O futebol é
um dos domínios que mais contribui para alimentar uma perceção polarizada sobre
o que valemos e o que podemos fazer. Tanto nos leva a hiper-valorizar
capacidades, como a mergulhar em profundas depressões. Não há necessidade disso.
Trata-se apenas da nossa maleita de não saber dimensionar a imagem sobre nós próprios,
projetando-nos distorcidamente na comparação com os outros.
Talvez joguemos
mais do que o Uruguai que parece partido entre uma defesa excecional, atenção não
apenas ao duo central Godin e Gimenez, mas também a um surpreendente defesa esquerdo
Laxalt, e dois avançados que jogam de olhos fechados. O primeiro golo do
Uruguai é de privilegiados e foi sem dúvida demasiado cedo, pois potenciou
todas as virtualidades desta seleção em que não há um nome relevante que seja
no meio campo. E depois o nosso poder de construção de fogo anunciava problemas.
Como sabemos o nosso Fernando é lento a tomar decisões. A construção de jogo
pelos laterais nunca chegou aos níveis do Europeu, sobretudo porque Rafael Guerreiro
nunca apresentou uma condição física capaz para aguentar o balanço. A força do
meio-campo esteve a meio gás, Wiiliam é um portento de força e resiliência mas é
lento e não acrescenta acutilância à alimentação do ataque. Bernardo ainda apresenta
hiatos comprometedores, Moutinho está em ciclo descendente e Adrien já não é o
que era. E no ataque o potencial de Guedes tarda a afirmar-se em jogos desta
dimensão, não se percebendo a hesitação de Santos entre um jogador de área de
raiz (André Silva) ou um ataque mais móvel, mas com pouco fogo. Gelson foi
morto à nascença por uma entrada prematura contra Marrocos. Ronaldo não pode
fazer tudo e quanto mais pressionado para resolver o que o coletivo não resolve
menos joga, como aliás o jogo de hoje bem o mostrou.
Não sou
Marcelo e por isso não necessito de pintar a realidade para emular os
Portugueses, que têm de aprender a motivar-se com outras coisas. A nossa saída
nos oitavos é a medida real do poderio que demonstrámos e quando assim é não há
necessidade de depressões. Precisávamos de uma evolução a partir da fase de
grupos. Tivemos jogos demasiado sofridos para uma evolução sustentada de modelo
tático que nos permitisse encarar o jogo de hoje com mais confiança e rotina de
processos. O nosso grupo era atípico e os modelos de jogo que encontrámos,
Espanha, Marrocos e Irão eram substancialmente diferentes dos problemas
colocados por uma seleção partida entre a defesa e o ataque mas temível na exploração
desse modelo, dada a excelência das individualidades.
A noite de
Seixas está húmida mas de uma amenidade irrepetível. Reina um silêncio
sepulcral na aldeia e o som da noite na vila faz lembrar uma estância termal. O
sonho acabou. Mas não temos de ficar deprimidos por isso.