Uma parte não despicienda da nossa formação em
economia foi desenvolvida com base no pressuposto ou na ideia de que os
serviços apresentam predominantemente uma dimensão não transacionável, ou seja,
que apresentam um sistema de formação de preços que não é ditado pelas condições
prevalecentes nos mercados internacionais. Desta ideia ou pressuposto retiramos
algumas leis estruturais fundamentais da economia, sobretudo a que nos diz que
os preços relativos dos serviços tendem a aumentar com o nível de
desenvolvimento económico. Em ideias simples: em Portugal, o preço de uma
camisa de marca (100 euros) equivalerá a 100 cafés (1 euro); porém, se nos
deslocarmos para uma economia como a Noruega ou a Suécia, o preço de uma camisa
similar equivalerá a muito menos cafés, já que nesses países o preço relativo
de um café (serviço) será bastante mais elevado do que em Portugal.
Será que esta lei estrutural tendencial terá
deixado de funcionar? Não inteiramente, porque uma parte não negligenciável dos
serviços continua a ser não transacionável e a ter o seu preço essencialmente
determinado pelas condições internas dos países (custos salariais, sobretudo). Por
muito que o quiséssemos praticar para ganhar dinheiro com a arbitragem de
mercados, não podemos produzir o café aos preços de Portugal e vendê-lo na Suécia
aos preços locais.
Mas isto não significa que não tenhamos de abrir
os olhos e melhorar a formação em economia nessa direção. E abrir os olhos a quê?
No fundo, trata-se de compreender que a própria evolução do comércio e da
economia mundiais, sobretudo com a fragmentação do processo de produção, distribuindo
pelo mundo a produção de componentes intermédias necessárias para a formação de
um dado produto, tem vindo a revolucionar o papel dos serviços e a
atribuir-lhes uma dimensão cada vez mais transacionável. Os economistas chamam
a este processo as Cadeias de Valor Globais e a sua movimentação pelo mundo tende
a gerar as chamadas “supply chains”,
cadeias de oferta que gerem a localização distribuída pelo território mundial.
Dani Rodrik, um economista de eleição para este
blogue, chama a atenção para esta transformação no Project Syndicate, fazendo-o de um ponto de vista que não pode
deixar de ser invocado para discutirmos em Portugal uma agenda de futuro, seja
a Agenda para a Década de António Costa, seja uma outra agenda qualquer que
pense a longo prazo o futuro do país. O ponto de vista de Rodrik é a de que os
serviços podem vir a substituir o motor da indústria transformadora como motor
de crescimento das economias menos desenvolvidas. Invoca para isso investigação
recente realizada por economistas do Banco Mundial (Ejaz Ghani e Stephen O’Connel)
publicada em artigo sob o título “Can Service Be a Growth Escalator in Low Income Countries?”. Portugal não é uma
economia de baixo rendimento, mas o tema interessa à construção de uma
alternativa de futuro para a economia portuguesa. A Confederação do Comércio e
Serviços de Portugal (CCP) tem-se batido pelo reconhecimento da dimensão de
transacionalidade dos serviços e compreende-se essa atitude como atitude crítica
face ao lobby industrialista em Portugal e à sua capacidade de afirmação no
acesso aos Fundos Estruturais. Procurando a economia portuguesa os rumos dos
transacionáveis, compreende-se que não será indiferente reconhecer que os
serviços são já em grande medida transacionáveis e que estão presentes nas
exportações portuguesas.
A grande questão prende-se como é que a economia
portuguesa se articulará com players internacionais para estar nessas
plataformas de internacionalização dos serviços. Veja-se, por exemplo, a questão
do turismo-saúde que tanto estimula as propostas de alguns economistas em
Portugal. A questão é então a seguinte: teremos players no turismo e na saúde capazes de projetar o território
nacional nessas plataformas? Uma boa questão para uma agenda de longo prazo.
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