segunda-feira, 30 de setembro de 2024

DA IMIGRAÇÃO COMO NECESSIDADE

Ontem, a reação saiu à rua para lavrar o seu protesto contra uma realidade que os seus principais expoentes políticos pretendem contrariar por inconsequentes e preocupantes razões de ordem ideológico-securitária (e também filiadas em agendas internacionais de elevado grau de perigosidade) mas cuja essência é incontornável na Europa dos nossos dias e no Portugal de hoje (veja-se, abaixo, o gráfico, bem elucidativo de uma tendência em curso acelerado, extraído do “Atlas da Emigração Portuguesa”).

 

Importará sublinhar que essa dimensão que qualifico de incontornável cada vez mais não resulta exclusivamente das tensões decorrentes da atração por melhores condições de vida por parte dos milhares de pessoas oriundas de países de baixo nível de desenvolvimento – um fenómeno que tem grassado de modo brutal e frequentemente desumano na Europa e nos Estados Unidos, em especial –, antes encontra em muitos países de destino (como é o caso crescente do nosso) expressões objetivas da sua inequívoca necessidade interna (atente-se nas declarações de vários setores dos nossos representantes patronais, como a do ex-presidente da CIP segundo a qual “Portugal sem imigração fecha”), designadamente no plano de um mercado de trabalho inapelavelmente rarefeito em várias áreas de atividade determinantes para as respetivas economias (turismo, agricultura e construção, no caso português – veja-se, mais abaixo, um elucidativo gráfico, que pecará por defeito em algumas áreas!, extraído de um estudo do Banco de Portugal sobre a matéria) e com repercussões não despiciendas no que toca às contribuições para a Segurança Social e em termos de equilíbrios populacionais, sociais e territoriais.

 

E mesmo que as competências destes imigrantes, muitas vezes significativas e potencialmente úteis e complementares às nossas, possam estar ainda a ser desperdiçadas pela incapacidade de organização coletiva que nos carateriza (seja no que respeita à colmatação das nossas falhas produtivas ou a um controlo mais eficiente desses fluxos) às ou que não cuidemos adequadamente do acolhimento que lhes deveríamos conceder para que o seu funcionamento pudesse ocorrer em termos mais ordenados (burocracia, fiscalização – tenho ouvido relatos absolutamente inacreditáveis quanto ao teor das fiscalizações que as nossas autoridades fazem junto das entidades empregadoras! –, habitação, ausência de apoios diversos, etc.), nada justifica que nos deixemos vergar perante a terra atirada aos nossos olhos pelos encantadores de serpentes de uma extrema-direita populista e sem quaisquer soluções efetivas para um real enfrentamento dos problemas nacionais. 


domingo, 29 de setembro de 2024

O INQUIETANTE DESEQUILÍBRIO DE FORÇAS NO MÉDIO ORIENTE

 

(Jornal Expresso)

(O atentado terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023 junto às áreas fronteiriças de Israel equivaleu a abrir uma Caixa de Pandora de cujas consequências o mundo não está ainda hoje capaz, quase um ano decorrido, de antecipar todas as consequências possíveis. Tenho para mim que esta audácia temerária e suicidária do Hamas representou para Israel a oportunidade de ouro pretendida para avançar com a retaliação de grande escala que estava seguramente preparada há longo tempo. Claro que existe em todo este processo a dimensão circunstancial de Netanyahu precisar da guerra para salvar o coiro de uma possível condenação na justiça interna. Mas a precisão com que os acontecimentos posteriores a 7 de outubro se sucederam constituem um indicador seguro de que toda a ofensiva estava preparada. O mundo político e humanitário não conseguiu travar a violência desmedida da invasão israelita em Gaza, no quadro de uma programação em que a destruição de alvos e agentes precisos do Hamas deu por adquirido que os danos civis iriam acontecer, só não sabemos qual o limiar dos danos pessoais e humanos que os modelos de programação tinham estabelecido. Creio que a ofensiva israelita dirigida ao sul do Líbano e a alvos bem definidos, infraestruturais e humanos, do Hezbollah, ofensiva que decapitou com estrondo as principais chefias do movimento, praticamente ao mesmo tempo em que Netanyahu se deu ao desplante de falar na Assembleia Geral das Nações Unidas, fazia parte da mesma programação, que aguardava o clique certo e que o Hamas lhe ofereceu com os atentados de 7 de outubro. Perante sucessivas ameaças de “regionalização” do conflito, a verdade é que o xiismo do Irão se tem limitado a acionar os seus prolongamentos de organizações armadas que financia, hesitando em envolver-se de forma proativa no processo, mesmo depois de ter sido humilhado na cena internacional com o atentado que determinou a morte do líder do Hamas em plena capital iraniana, atentado que todas as evidências indicam que foi preparado com um longo tempo de maturação. Tenho refletido sobre tudo isto e uma de duas situações podem ser compatíveis este aparente desequilíbrio pró-Israel: ou a incapacitação do Irão é mais significativa do que imaginaríamos ou a aproximação Rússia, China, Irão e Coreia do Norte, por mais estapafúrdia que se apresente, está a congeminar algo que explique esta contenção do Irão.)

