quinta-feira, 26 de setembro de 2024

REGRESSO A UM LIVRO SOB A FORMA DE OUTRO LIVRO

 

                                                    (Abacus Books)

(Cada um tem os seus autores de estimação e este Vosso Amigo não foge à regra. O jornalista da New Yorker, investigador e cientista social Malcolm Gladwell pertence a esse grupo e é raro o seu livro que não ocupa um lugar também de estimação na minha já volumosa estante, partilhada por vários sítios. The Tipping Point, que teve tradução em português em 2007, com uma infeliz tradução de A Chave do Sucesso, publicado originalmente na primavera de 2000, trata dos pontos críticos ou limiares nos processos de difusão das ideias e dos hábitos sociais, algo que sempre me fascinou. É da matéria da engenharia social o que a ideia de ideia de ponto crítico ou de pontos de inflexão que nos transmite e, de facto, em todos os processos de difusão de ideias, inovações ou hábitos/práticas sociais e esse é um tema com um fascínio a que não resisto. Na altura, em que lecionava uma cadeira de economia da inovação e do conhecimento na FEP, o livro de Gladwell trouxe-me um material riquíssimo para entender os processos de difusão das ideias e da inovação, com a particularidade de não ser um economista a fazê-lo mas sim um brilhante jornalista de investigação. Obviamente, que desde 2000 o vertiginoso desenvolvimento das redes sociais teria que nos trazer interrogações novas sobre o que são os pontos críticos para a disseminação de ideias de hoje. Por isso, foi com redobrada curiosidade que abri a encomenda da Amazon que me trouxe até casa o Revenge of the Tipping Point, que tem o sugestivo subtítulo de “Overstories, super spreaders and the rise of social engineering”. Malcolm Gladweel regressa ao tema do Tipping Point como seria de esperar. Tipping Point era uma espécie de biografia de uma ideia. Pode dizer-se que a vida dessa ideia em geral se complexificou e o Revenge dá conta dessa adaptação biográfica.)

A ideia central do Tipping Point é que as ideias, os produtos e as mensagens e comportamentos sociais se difundem em modo similar aos vírus e não espanta por isso que após uma pandemia o jornalista e investigador social tenha regressado ao tema. Por isso, Gladwell arrisca ao dizer que o Revenge incorpora essas grandes diferenças de contexto de difusão, “conduzindo a um novo conjunto de teorias, histórias, argumentos acerca dos estranhos percursos que as ideias e os comportamentos seguem através do nosso mundo”.

Bem sei que os homens e mulheres do marketing adoram o conceito. Da minha parte é simplesmente o interesse pelas condições concretas em que a disseminação de ideias e de comportamentos (sim, a moda também).

Para meu gáudio, Gladwell nas últimas páginas da revisitação ao Tipping Point relembra o pensamento de Albert O. Hirschman sobre a criatividade e isso bastaria, como sabem, para se colocar entre os meus favoritos. Cito em homenagem a um dos patronos deste blogue:

A criatividade aparece-nos sempre como uma surpresa; por isso, nunca podemos contar com ela e arriscamos a não acreditar nela até que ela aconteça. Por outras palavras, não nos deveríamos empenhar conscientemente em tarefas que exigem claramente que a criatividade terá de acontecer. Assim, a única maneira através da qual podemos levar os nossos recursos de criatividade à concretização consiste em julgar a natureza da tarefa, apresentando-a aos nossos olhos como uma simples rotina, simples, não exigindo a criatividade genuína que irá acontecer.”

De facto, se olhar para o passado destes 12 anos de intensa escrita neste blogue, encontro imensos exemplos de mau julgamento do que pensava fazer. O que muitas vezes pensei tratar-se de simples textos de rotina, para marcar presença e não defraudar a assiduidade, acabaram por transformar-se em raciocínios mais criativos. Continuo de facto a pensar melhor escrevendo do que falando. Outra coisa bem diferente é aspirar a que algumas destas ideias ultrapassem o vulgar em matéria de disseminação. Muitos poucos textos terão nestes anos ultrapassado as 1.000 visualizações. Evidência segura de que este Vosso esforçado Amigo não tem o talento do Malcolm Gladwell.

É a vida.

 

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