quinta-feira, 14 de junho de 2018

DISCUTINDO O PNPOT



(Um pouco longo)

Compreende-se o modelo. Um painel com seis protagonistas, não sei se todos com verbo fácil e vontade de dizer de sua justiça, não é fácil de gerir. Por isso, rédea curta para as intervenções e um plano de intervenções, com conteúdos e tempos. Tudo bem. É verdade que tinha preparado uma intervenção de maior trespassing, orientada para uma visão mais integrada do ordenamento do território. As práticas de ordenamento precisam dessa visão disciplinar mais integrada e menor acantonamento. Não colheu para o painel. Atribuem-me a dimensão económica, pelo menos nas duas intervenções mais temáticas. A verdade é que sou economista, por isso amanha-te meu Caro.

Primeira questão

Que alterações foram observadas nos últimos 10 anos no quadro económico que justifiquem a revisão do PNPOT?

Do ponto de vista do ordenamento do território, as dinâmicas económicas suscitam uma dupla dificuldade. Primeiro, é necessário captar o essencial das transformações estruturais em curso. Uma estratégia de ordenamento do território não se prepara com epifenómenos, tendências efémeras, exercícios d estilo de uma pretensa imitação que não colhe. É necessário captar o que é verdadeiramente estrutural e sustentado em termos de mudanças. Segundo, não basta captar essas dinâmicas. É necessário compreender as suas implicações e efeitos territoriais. Muitos planos estão cheio de belas análises económicas, mas sem qualquer preocupação de identificação e prospetiva dos efeitos territoriais. Já vi muito disso e continuo a ver. O discurso integrador da economia só o é em matéria de ordenamento do território quando é realizado do ponto de vista das suas implicações territoriais.

Sou dos que penso que a relativa agonia do crescimento económico da década de 2000 ocultou um processo de mudança estrutural em curso, essencialmente determinada pela exaustão do modelo dos não transacionáveis, cuja expressão (imobiliária e infraestrutural) territorial é bem conhecida, alimentada pelo crédito e pela dívida. Essa mudança de procura de novas fontes de crescimento económico em torno do universo dos transacionáveis e de níveis mais elevados de intensidade tecnológica, é visível, por exemplo, na evolução nessa década da estrutura das exportações por nível de intensidade tecnológica. Essa mudança em curso foi impactada pelas duas crises da economia portuguesa, a do impacto da crise financeira de 2007-2008 e a da crise das dívidas soberanas. Sabemos hoje que crises ampliadas por terapias de austeridade não têm custos limitados às perdas de produto observadas enquanto persiste a recessão. Há perdas de produto potencial da economia, derivadas designadamente de efeitos de histerésis no mercado de trabalho e também de empresas que não regressam ao mercado.

Não temos ainda hoje devidamente dominada a geografia da crise. Mas há algo que se pode dizer a partir do reforço significativo da alocação de recursos aos transacionáveis, que roça por agora os 45% do PIB. Neste movimento, há duas fases a considerar:
  •        Numa primeira fase, a oportunidade externa beneficia a concentração económica instalada;
  • ·      Numa segunda fase, quando o peso da FBCF privada no PIB começa sustentadamente a aumentar, o que não é ainda hoje totalmente líquido, abrem-se novas oportunidades para alguma desconcentração de investimento empresarial e de atividade económica. A instalação ex-novo de novas unidades com orientação extrovertida à partida é um elemento crucial para a competitividade de novos territórios.
É esta reflexão que me leva ao terceiro ponto, aliás acusada pelo texto do PNPOT, que é a evidência de que passados 10 anos, há hoje melhores condições para falar de alargamento da base territorial da competitividade. Nada como é óbvio que nos leve a pensar que todo o território menos denso pode aspirar à desconcentração de investimento. Mas isso permite trazer para a exportação novos territórios de competitividade, alargando a mobilização de recursos e atraindo novos residentes via investimento e emprego. Vários exemplos poderiam ser aqui mobilizados como o da economia do vinho, mas há outros exemplos de desconcentração de investimento não necessariamente ligado ao capital natural, como por exemplo a aeronáutica no Alentejo.

O meu quarto ponto é que há também novidades na concentração do litoral. Há dois novos Sistemas Regionais de Inovação em claríssima maturação, no Norte e no Centro, com ecossistemas de inovação vibrantes e abertos, potenciando novas trajetórias de transferência de conhecimento e desenvolvimento tecnológico no Minho (Braga-Guimarães), no Porto e em Aveiro -Coimbra-Leiria. Ou seja, sem embargo dos problemas de governação e de sustentabilidade destas mudanças, há novos ativos em presença com claríssimas implicações no desenho do modelo territorial.