A ideia de que o atentado do Hamas pôs em marcha uma ofensiva militar israelita claramente programada e de grandes proporções tem múltiplas evidências a demonstrar a sua razoabilidade. A partir de um certo momento da ofensiva em Gaza compreendeu-se que Netanyahu estava disposto a abandonar a questão dos reféns em poder do Hamas como móbil central de toda a contraofensiva. O esmagamento e destruição do Hamas passou a constituir o racional de toda a violência da ocupação, mesmo que Israel continue a não dominar a engenhosidade do complexo sistema de túneis existentes nas áreas de influência do Hamas. Essa mudança de racional aumentou consideravelmente os limiares da destruição de vidas humanas e daí ter emergido a ideia da comunidade internacional da desproporção do ataque e destruição em Gaza. O mesmo pode ser dito a propósito das atrocidades e violência na Cijordânia, na chamada West Bank, onde as forças israelitas e forças de extrema-direita que apoiam o governo de Netanyahu aproveitaram para cometer todas as ilegalidades possíveis e imaginárias de ocupações ilegais, borrifando-se para acordos assinados e para o direito internacional.

Creio que o prolongamento da guerra para o Líbano radica no mesmo racional de movimentações programadas há algum tempo. Tirando partido de que o Líbano é há muito tempo um país retalhado e que nem toda a população libanesa morre de amores pelo Hezbollah, a eliminação de um número tão elevado de chefias daquele movimento só teria sido possível com informações vindas do próprio território libanês, não importa agora saber se provenientes de agentes infiltrados da Mossad, se veiculadas por população local adversa ao Hezbollah.

Não é ainda claro se os Israelitas pretendem criar no sul do Líbano uma zona tampão que reduza as probabilidade do território de Israel ser atacado com essa proveniência, ou se existirá mesmo a tentação de ocupação desse território.

Mas o meu ponto desenvolve-se em torno da minha perplexidade sobre o que é que explica a contenção do Irão em todo este processo. Essa contenção já foi por repetidas vezes demonstrada. O ataque direto com eliminação às chefias do Hezbollah é um atentado direto ao Irão, tão forte é a sua ligação com aquele movimento. Dá a sensação de que o Irão procura ganhar tempo não se sabe bem para quê. Será que Israel percebeu e antecipou melhor do ninguém o momento de incapacitação em que o regime teocrático iraniano se encontra? Será que as autoridades iranianas procuram desesperadamente alianças para conseguirem ripostar e colocar as autoridades israelitas perante uma outra avaliação de risco?

Enquanto estas minhas perplexidades se agigantam, é cada vez mais claro que a administração Biden é neste momento uma fonte de influência zero nesta parte do mundo, suspensa que está pelas eleições de novembro. Netanyahu, mais do que ninguém, tem tirado partido desse estado de influência zero e avançará até que o parem ou que a avaliação de risco se altere significativamente. Entretanto, a ONU mostra-se como o palco das grandes impotências e contradições, a ponto de Montenegro ousar no seu discurso na Assembleia Geral falar de reforma necessária da mesma. O António talvez não esperasse este desplante. Mas a verdade é que não tem muito ou nada para oferecer em sentido contrário.

 

sábado, 28 de setembro de 2024

AINDA PIOR DO QUE SE PREVIA!

