Como é sabido, a União Europeia está em pleno exercício da Presidência Italiana. Em tal quadro, e como lhe é habitual fazer em relação ao país com aquelas funções semestrais de coordenação ministerial, o “Palais des Beaux-Arts” (vulgo Bozar) dedica muita da sua atividade cultural à Itália.
Ontem passou pela instituição o cinema, com Claudia Cardinale a representá-lo condignamente, mas a música e a arte italianas são nela uma presença constante. Ora, uma exposição que está atualmente patente, realizada em conjunto com a “Dena Foundation for Contemporary Art”, junta vários artistas contemporâneos italianos oriundos de diferentes regiões do país e radicados em outros países europeus. Intitulada The Yellow Side of Sociality a mostra pretende associá-los através da cor amarela, cujos variados significados possíveis surgem indicados no programa como ajudando a simbolizar a complexidade da identidade italiana (entre o otimismo aberto e solarengo, a leveza na alegria, o mistério desconcertante e o ciúme dos tons berrantes).
Mas mais ainda. Como se pode ler no texto do cartaz explicativo de abertura, que tomei a liberdade de traduzir e abaixo reproduzo (porque vale a pena ser lido), trata-se também de valorizar esse “viver-conjunto” tipicamente italiano que o poema de Montale pretende eleger. Serão estes tempos tão sombrios e de tão austera austeridade devido a essa “espécie de insensibilidade ao amarelo” (i.e., de desapego em relação à “ideia de comunidade e de pertença”) que se difundiu na Europa?
“Quando um dia de um portão mal fechado
entre as árvores de um pátio
nos surge o amarelo dos limões;
e no coração o gelo se dissolve […]”
Eugenio Montale, “Os Limões”
“Terá sido possível que na Europa se tenha difundido uma espécie de insensibilidade ao amarelo e em particular ao sentido que lhe atribui o poeta Eugenio Montale no seu poema ‘Os Limões’? E se esta condição fosse uma das consequências menos conhecidas das ‘medidas de austeridade’ de que tanto se ouviu falar desde o início da crise financeira?
As cores não são unicamente elementos constitutivos do espetro luminoso. Elas são instrumentos essenciais utilizados pela natureza e pela cultura, vetores de atração e de repulsa, elementos qualificativos que habitam o nosso imaginário visual e verbal mas também as nossas ideias e as nossas emoções. As cores ajudam-nos a exprimir perceções e relações extremamente complexas, participando assim na estruturação do comportamento individual e na organização social.
‘Amarelo’ em inglês contém a palavra ‘yell’, que quer dizer ‘grito’ enquanto que a palavra ‘giallo’ em italiano provem da mesma raiz indo-europeia, ghel significando ao mesmo tempo “brilhar” mas também ‘gritar’. O amarelo, cor que grita para chamar a nossa atenção, tanto nos lança um aviso ou tanto nos sensibiliza para a ideia de comunidade e de pertença pelo despertar dos nossos corações, como no poema de Montale.
A ‘sociabilidade’ é a nossa propensão natural ao viver-conjunto e a partilhar as tarefas do bem viver. Através da sua história, a Itália alimentou uma forma particular de sociabilidade que coloca a beleza e a arte no centro da vida em comum. A despeito das dificuldades que o país atravessa, ‘The Yellow Side of Sociality’ vai na mesma direção que a proposta pela famosa canção ‘On the Sunny Side of the Street’ escrita por Dorothy Fields durante a Grande Depressão. Esta exposição apresenta os numerosos e diferentes modos de expressão pelos quais o trabalho de um grupo multigeracional de artistas italianos vivendo na Europa contribui nos lugares de adoção para despertar a nossa sensibilidade ao mistério e ao prazer do ser-conjunto.”
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