quarta-feira, 31 de julho de 2013

SUMMERS VERSUS YELLEN



O meu colega Freire de Sousa já aqui tinha abordado a questão, tomando aliás partido pela escolha de Janet Yellen para suceder a Ben Bernanke nos comandos do FED americano. A luta está renhida entre Janet e outro peso pesado Lawrence Summers, dos tais nomes que ocuparam merecidamente as nossas aulas em matérias diversas, no meu caso, o seu importante contributo com Bradford DeLong para a explicação do comportamento dos preços relativos do equipamento e maquinaria ao longo do processo de desenvolvimento económico. E, de repente, apercebemo-nos que se trata de gente que pensa e trabalha bem a teoria económica, mas que aparece também associada à intervenção política (foi secretário do Tesouro americano no último ano e meio da administração Clinton)e largamente influente no primeiro mandato de Obama e personagem chave da discussão do estímulo fiscal (para muitos considerado insuficiente entre os quais Christina Romer, chefe do grupo de assessores do Presidente americano) com que a administração Obama abordou os efeitos da recessão de 2008.
A escolha do sucessor de Bernanke não é coisa pouca e não é apenas uma questão americana. Nas condições em que o mundo económico ocidental se encontra, o comportamento do FED na abordagem à economia americana é crucial, pois será sempre um fator de balanceamento à cegueira da Comissão Europeia e do Reino Unido como têm tratado o prolongamento anómalo da recessão. Pode dizer-se que o FED não tem sido um apoiante entusiástico do estímulo fiscal. Mas, como dizia Krugman há dias, o quantitative easing (via política monetária) nos EUA é o que nos resta porque, do ponto de vista político, o estímulo fiscal está bloqueado graças à intransigência republicana e às hesitações democratas.
O debate está ao rubro e mostra de novo a consistência do debate económico americano, aberto, frontal, envolvendo academia, opinião pública, políticos.
Nas últimas rondas, Janet Yellen parece de facto ganhar alguma superioridade, sobretudo quando o editorial do New York Times de 29 de julho dava conta de manobras dos apoiantes de Summers defendendo a necessidade de um terceiro nome para desbloquear a situação, uma prova evidente de perda de força e uma tentativa de bloquear a superioridade de Yellen.
Dos materiais de imprensa e blogues americanos sobre o tema, a superioridade de Janet Yellen é notória, combinando uma reputação académica de excelência (Berkeley) e uma longa experiência de política monetária (quer na presidência do Federal Reserve Bank de S. Francisco, quer na vice –presidência do próprio FED). Os pontos fracos de Summers surgem relacionados com a sua passagem pelo primeiro mandato de Obama e por posições menos claras no tema do estímulo fiscal e da política de habitação após o rebentamento da bolha imobiliária. Yellen parece reunir neste momento o apoio da esquerda democrata, dos liberais e dos grupos feministas e tem o apoio claro de Christina Romer, ex-chefe do grupo de economistas assessores de Obama e do próprio New York Times.
Ideias inteligentes de suporte a Summers não têm abundado. A exceção é de Bradford De Long seu amigo e longo colega de produção académica (veja-se o principal artigo dos tempos atuais sobre as condições em que o estímulo fiscal é favorável de autoria dos dois, "Fiscal Policy in a Depressed Economy"). O argumento é este: em tempos de perturbação, pensar “out of the box” é crucial e nessa linha Summers seria melhor do que Yellen. É uma opinião. Outros como Tyler Cowen sugerem que Summers seria melhor candidato para ter voz junto dos republicanos.
Não consigo racionalizar o meu balanceamento para Janet Yellen, mas há qualquer coisa em Summers, apesar do meu reconhecimento intelectual, que me faz coçar a orelha. O que será?

UM OUTRO ALGARVE

(Tavira - João Pedro Marnoto para o New York Times)