(excerto de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

A reunião entre Montenegro e Pedro Nuno foi uma espécie de “faz de conta”. Como se previa, aliás, Não obstante, as posturas e as declarações conseguiram ser péssimas, muito piores do que, apesar de tudo, se podia esperar. Com o líder socialista a colocar arrogantemente a fasquia orçamental num plano inaceitável para o Governo e com o líder social-democrata a acusar agressivamente o adversário de radicalismo, ficou claro c.q.d. que nenhum queria que dali saísse nada de construtivo. Ninguém percebe quais poderão ser os próximos passos, impondo-se-me as ideias de que Pedro Nuno conseguiu o seu objetivo (atirar Montenegro para os braços do Chega e esperar que os dois ou três partidos de direita se entendam e evitem eleições ou que tal não aconteça e estas possam efetivamente ser antecipadas para as disputar a contragosto mais intrepidamente) e de que Montenegro idem (ganhar capital de queixa contra o PS, ouvir Ventura para o desacreditar e levar Marcelo a um novo ato eleitoral, que julga ganhará com ampla margem). Continuo convencido de que Ventura irá acabar por encontrar forma de votar a favor do OE para não perder o seu atual peso político-parlamentar, mas vai ser interessante (ou nem tanto, apenas curioso) assistir ao fugidio duelo tático que se vai travar entre ele e o primeiro-ministro, cada um a procurar fazer-se passar por patriota perante os cidadãos-eleitores que dominantemente já abominam todo este folhetim...

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

É HOJE, A TAL SEXTA-FEIRA!

(António Maia, https://www.cmjornal.pt e Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt) 

Negoceia, não negoceia. Aprova, não aprova. Convoca, não convoca. Vota, não vota. E assim sucessivamente, dias e meses a fio, num básico e desesperante jogo floral para que já nenhum português terá pachorra. Mas, como tudo na vida, há um momento de clarificação que sempre chega – dizem os comentadores que é hoje, num encontro entre Montenegro (LM) e Pedro Nuno (PNS) a acontecer daqui a pouco. Pessoalmente, o que melhor sou capaz de prever é que não vai ser, ou seja, que desse tão badalado momento mais não sairá do que um adiamento qualquer, com mais ou menos molho; no interesse dos dois, aliás. Porque – cada vez é mais evidente! – ambos sabem que a solução virá de Ventura, mortinho como ele está por não mexer no status quo que lhe vai permitindo a hipótese de um enchimento com a ajuda de 50 deputados e mais de 4 milhões de subvenção estatal; neste quadro PNS e LM apenas têm de coreografar um namoro mútuo, sabedores como são de que os seus votantes assim mais se revêm, os dois calculando milimetricamente a hora (desejavelmente tardia) em que o pedido falhará e o casamento passará a ser entre o PSD e o Chega por razões de interesse e com pouco amor. E se assim vier a ser, LM continuará a ocupar a cadeira de sonho que tanto adora, PNS respirará de alívio (pelo menos até às autárquicas), Marcelo apadrinhará a nova boda – ainda que engolindo a relutância que tem vindo a manifestar em relação a Ventura – e o País lá irá seguir o seu rumo desgovernado e inglório por estes anos 20 afora...

(“O Cartoon de António”, https://expresso.pt)

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

REGRESSO A UM LIVRO SOB A FORMA DE OUTRO LIVRO

 

                                                    (Abacus Books)

(Cada um tem os seus autores de estimação e este Vosso Amigo não foge à regra. O jornalista da New Yorker, investigador e cientista social Malcolm Gladwell pertence a esse grupo e é raro o seu livro que não ocupa um lugar também de estimação na minha já volumosa estante, partilhada por vários sítios. The Tipping Point, que teve tradução em português em 2007, com uma infeliz tradução de A Chave do Sucesso, publicado originalmente na primavera de 2000, trata dos pontos críticos ou limiares nos processos de difusão das ideias e dos hábitos sociais, algo que sempre me fascinou. É da matéria da engenharia social o que a ideia de ideia de ponto crítico ou de pontos de inflexão que nos transmite e, de facto, em todos os processos de difusão de ideias, inovações ou hábitos/práticas sociais e esse é um tema com um fascínio a que não resisto. Na altura, em que lecionava uma cadeira de economia da inovação e do conhecimento na FEP, o livro de Gladwell trouxe-me um material riquíssimo para entender os processos de difusão das ideias e da inovação, com a particularidade de não ser um economista a fazê-lo mas sim um brilhante jornalista de investigação. Obviamente, que desde 2000 o vertiginoso desenvolvimento das redes sociais teria que nos trazer interrogações novas sobre o que são os pontos críticos para a disseminação de ideias de hoje. Por isso, foi com redobrada curiosidade que abri a encomenda da Amazon que me trouxe até casa o Revenge of the Tipping Point, que tem o sugestivo subtítulo de “Overstories, super spreaders and the rise of social engineering”. Malcolm Gladweel regressa ao tema do Tipping Point como seria de esperar. Tipping Point era uma espécie de biografia de uma ideia. Pode dizer-se que a vida dessa ideia em geral se complexificou e o Revenge dá conta dessa adaptação biográfica.)

