(Será que em época de globalização de movimentos de
jogadores de futebol, ainda poderemos atribuir às seleções uma matriz de
identidade nacional? Aparentemente sim e o fadinho português parece
resistir ao percurso pelo mundo dos nossos globetrotters…)
O meu
relacionamento com o Mundial da Rússia tem sido atípico, não muito entusiasmo,
talvez cansaço de tanto jogo, um curto período de férias pelo meio, muito
sofrimento (Marrocos e Irão dois stresses prolongados), material não muito abundante
para as minhas reflexões sobre o jogo para lá do simples futebol.
A primeira
interrogação que se me coloca é a de saber se em tempos de globalização dos
artistas da bola, em função dos centros do dinheiro, as seleções transportam
consigo alguma matriz identitária. Será que a movimentação dos artistas pelos
grandes clubes do mundo não reduz o seu contributo para um futebol de raízes
nacionais? Podem os selecionadores preparar as suas omeletas com ovos topo de
gama, habituados a outras andanças, ritmos e inspirações?
Pelo que
tenho visto, pelo menos algumas seleções parecem continuar a navegar na sua
matriz identitária de país e isso considero ser algo de relevante num mundo tão
globalizado.
Senão
vejamos alguns exemplos.
A Croácia
mantém a meu ver a sua matriz de futebol simultaneamente irrequieto, agressivo
e apaixonado, coberto por uma manta de apoio nacional dos mais expressivos que
é possível captar nos estádios.
Marrocos e o
Senegal impressionaram-me profundamente mantendo a riqueza explosiva do futebol
africano e associando por agora a essa matriz maior capacidade organizativa e
defensiva, talento que baste e representando um claro exemplo de como a saída
dos artistas foi endogeneizada num modelo de jogo mais virtuoso e fiável do que
revelam há alguns anos atrás.
O leste
europeu com a Polónia à cabeça, mas incluindo também a Rússia, continua fiel à
sua rigidez de processos, com bilhete antecipado de volta já no bolso,
claramente explicado pelo baixo desempenho revelado em campo.
A Argentina
tem sido a imagem fiel de um país e de uma equipa à deriva, estrelas muitas,
mas uma total incapacidade de formatação de um modelo de jogo. O acompanhamento
das movimentações do treinador Sampaoli em torno do banco traz-nos uma imagem
de desespero que se transmite para dentro de campo, uma espécie de descontrolo
travestido de orientação. A equipa viveu hoje uma catarse das antigas e pode
ser que renasça das cinzas, apesar de Sampaoli.
A magia do
futebol cafetero da Colômbia parece ter ressurgido no segundo jogo, sob a
batuta de Quintero e James Rodriguez e é bom que assim seja, pois até agora o
futebol latino-americano tinha passado despercebido. É verdade que temos o
Brasil, mas o Brasil será sempre uma eterna esperança, apesar de melhor
organizado com Tite do que com os seus antecessores e muito dependente de
Filipe Coutinho. A metáfora do país serve bem à seleção, que até bem pode
ganhar a competição, acaso o controlo emocional não falte nos momentos em que
será mais necessário.
Outros casos
haverá em que a análise exige contextos mais exigentes. O rejuvenescimento da
Inglaterra é visível, poderá estar a ser formatada uma grande seleção, mas
exige uma outra pressão de adversários para ser testada. Dúvidas há também
quanto à Espanha que vai emergir na segunda metade da prova. O sufoco de ontem
mostra que a máquina está ainda enferrujada.
E finalmente
temos o fadinho da nossa seleção, bem à imagem do seu selecionador, rigoroso,
honesto, mas incapaz de colocar os artistas a rodar a uma outra velocidade. A
lentidão com que a bola circula é exasperante. O fadinho poderia ontem ter
virado tragédia, tamanha foi a reação dos guerreiros iranianos e a raiva de
outros tempos do sempre agastado com o seu país Carlos Queiroz. Aquele remate
contra as malhas laterais da baliza de Patrício poderia ter mergulhado o país
numa profunda depressão, mas o pacto de Santos com o Alto resolveu a questão. A
bola não entrou e iremos deixar de ver nos televisores os rostos de um Irão à
espera de um dia emergir, sabe-se lá quando. Mas indo ao encontro do tema
central do post de hoje, o fadinho da
seleção é bem a demonstração de que os nossos artistas poderão evoluir por esse
mundo fora mas que regressados às camisolas nacionais se reconvertem à nossa
lentidão de processos, resilientes é certo, esperando a oportunidade, um pouco mais
velhos é certo e sem que os novos artistas tomem as rédeas. Mas dez milhões já
estão do lado de cá, o Uruguai impressiona mas não assusta, porque são tão ou
mais lentos do que nós e o pacto de Santos com o Alto e as nossas genialidades
poderão levar-nos mais à frente, se bem que por um caminho mais difícil do que
se tivéssemos ganho ao Irão.
Sem comentários:
Enviar um comentário