“Um outro Algarve ou o paradoxo dos nichos de mercado turístico” poderia ser um título alternativo para esta crónica. Agora, que por motivos de trabalho profissional, me vou ocupar dos destinos da região algarvia, vistos a partir da perspetiva dos municípios, entrou no perímetro da minha atenção uma excelente crónica do jornalista Seth Sherwood no New York Times sobre um Algarve mais recôndito, mais recatado e menos explorado.
O artigo de Sherwood lança-nos simultaneamente na nossa memória, recordando o Algarve inóspito que ainda chegámos afetivamente a viver há três décadas e na dinâmica de novos empreendimentos que procuram recuperar essa outra faceta não explorada e que o tempo ainda não consumiu. Alguns estrangeiros foram os primeiros a descobrir essa outra dimensão da Região e começa finalmente a perceber-se que o cálculo económico privado começa a querer explorar essa outra forma de a viver. A visita quase simultânea de Cameron e família coloca por coincidência a Região nos jornais de Londres e Nova Iorque, embora a dicotomia dos dois Algarves continue viva, com o Algarve mais consumido pelo tempo a ter de enfrentar o risco da degradação de infraestruturas ditadas pela concentração turística e pela retirada dos principais operadores imobiliários que sentem que o filão se esgotou.
Mas o paradoxo do nicho existe. Nos ecos do artigo do New York Times que passaram pelas televisões portuguesas, quase todos os entrevistados, estrangeiros e nacionais, referiram as vantagens da não balbúrdia, a diferença de usufruir de um espaço e de um território com pouca gente. Bom será assim. Mas a proliferação de artigos como o do New York Times, se produzir os efeitos desejados, tenderá a trazer mais gente, não necessariamente aos lugares de procura mais densa, mas precisamente aos lugares em que o tempo pode ser usufruído. E a pergunta inevitável é a seguinte: terão esses lugares mais inexplorados a capacidade de acolher essa procura adicional sem perder o seu traço diferenciador? A questão é estratégica e ou o valor por turista acolhido terá de aumentar significativamente, ou então esse outro Algarve vai ter de encontrar a sua engenharia de oferta para não perder a sua inimitabilidade.
Mas se a resolução desse problema contribuirá para uma diversificação crucial da oferta turística, o outro problema tem de ser também resolvido. E, no contexto em que a Região se encontra, a responsabilidade de conter a degradação das infraestruturas ditada pela usura do tempo e pela sobreocupação sazonal recai nos Municípios, pois todos os outros saíram da responsabilidade e deixaram a porta aberta.

terça-feira, 30 de julho de 2013

AS ILUSÕES DAS NARRATIVAS (II)



Podia ter-me dado para melhor, mas aguentei mais de duas horas a acompanhar a audição da ministra Maria Luís Albuquerque (MLA), no âmbito da sua segunda ida à comissão de inquérito do complicadíssimo caso dos SWAP. E, deliberadamente, estou a registar as minhas impressões sem ouvir a catadupa de comentadores ou arremedos de tal que hoje povoarão seguramente os diferentes canais de notícias.
A posição da ministra é algo frágil, sobretudo quando se compara a intervenção mais estruturada e preparada de hoje com o seu testemunho de 25 de junho. A aposta de toda a oposição, incluindo a do PS, centrada na questão de saber se mentiu ou não mentiu ou como hoje em certos momentos da audição chegou a dizer-se se ocultou ou não em 25 de junho elementos relevantes, corre o risco a meu ver de não produzir resultados visíveis para o cidadão sensível ao debate político e de abrir a guarda sobre outros aspetos, dos quais a maioria pode tirar amplo proveito.
Entendamo-nos. A intervenção de hoje de MLA, que me impressionou favoravelmente pela consistência e determinação da preparação, só perturbada nos momentos de maior exploração do confronto entre as suas duas intervenções na Comissão de Inquérito, é no meu entender uma tentativa de corrigir as debilidades do seu primeiro testemunho. É-o, objetivamente, mesmo que MLA nunca o vá admitir. Com esta emenda, é difícil saber se a ministra ficou mais ou menos frágil. Arriscaria a dizer que, do ponto de vista político e da interpretação que o cidadão eleitor fará desta audição, a ministra ficou menos frágil.
Mas, para um ouvinte tecnicamente leigo em matéria de engenharia financeira de SWAP, a audição abriu significativamente a guarda do PS nesta matéria. Sem o pretender demonstrar como seu primeiro objetivo, a intervenção da ministra foi inteligentemente abrindo informação que coloca a posição do PS nesta matéria, por muito que custe ao ex-ministro Teixeira dos Santos, numa situação de grande fragilidade. E até pode especular-se se a agressividade com que o Zorrinho pediu a demissão da ministra não seria uma tentativa de criação de uma cortina de fumo sobre as lacunas da supervisão do ministério das Finanças do governo Sócrates sobre esta matéria. Pois, de facto, a supervisão ligeira da atuação das empresas públicas neste domínio, das que se sabia que iriam entrar no perímetro do Orçamento de Estado e, por isso, das metas do défice e da dívida e sobretudo a não dotação do IGCP de competências para assegurar essa supervisão a priori, pode ser apontada como uma supervisão pouco convincente. O argumento de MLA de que a Direção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) não reunia as competências técnicas necessárias para supervisionar a complexidade destes contratos de gestão de risco é um argumento muito forte, criticando assim o último despacho do ex-secretário de Estado Costa Pina. Já não vou entrar nas acusações que MLA faz da inação do ex-DGTF. Mas o que fica das duas horas de audição em que heroicamente descansava de um dia de trabalho é a fragilidade do controlo sobre este problema a cargo do governo anterior. E se cruzarmos essa posição com a de outros amores do governo Sócrates por outras formas do “new public management” à portuguesa como as parcerias público-privadas então, ou me engano muito, ou o PS vai demorar algum tempo a fazer esquecer essa guarda aberta e desprotegida da sua governação.
Em meu entender, a situação não é ainda tão visível porque PCP e BE ferraram o osso da fragilidade política da ministra e dificilmente o vão largar. Mas se isso acontecer, virando-se para a fragilidade do PS, então este poderá estar em apuros. Até porque Seguro continua em descida de expectativas refugiando-se na abstração de uma luta e de uma retórica política puramente formal, como o debate da moção de confiança hoje o evidenciou.
Mas, para além de saber quem é que tem a guarda mais desprotegida, o que fica claro de todo este imbróglio é a grande fragilidade do Estado em todo este processo face à sofisticação do produto e ao poderio da outra parte. E esse dá que pensar, sobretudo quando está por demonstrar a sagacidade e consistência técnica de quem negociou tais produtos por parte das empresas públicas. Esse sim é o grande problema.

