(A relação entre o conhecimento económico rigoroso e
validado entre pares e a decisão política tem novos intermediários,
profissionalizados e bem pagos. Reflexões sobre as novas e
tenebrosas condições de disseminação do conhecimento em economia.)
Não escondo
que se fosse mais novo e tivesse alguma coisa para demonstrar a alguém este
seria o tema de eleição de uma tese de doutoramento. As condições em que o
conhecimento económico é validado entre pares (como diria a saudosa e aguerrida
Professora Joan Robinson, reproduzido) e influencia a decisão política feita
política económica é uma questão apaixonante. Como é que a “má e infundada
economia” se transmite à decisão e se faz lei e como a “boa e consistente
economia” fica à porta das Universidades é um processo intrigante. O tema não é
novo e regressa regularmente. Das descidas de impostos em massa de Reagan ao
choque fiscal de Trump, passando pela opressão das teorias da austeridade, não
esquecendo o modo como a ortodoxia tomou conta dos objetivos estatutários do
BCE, a questão reacende-se.
A relação
entre políticos e conhecimento económico alterou-se profundamente. John Maynard
Keynes não hesita em escrever cartas a Roosevelt para o convencer de algumas
das duas posições e conhece-se a discussão direta que o economista britânico
mantinha com os primeiro-ministros do Reino Unido em plena barganha das suas
ideias. Longe vão esses tempos. Apareceram intermediários.
Com
importância acrescida pelos termos em que o BREXIT foi aprovado, no âmbito de
uma mentira descarada quanto aos reais efeitos de tal decisão para os cidadãos
britânicos e com economistas rigorosos a dar conta da perfídia dessa ocultação,
Simon Wren-Lewis tem sido um dos poucos economistas a retomar o tema.
Wren-Lewis reabilitou o termo de “policy
entrepreneurs”, de tradução difícil para português.
Literalmente, “empresários da política” ou “empresários politicos”, preferia
chamar-lhes “mediadores do conhecimento económico”, obviamente não tão elegante
como “policy entrepreneurs”.
Segundo Wren-Lewis
(link aqui) quem cunhou o termo foi Paul Krugman, no seu já velhinho “Peddling
Prosperity – Economic Sense and Nonsense in the Age of Diminished Expectations”
de 1994. Fui à estante confirmar. Em segunda fila, já que data de 1994 e outras
aquisições se sobrepuseram, revisitei a obra e logo no prefácio pode ler-se: “
(…) Tentei encontrar um sentido para os debates económicos das
décadas mais recentes e ficou claro para mim que a linha de separação entre o pensamento
económico sério e a medicina das patentes económicas, entre os professores e os
policy entrepreneurs, é pelo menos tão importante como a divisão entre esquerda
e direita.”
O que Krugman
e Wren-Lewis querem dizer é que os mecanismos de transmissão do conhecimento
económico se transformaram radicalmente. Passou de moda a prática por vezes
seguida por alguns governos de reunir grupos designados, regra geral, por sábios,
ouvi-los, debater com eles ou encarregá-los de elaborar um relatório que depois
se torna público. Claro que esses grupos de sábios derivaram para grupos meramente
instrumentais, frequentemente antes de atos eleitorais, alguém que se consulta
apenas para dar a ideia mediática de uma base mais alargada de pensamento. Nada
mais do que isso. A formação do programa do PS que esteve inicialmente na base da
negociação que haveria de dar em geringonça pode dizer-se que ainda reporta a
esse paradigma perdido. Mas é já algo impuro. Mário Centeno e Paulo Trigo
Pereira que integraram esse grupo não eram propriamente economistas
independentes à época: o primeiro haveria de assumir uma posição chave no
governo e o segundo foi candidato independente pelo PS e está no Parlamento, Os
tempos em que os políticos ouviam o pensamento económico já lá foram. Mas o que
é fundamental reconhecer é que os governos continuam a precisar de validação e
de reconhecimento. Há uma oportunidade que se forma. E há quem aproveite. Nuns
casos são os próprios professores que viram policy
entrepreneurs. Noutros casos, emergem novas personalidades, não necessariamente
académicas, mas alguém que assume essa função.
Na imposição
das teses da austeridade, por exemplo, falando apenas na realidade nacional,
foi a imprensa económica especializada que assumiu esse papel de racionalizador
das políticas. Quantas vezes não ouvimos comparar o governo a uma família para
defender que quando se vive acima das possibilidades a dependência é grande de
quem empresta e pode levar à insolvência? Ou seja, veiculando uma das metáforas
mais erradas para compreender o processo macroeconómico serviu para validar o
discurso político.
Quanto
falamos das teses da austeridade como paradigma global, foi um economista e professor
de Harvard, Alesina, que se prestou a essa pomada de banha de cobra da austeridade
expansionista. E nem Kenneth Rogoff e Carmen Reinhardt, economistas que tenho
por honestos, resistiram a deixar-se instrumentalizar, estabelecendo uma espécie
de limiar de peso da dívida pública no PIB a partir do qual toda a dívida
adicional gerava menos crescimento. Depois, veio o bug do EXCEL e foi o caos. Lá
se foi a validação. Em 2012, Brad DeLong e Lawrence Summers publicaram um artigo
decisivo no qual se mostrava que, nas condições de zero lower bound, era possível demonstrar que o endividamento poderia
compensar, já que o incremento do crescimento induzido pelo investimento
tornado possível compensaria socialmente um eventual futuro aumento de impostos.
Pergunta-se: entre o artigo de Alesina e o de Brad DeLong há diferenças de
sofisticação? Não. Porquê então o segundo não funcionou como um antídoto
poderoso contra a pseudo-validação da austeridade? Simplesmente, por que os policy entrepreneurs disseminaram o que
o poder queria ouvir, as teses de Alesina.
Termino com
o que Krugman escrevia em 1994:
“O (policy) entrepreneur, todavia, só escreve e fala para
uma audiência mais larga. E coo resultado disso os seus escritos não estão
sujeitos a nenhuma das inibições dos professores. Oferecem diagnósticos não ambíguos,
mesmo quando os professores não têm certezas; oferecem respostas fáceis, mesmo quando
os professores duvidam de que alguma fácil resposta possa ser dada.”
Mas não
poderão os professores aspirar a uma mais ampla comunicação das suas ideias,
como o fazem hoje alguns gigantes contemporâneos?
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