terça-feira, 2 de julho de 2013

CRÓNICA DE UM DESMORONAMENTO ANUNCIADO



Imagino-me um cidadão médio, com informação política amalgamada pelas imagens e ruído da televisão. Demissão de Gaspar, de Portas e agitação associada. E imagino a vertigem de desorientação que lhe passa pela cabeça, metralhado pela sucessão também vertiginosa de demissões, incidentes, mentiras assumidas e outras nem por isso, sessões grotescas de tomada de posse, autismo político, precipitações, jogos de sombras, manobras palacianas, arremedos de táticas de RGA (como referia Pedro Adão e Silva na SIC Notícias). Vertigem de desorientação agravada pela reiterada pressão dos mercados (Martim Avillez até se deu ao luxo de trocar SMS enquanto decorria o programa da SIC Notícias com supostos amigos gestores de fundos de investimento), acenando com o caos da subida das taxas e da libertação apressada de títulos da dívida pública portuguesa.
Para um cidadão com estas características, a decisão de Passos Coelho de não se demitir oscilará ao longo de uma muito ténue linha de demarcação entre o mais puro autismo e irracionalidade e o ato de resistência a abandonar o barco.
Como alguém próximo me dizia em jeito de desabafo perante tal desconchavo não deveriam ser apenas eleições autárquicas em 29 de setembro, mas também legislativas e presidenciais, correndo com todo este desconchavo de inexperientes obstinados e de incapazes convencidos.
O facto de no Parlamento o número de deputados à esquerda (PS, PCP e Bloco) ser inferior ao número de deputados do PSD pode prolongar toda esta longa agonia de desmoronamento progressivo. Basta o CDS armar-se em agente passivo e abster-se sistematicamente, com exceção de matérias em que queira marcar posição, o que não anuncia coisa boa, mas antes o penoso e mal cheiroso apodrecimento da situação política.
Terá sido impressão minha, ou António José Seguro estava profundamente ticoso (indicador de nervoso miudinho) na sua mensagem ao país de reiterada aposta em eleições já? A vertigem dos acontecimentos é madrasta para o projeto do PS de regresso ao poder. Na voracidade da informação que cavalgava os comentadores e não o contrário, o momento do PS passou praticamente despercebido. Trágico, talvez injusto, mas avassalador.
Por ironia do destino profissional, amanhã terei que estar no mítico salão do ministério das Finanças, no Terreiro do Paço, a discutir conclusões de um estudo de avaliação sobre instrumentos de política pública de apoio à inovação e internacionalização no âmbito do QREN e, pasme-se, a propor recomendações para o próximo período de programação. Estabilidade do universo da política pública ou pura adivinhação? Desejaria que fosse a primeira e não a segunda. Mas não tenho a certeza que assim seja.
Tirem-me deste filme, por favor!

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