domingo, 15 de setembro de 2024

DENSIDADE VERSUS LIGEIREZA

 

(O regresso da canícula e com ela de novo o espectro dos incêndios a perturbar a vida de muitos portugueses, de norte a sul, o tempo convida mais a uma bebida fresca onde quer que ela possa ser tomada do que propriamente a um grande esforço reflexivo. Aliás, não foi fácil encontrar matéria para este post de início de noite, na qual o céu sobre o mar antecipa a continuidade da canícula, diria fora do tempo, mas na verdade o que é isso hoje de fora do tempo. Encontro o tema desejado no confronto densidade versus ligeireza, associando à primeira a excelente entrevista de uma das personagens mais fascinantes de abril de 74 em Portugal, o advogado Vasco Vieira de Almeida e identificando a segunda com as peripécias comunicacionais de Nuno Melo. A entrevista de Vasco Vieira de Almeida é um documento precioso para compreender o contexto do 25 de abril de 1974 e da governação que foi possível realizar nos primeiros anos da democracia até à estabilização do quadro constitucional. Quanto ao Ministro, que é talvez o elemento do governo de Montenegro que se pode reivindicar da sorte pura e simples para justificar até onde chegou, a sua historieta sobre Olivença é brilhante de génio chocho e no meio dessa historieta digna de folhetim não hesita a respeito do outro folhetim do Orçamento 2025 em apelar ao bom senso e afirmar que todos têm de ceder. Não poderia de modo algum desperdiçar este confronto-evidência entre a importância das palavras densas e a ligeireza dos que não conseguem esconder as benesses da sorte grande que lhe calhou por acabar na governação.)

A entrevista de Vasco Vieira de Almeida é daqueles documentos sem os quais a nossa interpretação do 25 de abril e dos anos da sua afirmação pela governação democrática ficaria truncada, fortemente limitada nas suas dimensões e evidências. Filho de um oposicionista ao antigo regime, com atividade política desenvolvida muito cedo, VVA tem um contexto de vida que lhe proporciona condições ímpares de vivência com os militares revolucionários (particularmente com Melo Antunes e Vítor Alves), relações próximas com a estrutura do nosso capital financeiro de então. Homem de uma cultura ampla e sólida, acabou por ter um conhecimento de perto da relação do 25 de abril com as ex-colónias, particularmente Angola, onde foi Ministro da Economia do Governo de Transição de Angola.

É particularmente relevante a sua relação com os militares e há um parágrafo na entrevista que explica melhor do que outra dimensão qualquer essa relação: “Eu identificava-me sobretudo com a ala moderada dos militares. Porquê? Por várias razões: eram pessoas sem ambição política, estavam ali por dever de interesse nacional. E devo dizer hoje que os militares foram e são subestimados”.

Da profundidade dos seus 93 anos, percebe-se lendo a entrevista a densidade de alguém que passou pela nossa experiência democrática com um elevado sentido de independência, aliás visível nas longas conversas que tive com o meu falecido Amigo Nuno Guedes de Oliveira, que conhecia com grande proximidade VVA por relações familiares e pelo qual sentia uma enorme admiração, sempre presente nessas conversas de escritório que recordo com saudade.

Não sei se depois de festejarmos os 50 anos da democracia de Abril, iremos ter personagens com esta densidade de experiência para que o país recorde o pós 50 anos.

Infelizmente, predomina a ligeireza da leviandade e como o Ministro Nuno Melo representa tão bem esse modelo!

 

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