Segunda Questão – que olhar para os próximos 10 anos do sistema económico? A revolução tecnológica do digital, os ecossistemas de inovação e as especializações territoriais tendenciais

Em 1973, Robert Solow avançou com uma máxima que haveria de ficar conhecida por “paradoxo de Solow”: os computadores estão por todo o lado menos na produtividade. Em Junho de 2018, a McKInsey perguntava: Terá o paradoxo de Solow regressado? De facto, economia digital não estimulou ainda de modo relevante o crescimento da produtividade. Aliás no seguimento de reflexões de outros economistas como Robert Gordon.

O que une as duas declarações, 45 anos a separá-las? A maturação dos efeitos organizacionais e produtivos das tecnologias é lenta, determinada pelas mediações que exige e pelo contexto em que emerge. O que é de absoluta e imperiosa ponderação para uma economia como a nossa que está condenada a ser um follower, ou seja, a construir trajetórias tecnológicas que passam por uma combinação hábil das dimensões da difusão-inovação de progresso técnico e aproveitando nichos de mercado para os quais o conhecimento científico e tecnológico existente no Páis e a sua absorção empresarial possam fazer a diferença.

O que sabemos é que a relação dos paradigmas tecnológicos com o território é variável e tende a ser indeterminada. Poucos se lembrarão do alarme de que as TIC suprimiriam o interesse do território. Não suprimiram, mas antes revolucionaram essa relação. Algo de similar pode acontecer com a revolução digital, a robótica e a inteligência artificial. Não sabemos como o território vai ser afetado, ou seja como Portugal como território vai ser impactado e que efeitos tenderá a produzir cá dentro.

Ecossistemas de inovação de base territorial? Sim, sem dúvida, como resulta do meu primeiro ponto, Ecossistemas com desigual estádio de maturação e com exigências de governação e de governança para as quais não estamos preparados e sem soluções à vista. Não sabemos ainda como é que estes SRI já em formação há pelo menos uma década reagirão positivamente, reforçando-se, às orientações das estratégias regionais de especialização inteligente (RIS 3) adotadas no PT2020 e que continuarão no PT2030. Dessa perspetiva e em modo atenuado de influência podem resultar especializações territoriais, concentrando recursos onde o potencial de variedade relacionada é mais elevado. Mas em última instância é o cálculo económico privado que terá de contornar a indeterminação indestrutível da inovação. E à questão pode o PNPOT dar indicações de atividades produtivas, a resposta é muito limitadamente, para além de reconhecer a evolução dos SRI como desejável.

De acordo com a perspetiva desafiadora de Mariana Mazucatto, o Entrepreneurial State, a intervenção pública na promoção da inovação faz-se menos por diretivas em documentos de natureza estratégica e mais por investimentos concretos em áreas que catalizam e estimulam o investimento privado, reduzindo a incerteza. Não serão as diretivas e orientações inscritas no PNPOT ou outro documento qualquer que dão confiança ao setor privado face ao horizonte de incerteza da inovação. São os investimentos públicos em áreas motoras de inovação, abrindo complementaridades. As diretivas e orientações perdem-se na vulgarização programática dos documentos e nas alternâncias democráticas. Os investimentos e o seu efeito propulsor ficam. Por isso, entendo que o PNPOT só deve comprometer-se com orientações de especialização se e só se corresponderem a programas de investimento e de políticas públicas de médio-longo prazo motores de inovação.

A questão final (dirigida a todos) – Pode o PNPOT influenciar o programa dos Governos e qual o seu nível de vinculação?

Tudo depende da vontade política de o assumir. O PNPOT deve ser a estratégia territorial inspiradora de todas as políticas, para a qual devem estas convergir. Mas um quadro ou referencial suficientemente aberto nos seus contornos regionais que permita às estratégias regionais e sub-regionais enriquecer as opções nacionais, territorializando-as. Mas com atenção à necessidade de trabalharmos o quadro institucional para as mediações territoriais necessárias, em função dos territórios pertinentes que cada uma das políticas públicas que temos. E trabalhando com as CCDR que temos e a emergente organização intermunicipal.

E agora é encaixar isto em cerca de 15 minutos com a benevolência do moderador.

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