terça-feira, 26 de junho de 2018

O NOSSO FADO



(Será que em época de globalização de movimentos de jogadores de futebol, ainda poderemos atribuir às seleções uma matriz de identidade nacional? Aparentemente sim e o fadinho português parece resistir ao percurso pelo mundo dos nossos globetrotters…)

O meu relacionamento com o Mundial da Rússia tem sido atípico, não muito entusiasmo, talvez cansaço de tanto jogo, um curto período de férias pelo meio, muito sofrimento (Marrocos e Irão dois stresses prolongados), material não muito abundante para as minhas reflexões sobre o jogo para lá do simples futebol.

A primeira interrogação que se me coloca é a de saber se em tempos de globalização dos artistas da bola, em função dos centros do dinheiro, as seleções transportam consigo alguma matriz identitária. Será que a movimentação dos artistas pelos grandes clubes do mundo não reduz o seu contributo para um futebol de raízes nacionais? Podem os selecionadores preparar as suas omeletas com ovos topo de gama, habituados a outras andanças, ritmos e inspirações?

Pelo que tenho visto, pelo menos algumas seleções parecem continuar a navegar na sua matriz identitária de país e isso considero ser algo de relevante num mundo tão globalizado.

Senão vejamos alguns exemplos.

A Croácia mantém a meu ver a sua matriz de futebol simultaneamente irrequieto, agressivo e apaixonado, coberto por uma manta de apoio nacional dos mais expressivos que é possível captar nos estádios.

Marrocos e o Senegal impressionaram-me profundamente mantendo a riqueza explosiva do futebol africano e associando por agora a essa matriz maior capacidade organizativa e defensiva, talento que baste e representando um claro exemplo de como a saída dos artistas foi endogeneizada num modelo de jogo mais virtuoso e fiável do que revelam há alguns anos atrás.

O leste europeu com a Polónia à cabeça, mas incluindo também a Rússia, continua fiel à sua rigidez de processos, com bilhete antecipado de volta já no bolso, claramente explicado pelo baixo desempenho revelado em campo.

A Argentina tem sido a imagem fiel de um país e de uma equipa à deriva, estrelas muitas, mas uma total incapacidade de formatação de um modelo de jogo. O acompanhamento das movimentações do treinador Sampaoli em torno do banco traz-nos uma imagem de desespero que se transmite para dentro de campo, uma espécie de descontrolo travestido de orientação. A equipa viveu hoje uma catarse das antigas e pode ser que renasça das cinzas, apesar de Sampaoli.

A magia do futebol cafetero da Colômbia parece ter ressurgido no segundo jogo, sob a batuta de Quintero e James Rodriguez e é bom que assim seja, pois até agora o futebol latino-americano tinha passado despercebido. É verdade que temos o Brasil, mas o Brasil será sempre uma eterna esperança, apesar de melhor organizado com Tite do que com os seus antecessores e muito dependente de Filipe Coutinho. A metáfora do país serve bem à seleção, que até bem pode ganhar a competição, acaso o controlo emocional não falte nos momentos em que será mais necessário.

Outros casos haverá em que a análise exige contextos mais exigentes. O rejuvenescimento da Inglaterra é visível, poderá estar a ser formatada uma grande seleção, mas exige uma outra pressão de adversários para ser testada. Dúvidas há também quanto à Espanha que vai emergir na segunda metade da prova. O sufoco de ontem mostra que a máquina está ainda enferrujada.

E finalmente temos o fadinho da nossa seleção, bem à imagem do seu selecionador, rigoroso, honesto, mas incapaz de colocar os artistas a rodar a uma outra velocidade. A lentidão com que a bola circula é exasperante. O fadinho poderia ontem ter virado tragédia, tamanha foi a reação dos guerreiros iranianos e a raiva de outros tempos do sempre agastado com o seu país Carlos Queiroz. Aquele remate contra as malhas laterais da baliza de Patrício poderia ter mergulhado o país numa profunda depressão, mas o pacto de Santos com o Alto resolveu a questão. A bola não entrou e iremos deixar de ver nos televisores os rostos de um Irão à espera de um dia emergir, sabe-se lá quando. Mas indo ao encontro do tema central do post de hoje, o fadinho da seleção é bem a demonstração de que os nossos artistas poderão evoluir por esse mundo fora mas que regressados às camisolas nacionais se reconvertem à nossa lentidão de processos, resilientes é certo, esperando a oportunidade, um pouco mais velhos é certo e sem que os novos artistas tomem as rédeas. Mas dez milhões já estão do lado de cá, o Uruguai impressiona mas não assusta, porque são tão ou mais lentos do que nós e o pacto de Santos com o Alto e as nossas genialidades poderão levar-nos mais à frente, se bem que por um caminho mais difícil do que se tivéssemos ganho ao Irão.

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