Vamos ter um fim-de-semana marcado
inequivocamente pelos comentários em torno da eminente desagregação da PT, algo
de anunciado na sequência de uma alucinada sequência de decisões,
aproveitamentos, degradação das condições de “corporate governance” e da recorrente reincidência dos mitos de um
pequeno país. Choram-se lágrimas de crocodilo, o ego nacional está em baixa,
uns figurões sacaram quanto quiseram e, como sempre, é apenas a componente CDS
do governo (neste caso Pires de Lima) que chama as coisas pelos seus nomes, mas
não passa disso, ou seja, não tem consequências na governação.
Um pequeno país não está condenado a prescindir
de ambição e não serei eu a contrariar essa possibilidade. Alguém pensou que
Portugal poderia ter uma empresa global nas telecomunicações e na gama de
serviços associados e começou a fazer por isso, inicialmente (não
momentaneamente mas com alguma duração de tempo) com apoio determinante do Estado
e dos sucessivos governos. Recordo-me que, designadamente com apoio dos Fundos
Estruturais de sucessivos períodos de programação, a PT foi sendo apoiada na
sua dimensão tecnológica, em grande medida potenciado pelos recursos humanos e know how que foi sendo possível acumular
na empresa.
Nunca ninguém de boa-fé e distanciado das
querelas que essa estratégia inevitavelmente suscitou analisou com rigor quais
foram os custos de oportunidade da operação de querer fazer emergir um campeão
nacional com estatuto de empresa global, gerados pelos efeitos de inibição ou
mesmo de penalização de grupos nacionais alternativos e concorrentes no domínio
das telecomunicações. É difícil encontrar essa gente capacitada e distanciada
para o fazer. A transformação da PT em pretensa empresa global deu origem a um
séquito imenso e diversificado de beneficiários diretos e potenciais e por isso
faltou a muito boa gente a clarividência para analisar friamente o que estava
em andamento.
A PT ilustra bem o que se sabe acerca dos
resultados de processos desta natureza, comecem eles por ser públicos, assim
permaneçam ou sejam depois privatizados, ou inicialmente privados com base num
processo de discriminação positiva de algum grupo empresarial. No primeiro
caso, em ambas as situações o processo de construção de uma empresa global não
está isento de derivas ou de captura do interesse público. Na situação comparativa
que interessa reter, a do projeto público com posterior privatização, o momento
chave é o da estabilização do corpo acionista privado. Em Portugal, optou-se
pela privatização total, o que reforça a delicadeza desse momento-chave. Depois
de uma poderosa magnitude de investimento público associado ao processo (e
tendo em conta o custo de oportunidade de colocar os ovos todos num único
cesto), a privatização não permite regra geral manter vivo o desígnio nacional
de construção de uma empresa global com o nome do país. No caso da PT, a decisão
de construir a empresa global a partir da aposta inicial no mercado brasileiro
e, posteriormente, o modo como os acionistas da PT responderam ao ultimatum da
Telefónica espanhola anunciavam o pior. A posterior parceria com a Oi está
longe de constituir uma parceria estratégica e está por demonstrar que a
lusofonia constitua a rampa de lançamento certa para uma empresa que aspira a
ser global. Cada um à sua maneira o Brasil e Angola estão longe de partilhar a
abordagem mais afetiva do que estratégica que os portugueses dedicam a esse
espaço. A pequena dimensão de Portugal face a esses dois parceiros tem sido
fator permanente de sobrevalorização do interesse económico da lusofonia,
sobretudo quando Portugal não associa a essa pequena dimensão uma
desproporcionada intensidade de conhecimento, que poderia compensar tais
diferenças.
A PT transformou-se mais num centro de captação
de rendas sob a forma de chorudos dividendos do que propriamente num exemplo de
construção paulatina de uma empresa global que exigiria da parte dos seus
acionistas uma outra capacidade de investimento. O que significa que o valor
inicialmente criado por via determinantemente pública foi progressivamente
esquartejado por acionistas ávidos de rendimento. Por cada exemplo desta
natureza e magnitude que soçobra, mais se reforçam as dificuldades de
reorientação do tecido empresarial por via pública. Hoje, tem cada vez mais
sentido equacionar os custos de oportunidade de se terem colocado os ovos num único
cesto (a PT). Quantos projetos e dinâmicas empresariais foram destruídos ou impedidos
de emergir por força dos apoios à PT? Que significado teve em concreto a opção
governamental (nos tempos de Sócrates) de impossibilitar a OPA da SONAE?
Dirão alguns, como Henrique Monteiro no Expresso,
que só em Portugal se acreditaria na fábula de uma pequena economia aspirando a
ter uma empresa global. José Félix Ribeiro dirá, e se calhar lucidamente, que
Portugal poderá quando muito aspirar a ser plataforma de empresas globais
externas, desde que se consiga organizar para tal e dotar-se das competências certas.
Neste caso, o lavar dos cestos pode ter ainda uma dimensão estratégica, não
sendo indiferente quem adquira a PT tal como se apresenta. Mas, extrapolando a
partir das privatizações já concretizadas, a perspetiva do atual governo roça a
mais elementar indigência estratégica.
Sem comentários:
Enviar um comentário