domingo, 29 de setembro de 2024

O INQUIETANTE DESEQUILÍBRIO DE FORÇAS NO MÉDIO ORIENTE

 

(Jornal Expresso)

(O atentado terrorista do Hamas em 7 de outubro de 2023 junto às áreas fronteiriças de Israel equivaleu a abrir uma Caixa de Pandora de cujas consequências o mundo não está ainda hoje capaz, quase um ano decorrido, de antecipar todas as consequências possíveis. Tenho para mim que esta audácia temerária e suicidária do Hamas representou para Israel a oportunidade de ouro pretendida para avançar com a retaliação de grande escala que estava seguramente preparada há longo tempo. Claro que existe em todo este processo a dimensão circunstancial de Netanyahu precisar da guerra para salvar o coiro de uma possível condenação na justiça interna. Mas a precisão com que os acontecimentos posteriores a 7 de outubro se sucederam constituem um indicador seguro de que toda a ofensiva estava preparada. O mundo político e humanitário não conseguiu travar a violência desmedida da invasão israelita em Gaza, no quadro de uma programação em que a destruição de alvos e agentes precisos do Hamas deu por adquirido que os danos civis iriam acontecer, só não sabemos qual o limiar dos danos pessoais e humanos que os modelos de programação tinham estabelecido. Creio que a ofensiva israelita dirigida ao sul do Líbano e a alvos bem definidos, infraestruturais e humanos, do Hezbollah, ofensiva que decapitou com estrondo as principais chefias do movimento, praticamente ao mesmo tempo em que Netanyahu se deu ao desplante de falar na Assembleia Geral das Nações Unidas, fazia parte da mesma programação, que aguardava o clique certo e que o Hamas lhe ofereceu com os atentados de 7 de outubro. Perante sucessivas ameaças de “regionalização” do conflito, a verdade é que o xiismo do Irão se tem limitado a acionar os seus prolongamentos de organizações armadas que financia, hesitando em envolver-se de forma proativa no processo, mesmo depois de ter sido humilhado na cena internacional com o atentado que determinou a morte do líder do Hamas em plena capital iraniana, atentado que todas as evidências indicam que foi preparado com um longo tempo de maturação. Tenho refletido sobre tudo isto e uma de duas situações podem ser compatíveis este aparente desequilíbrio pró-Israel: ou a incapacitação do Irão é mais significativa do que imaginaríamos ou a aproximação Rússia, China, Irão e Coreia do Norte, por mais estapafúrdia que se apresente, está a congeminar algo que explique esta contenção do Irão.)

A ideia de que o atentado do Hamas pôs em marcha uma ofensiva militar israelita claramente programada e de grandes proporções tem múltiplas evidências a demonstrar a sua razoabilidade. A partir de um certo momento da ofensiva em Gaza compreendeu-se que Netanyahu estava disposto a abandonar a questão dos reféns em poder do Hamas como móbil central de toda a contraofensiva. O esmagamento e destruição do Hamas passou a constituir o racional de toda a violência da ocupação, mesmo que Israel continue a não dominar a engenhosidade do complexo sistema de túneis existentes nas áreas de influência do Hamas. Essa mudança de racional aumentou consideravelmente os limiares da destruição de vidas humanas e daí ter emergido a ideia da comunidade internacional da desproporção do ataque e destruição em Gaza. O mesmo pode ser dito a propósito das atrocidades e violência na Cijordânia, na chamada West Bank, onde as forças israelitas e forças de extrema-direita que apoiam o governo de Netanyahu aproveitaram para cometer todas as ilegalidades possíveis e imaginárias de ocupações ilegais, borrifando-se para acordos assinados e para o direito internacional.

Creio que o prolongamento da guerra para o Líbano radica no mesmo racional de movimentações programadas há algum tempo. Tirando partido de que o Líbano é há muito tempo um país retalhado e que nem toda a população libanesa morre de amores pelo Hezbollah, a eliminação de um número tão elevado de chefias daquele movimento só teria sido possível com informações vindas do próprio território libanês, não importa agora saber se provenientes de agentes infiltrados da Mossad, se veiculadas por população local adversa ao Hezbollah.

Não é ainda claro se os Israelitas pretendem criar no sul do Líbano uma zona tampão que reduza as probabilidade do território de Israel ser atacado com essa proveniência, ou se existirá mesmo a tentação de ocupação desse território.

Mas o meu ponto desenvolve-se em torno da minha perplexidade sobre o que é que explica a contenção do Irão em todo este processo. Essa contenção já foi por repetidas vezes demonstrada. O ataque direto com eliminação às chefias do Hezbollah é um atentado direto ao Irão, tão forte é a sua ligação com aquele movimento. Dá a sensação de que o Irão procura ganhar tempo não se sabe bem para quê. Será que Israel percebeu e antecipou melhor do ninguém o momento de incapacitação em que o regime teocrático iraniano se encontra? Será que as autoridades iranianas procuram desesperadamente alianças para conseguirem ripostar e colocar as autoridades israelitas perante uma outra avaliação de risco?

Enquanto estas minhas perplexidades se agigantam, é cada vez mais claro que a administração Biden é neste momento uma fonte de influência zero nesta parte do mundo, suspensa que está pelas eleições de novembro. Netanyahu, mais do que ninguém, tem tirado partido desse estado de influência zero e avançará até que o parem ou que a avaliação de risco se altere significativamente. Entretanto, a ONU mostra-se como o palco das grandes impotências e contradições, a ponto de Montenegro ousar no seu discurso na Assembleia Geral falar de reforma necessária da mesma. O António talvez não esperasse este desplante. Mas a verdade é que não tem muito ou nada para oferecer em sentido contrário.

 

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