quinta-feira, 28 de junho de 2018

O CONSELHO QUE PODE SER O PRINCÍPIO DO FIM



(Não tenho qualquer competência ou veleidade de futurólogo ou aprendiz de prospetiva. Limito-me a reconhecer que o Conselho Europeu que esta tarde se inicia em Bruxelas acontece num momento em que todas as contradições do mundo parecem convergir num grande nó. E para baralhar e comprometer ainda mais a situação, os riscos de uma próxima recessão europeia viram a sua probabilidade de ocorrência aumentarem significativamente nos últimos dias.)

As vozes populares dizem que “o que nasce torto raramente se endireita”. Aplicando esta sabedoria popular ao projeto europeu, poderíamos dizer que, face aos sucessivos empurrões com a barriga dos líderes europeus em matéria de superação das contradições internas do projeto e do seu relacionamento com os eleitorados nacionais, o cântaro tantas vezes vai periclitante à fonte que um dia partirá com estrondo. Até agora, parece que as lideranças europeias necessitam do aperto e da aflição em cima da hora para descobrirem saídas que componham a manta por uns tempos. O método é arriscado e não é seguro que sempre funcione. Pode ser que seja desta vez ou que de novo alguma luz comprometida e uma vez mais contraditória a prazo surja no calor das negociações.

Dirão vozes críticas como a de José Pacheco Pereira que tudo isto se deve à pretensão tecnocrática e antidemocrática de construir os sucessivos momentos do projeto europeu à revelia dos parlamentos nacionais, dos eleitorados que os elegem e das populações cidadãs em última análise. Esta posição merece ponderação. Não é difícil encontrarmos momentos em que a tecnocracia europeia, com objetivos políticos encobertos nas soluções técnicas se sobrepôs a uma reflexão mais democrática e inclusiva do que os avanços prematuros representaram. Mas os argumentos de JPP vão muitas vezes no sentido de denunciar as perdas de soberania que a integração europeia representa, reivindicando também que essas perdas de soberania deveriam ter sido mais consistentemente apresentadas no prato da balança das opções políticas.

Compreendo essa argumentação, reconheço que levanta questões relevantes que não devemos escamotear, mas acho que o projeto de uma União Europeia, com a ideia de uma União Económica e Monetária no seu interior, não pode ser construído à medida e em estreita interação com os eleitorados nacionais. Um projeto desta natureza tem de assentar sempre em algumas componentes transnacionais, de alguma audácia e projeção para o futuro, algumas ideias europeias que prevaleçam sobre os interesses nacionais. Assistimos hoje ao absurdo contraditório dos demónios políticos que atravessam alguns eleitorados europeus (em Itália, no leste europeu, na própria Alemanha com uma senhora Merkel cada vez mais encostada à parede) a condicionarem o próprio projeto europeu. Dir-me-ão que tais demónios podem ser associados aos próprios erros de progressão das instituições europeias. Mas em meu entender a emergência de tais demónios tem uma explicação mais vasta do que a que é circunscrita às derivas da construção europeia. Esses demónios surgem predominantemente associados à baixa qualificação, ao não cosmopolitismo, aos deserdados da economia que sempre existiram nas mutações dos ciclos longos da economia, ao sentimento de perda, à desqualificação da classe política, enfim a um conjunto de fatores que transcende em muito as derivas, reais, da construção europeia. Por isso, não estou convencido que o contrafactual das não perdas de soberania produzisse resultados melhores, o que não significa que não reconheça que a construção podia e deveria assentar numa maior interação política com os eleitorados nacionais.

A União Europeia chega ao Conselho de hoje à tarde de novo pressionada, seja por sinais de que a recessão é hoje mais provável do que há um mês ou dois (link aqui e aqui para artigos de Wolfgang Munchau), seja pela dimensão global e estrutural dos problemas dos refugiados que buscam território europeu. A primeira fonte de pressão abate-se sobre as possibilidades de mobilização de recursos financeiros para uma abordagem mais abrangente da crise humanitária e da necessidade de também a combater na origem dos fluxos. A construção de um orçamento para a zona euro, o completar do edifício da União Bancária e a emissão de ativos seguros para combater uma qualquer fonte de recessão, venha ela do mercado da dívida soberana, do sistema bancário ou de uma bolha imobiliária qualquer, estão periclitantes. A segunda pressão é ainda mais incómoda e violenta. Temos assistido a verdadeiras insurreições do espírito comunitário, sem que se pressintam quaisquer sanções para os prevaricadores assumidos. Insurreição tanto mais que os valores dos fluxos de entrada de refugiados caíram substancialmente como se vê no gráfico abaixo:

(New York Times, link aqui)

Tal como as coisas se apresentam, a probabilidade de uma resposta ao problema migratório a 28 parece uma miragem. E uma solução em geometria limitada a alguns dos 28, sem sanções para os que se recusam a uma visão solidária ou com sanções para os prevaricadores, pode ser o princípio da falência. Nestas situações, a interação com os eleitorados nacionais é explosiva e não podemos ignorar a hipótese de que a senhora Merkel possa ser uma das sacrificadas de todo este processo. O que seria aterrador do ponto de vista dos rumos que se poderiam abrir na Alemanha.

Por sua vez, a ideia dos centros de barragem nos países emissores de refugiados sem intervenção nas causas profundas de guerra, pobreza extrema e violência descontrolada que avançam vertiginosamente nesses países não é menos abjeta e aterradora.

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