A ideia central do Tipping Point é que as ideias, os produtos e as mensagens e comportamentos sociais se difundem em modo similar aos vírus e não espanta por isso que após uma pandemia o jornalista e investigador social tenha regressado ao tema. Por isso, Gladwell arrisca ao dizer que o Revenge incorpora essas grandes diferenças de contexto de difusão, “conduzindo a um novo conjunto de teorias, histórias, argumentos acerca dos estranhos percursos que as ideias e os comportamentos seguem através do nosso mundo”.

Bem sei que os homens e mulheres do marketing adoram o conceito. Da minha parte é simplesmente o interesse pelas condições concretas em que a disseminação de ideias e de comportamentos (sim, a moda também).

Para meu gáudio, Gladwell nas últimas páginas da revisitação ao Tipping Point relembra o pensamento de Albert O. Hirschman sobre a criatividade e isso bastaria, como sabem, para se colocar entre os meus favoritos. Cito em homenagem a um dos patronos deste blogue:

A criatividade aparece-nos sempre como uma surpresa; por isso, nunca podemos contar com ela e arriscamos a não acreditar nela até que ela aconteça. Por outras palavras, não nos deveríamos empenhar conscientemente em tarefas que exigem claramente que a criatividade terá de acontecer. Assim, a única maneira através da qual podemos levar os nossos recursos de criatividade à concretização consiste em julgar a natureza da tarefa, apresentando-a aos nossos olhos como uma simples rotina, simples, não exigindo a criatividade genuína que irá acontecer.”

De facto, se olhar para o passado destes 12 anos de intensa escrita neste blogue, encontro imensos exemplos de mau julgamento do que pensava fazer. O que muitas vezes pensei tratar-se de simples textos de rotina, para marcar presença e não defraudar a assiduidade, acabaram por transformar-se em raciocínios mais criativos. Continuo de facto a pensar melhor escrevendo do que falando. Outra coisa bem diferente é aspirar a que algumas destas ideias ultrapassem o vulgar em matéria de disseminação. Muitos poucos textos terão nestes anos ultrapassado as 1.000 visualizações. Evidência segura de que este Vosso esforçado Amigo não tem o talento do Malcolm Gladwell.

É a vida.

 

APRENDER E SEGUIR EM FRENTE!

O futebol é mesmo uma caixinha de surpresas! Ou, talvez melhor dito, uma fonte de ensinamentos sobre como estar na vida e na relação com os demais... Ontem, em Bodø (Noruega) – uma cidadezinha simpática localizada 80 quilómetros a norte do Círculo Polar Ártico –, os “ricos”, que éramos nós na ocasião (um paradoxo resultante de opções coletivas que agora não vêm ao caso), saíram com uma ensinadela daquelas que ficam para mais tarde recordar e que deveriam igualmente ficar para aviso de aprendizagem imediata em termos desportivos e de gestão e liderança. Daí que não veja com agrado a reação do treinador Vítor Bruno (“não adianta pensar mais neste jogo”), na medida em que tudo quanto adianta é mesmo pensar mais neste jogo em que não foi capaz de preparar mentalmente uma equipa jovem e inexperiente para um confronto que parecia fácil mas facilmente poderia antever bem mais difícil do que parecia à vista desarmada. E num enquadramento que até nem foi climaticamente tão duro quanto se prognosticava (o título de “O Jogo” está longe de ser rigoroso ao indiciar um congelamento que só aconteceu nas cabeças e no ânimo dos adeptos), tudo correu da pior forma possível, não apenas nem principalmente pelo desfecho mas sobretudo pelo escalonamento inicial por que VB optou incompreensivelmente ao deixar de fora Varela, Galeno e Pepê, pela sua lentidão de reação ao desenrolar da partida (culminando com a substituição do menos mau dos atletas, Francisco Moura) e pela atitude imperdoavelmente displicente com que a equipa encarou o jogo e o foi disputando (Diogo Costa quis ser suave e apenas sublinhou falta de agressividade). O presidente André Villas-Boas, que apostou em VB e lhe vem garantindo todo o apoio necessário, dispensava certamente o enorme dissabor que lhe foi inesperadamente oferecido mas vai ter que fazer das tripas coração e mostrar a sua raça, o seu foco e os seus dotes de liderança para conseguir ultrapassar a primeira grande e séria adversidade que lhe surge na missão que assumiu de resgatar o FC Porto – e, ontem, lá deu o sinal que na circunstância se impunha ao deixar o estádio abraçado ao treinador...