EM SANTIAGO



Por razões de trabalho, estive hoje umas horas em Santiago de Compostela, um tempo antes das cerimónias fúnebres dos mortos da fatídica viagem de Madrid-Ferrol em alta velocidade ou de velocidade alta.
O ambiente era mais pesado do que o seria sem o funesto acidente. As festas da Região teriam produzido um outro ambiente.
A imprevidência negligente e trágica do maquinista é uma evidência, mas na Galiza discute-se e bem os perigos de um pequeno troço de via em que a segurança não é automática, ou seja está dependente de uma distração ou outra qualquer maleita que atingiu o condenado maquinista. E para azedar a questão, a segurança daquele troço estava, preciso de confirmação para tal, privatizada. Vale a pena seguir esta questão. Com segurança não se brinca.
Tragicamente, nas economias do sul brinca-se demais com a segurança. O acidente com o autocarro de Nápoles vem nesse sentido, com ultrapassagem clara de regras mínimas de segurança de velocidade. Para perturbar tudo isto a inclementemente organizada Suiça junta-se hoje ao rol com um choque de comboios.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

CRISE, AUSTERIDADE E FERTILIDADE



O declínio da taxa de fertilidade total (número médio de crianças vivas nascidas por mulher em idade fértil, dos 15 aos 49 anos de idade, admitindo que as mulheres estariam submetidas às taxas de fecundidade observadas no momento) que se tem verificado nas economias ocidentais tem sido apontado como um dos mais sérios constrangimentos estruturais enfrentados por estas economias.
Nos últimos tempos, tem-se discutido se a tendência para as mulheres terem filhos cada vez mais tarde é devidamente tida em conta no cálculo da taxa de fertilidade total (também designado de índice sintético de fecundidade). Com estas reservas em mente, estudos recentes têm mostrado que pelo menos nos países de língua inglesa a queda dessa taxa de fertilidade parece ter finalmente terminado, mesmo que essa estabilização se tenha concretizado em alguns países em valores abaixo do que é considerado necessário para assegurar a reprodução simples da população (2,1 filhos por mulher).
O EUROSTAT publicou em março de 2013 um suplemento especial do relatório trimestral “EU Employment and Social Situation” dedicado às tendências demográficas que compara a evolução daquele indicador desde 1960. Ora, nesta evolução de longo prazo, o que ressalta da informação publicada é que os países sob resgate ou ajuda financeira apresentam desde 2008 uma evolução que parece ter interrompido ou mesmo invertido as melhorias que se vinham observando. Este fenómeno acontece ao mesmo tempo que a população em idade ativa está a crescer a ritmos também menos elevados.
Isto significa que, para além dos fatores conhecidos que tendem a fazer baixar a taxa de fertilidade, tais como a urbanização e a crescente participação da mulher no mercado de trabalho, a crise e a austeridade parecem ter interrompido as boas novas que se anunciavam nesta frente. O problema é que em países como Portugal, Espanha e Itália os valores da taxa estão significativamente abaixo do limiar de reprodução. Também por esta banda a questão do crescimento económico tem muito que penar. Mais um fator a ter em conta na avaliação dos custos que a relação “crise e austeridade” nos vai custar no tempo longo.