O passado dia 27 assinalou uma greve geral no País, mas foi para mim um dia de intensa atividade intelectual. Já aqui falei do fim de tarde na Católica com os dois Josés, mas o facto é que de lá me precipitei para Serralves onde se ia desenrolar mais uma sessão de “O Imaterial 2” – moderava um velho amigo, Francisco Seixas da Costa, e intervinham dois cidadãos brasileiros sob o mote genérico “Um mundo multipolar com novas potências assentes em economias emergentes”.
O primeiro, Rubens Ricupero (RR), é um diplomata de carreira que foi ministro da Fazenda durante seis meses – saiu na sequência do célebre “caso da antena parabólica” – e secretário-geral da UNCTAD de 1995 a 2004, estando hoje sobretudo dedicado a atividades de natureza académica.
RR é senhor de um conhecimento verdadeiramente enciclopédico e proporcionou-nos uma autêntica e incontável lição de relações internacionais. A sua máxima preferida é a ideia da política ambiental como mãe de todas as ameaças, mas do aquecimento global passou a quase todas as temáticas fundamentais, com um particular destaque para a demografia – sabiam que nascem mais crianças numa semana na Índia do que em toda a Europa Ocidental num ano e que a Rússia perde atualmente 500 a 750 mil habitantes por ano? Contrapôs o conceito precursor de monster countries à atual sigla BRIC’s, referiu-se à realidade chinesa como a única capaz de corresponder a um critério indiscutível de desenvolvimento (crescer ininterruptamente durante três a quatro décadas), definiu a essência do problema mundial como sendo o enorme desconhecimento quanto aos valores (não universalistas?) de uma China em ascensão e a caminho de uma superação económica dos EUA, previu um futuro sistema internacional crescentemente multipolar (muitos polos de poder autónomo, com os EUA a serem o único com peso decisivo em todos os tabuleiros relevantes), explicou que três grandes “pais fundadores” do projeto europeu (Adenauer, Schuman e De Gasperi) se entendiam entre si em língua alemã e perguntou se os cidadãos ainda acreditam na valia do dito projeto, considerando que o Velho Continente permanece como o melhor lugar do mundo para morar mas já não o é para sonhar.
O segundo, Márcio Pochmann (MP), é um economista e investigador na Unicamp que desempenhou funções políticas no Governo de S. Paulo, foi presidente do IPEA e lidera a poderosa Fundação Perseu Abramo (visando “contribuir para a educação e qualificação da ação política dos filiados do PT, do povo trabalhador e da cultura socialista democrática do Brasil”).
MP problematizou o recente fim de uma época excecional em que foi possível forjar projetos de desenvolvimento no espaço nacional dominantemente através de políticas nacionais, evidenciou os grandes conflitos de interesses e contradições que atravessam os EUA – a crescerem desde 2008, e pela primeira vez, abaixo da média mundial –, refletiu sobre o Brasil (entre uma conjuntura complexa e um futuro com inúmeros motivos de otimismo – capacidade historicamente comprovada de bom aproveitamento dos momentos de fratura mundial, maturidade da democracia, mudança geracional e emergência de um ciclo de investimento) e defendeu a sua dama local – os dez anos de Lula e Dilma terão sido os únicos que acumularam crescimento económico e distribuição do rendimento.
Uma boa síntese do sentimento geral que perpassou daquela noite poderá provir da conhecida frase de Chesterton segundo a qual estamos todos no mesmo barco e todos com enjoo…
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