domingo, 22 de setembro de 2024

DESLOCALIZAÇÃO AO CONTRÁRIO

 


(Sabemos que a administração americana de Biden não resistiu ao apelo eleitoral e ao taco a taco com a tenebrosa candidatura de Trump e submeteu as importações de veículos elétricos chineses a pesados direitos aduaneiros, 100% a onerar essas importações. As autoridades europeias, sempre receosas e a meio-caminho, do tipo nem carne nem peixe, estão prestes a decidir a ir pelo mesmo caminho, mas com direitos aduaneiros bem menos gravosos, cerca de um quarto a um quinto dos americanos. Entretanto, nesta matéria, as autoridades chinesas que não andam decididamente a apanhar bonés, estão prontas a contra-atacar, mas não necessariamente ripostando nessa onda perigosa dos direitos aduaneiros. Preparam-se, isso sim, para deslocalizar a sua produção para solo europeu, produzindo veículos elétricos seja na Hungria, seja em Barcelona, ou onde a oportunidade de investimento surgir. Aliás, desde já há algum tempo, os chineses entraram na produção automóvel europeia, adquirindo por exemplo a Volvo na Suécia e, pelo que a minha memória consegue registar, não houve grande alarido europeu quando essa joia da coroa sueca passou para as mãos de propriedade chinesa. Assistimos, assim, a uma inversão total dos processos de deslocalização do investimento, que fizeram antes o entusiasmo dos investimentos europeus na China, dando bem nota da alteração dos grandes padrões da globalização. Distraídos com a oportunidade lucrativa de investimento que a deslocalização do investimento para a China representava, os Europeus ignoraram que a economia chinesa se encontrava numa trajetória decisiva de utilização da transferência de tecnologia para começar a distribuir jogo em tecnologias introduzidas graças ao investimento direto e estrangeiro europeu e americano. Assim, o ato de onerar com direitos aduaneiros as importações chinesas não acontece já tendo por alvo uma economia emergente, mas antes uma economia consolidada, claramente à frente por exemplo da construção de veículos elétricos. Basta seguir de perto a evolução do custo médio do trabalho na China para compreender que ela vai já muito além do que costumamos associar a uma economia emergente de tenra idade.)

É neste contexto que deveremos compreender a movimentação de deslocalização dos investimentos dos construtores automóveis e de componentes chineses, numa espécie de corrida ao mercado interno do europeu, respondendo diretamente à política aduaneira seguidista das autoridades europeias.

A cidade de Szeged na Hungria prepara-se para receber uma grande fábrica da BYD (Build your Dreams, estes chineses sabem-na toda). E a Stellantis não hesitou em aceitar uma parceria com os construtores chineses para instalar uma fábrica em Barcelona, desta vez com a Leapmotor chinesa. E o grupo que adquiriu a Volvo e detém a Polestar estuda também, segundo reza o New York Times, procura também uma instalação industrial na Europa. Por sua vez, a Turquia anunciou já que a BYD iniciará a partir de 2026 a construção de baterias e veículos híbridos nesse país, processo que permitirá a construção chinesa contornar os já referidos direitos aduaneiros.

Os alemães que se amanhem. Não sei antecipar se os grandes construtores alemães irão ou não seguir a estratégia da Stellantis que se associou a este movimento de deslocalização. Talvez a estratégia do orgulhosamente sós não seja a mais adequada, sobretudo se os esforços de redução do gap tecnológico em matéria de veículos elétricos não conseguirem o encurtamento de distância em tempo relativamente curto.

 

1 comentário:

  1. Sugiro assistir ao documentário American Factory da Netflix que retrata o choque de culturas e pode ajudar a perspetivar o que poderá acontecer agora em contexto europeu.

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