do exercício (cantilenas políticas ou auto valorativas à parte).

Ainda assim, valerá a pena passar os olhos pelo dossiê abaixo, que recolhi a partir de elementos explicativos divulgados pela imprensa da especialidade. Começando por uma comparação dos testes de 2014 com os anteriores, de 2011. Observando depois a distribuição geográfica dos 25 bancos “chumbados” (rácios de capital abaixo do mínimo exigido no caso do cenário económico mais adverso). Prosseguindo com uma informação mais circunstanciada sobre esses mesmos bancos, evidenciando designadamente as respetivas necessidades de capitalização e os 16 que não cumpririam em 2016 o rácio de capital mínimo no cenário de base considerado pelo BCE como mais provável para a evolução da economia. Informando ainda sobre os bancos que se apresentaram como sendo os mais e menos sólidos de cada país. Utilizando seguidamente a dimensão país para avaliar a situação encontrada em termos de necessidades de recapitalização (Itália, Portugal, Áustria, Irlanda, Chipre, numa ordenação decrescente) e de custos de um hipotético cenário catastrófico (Grécia, Portugal, Itália, Alemanha, idem). Explorando essa mesma dimensão país através da mais aprofundada análise levada a cabo pelo “El País” (com o sistema bancário português a surgir classificado à partida num pouco abaixo de mediano 14º lugar, mas evidenciando deteriorações acentuadas em termos finais, leia-se 2016, quer tornando-se 19º no cenário-base quer passando a 20º e antepenúltimo no cenário adverso). E terminando com um quadro muito curioso sobre a capacidade de alguns bancos sistémicos resistirem a uma verificação do pior cenário comparativamente à de um cenário mais previsível (com dois bancos alemães, Deutsche Bank e Commerzbank, em particular destaque pela negativa).