sábado, 30 de setembro de 2017

MAS NÃO DEVÍAMOS REFLETIR TODOS OS DIAS?

 (Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)




Em vésperas de nova ida às urnas, cumpro zelosamente a lei que faz deste dia – porquê e para quê? – um dia de reflexão. Numa época de crescente dominância das redes sociais, a hipocrisia desta obrigação é imensa. Mas, e num outro e mais trivial plano, esta é mesmo tão grande quanto esconde o facto de sondagens publicadas de véspera com projeções, as mais das vezes erradas, enxamearem capas de jornais espalhadas pelos escaparates dos quiosques e tabacarias das nossas cidades e vilas e assim condicionarem objetivamente a suposta consciência individual e bacteriologicamente pura das escolhas a revelar amanhã. Quanto ao mais, recorro também ao nosso sempre inspirado El Roto para aqui deixar, na oportunidade deste dia, alguns apontamentos avulsamente dignos de reflexão.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

ANTES DA REFLEXÃO




(Algumas reflexões antes do anacronismo de um dia de reflexão (para quê?) sobre o que os resultados das autárquicas poderão significar, ninguém ainda se esqueceu da inesperada metáfora do pântano de António Guterres, um dos mistérios da nossa história política recente…)

Mantenho a minha ideia já expressa em post anterior sobre o assunto. Tematicamente, as eleições autárquicas foram desinteressantes e estão a sê-lo cada vez mais, por razões que me dispenso de repetir. Isto não significa qualquer menosprezo ou desconsideração pelo que elas representam em termos de impulso cívico e participativo, como ontem Pacheco Pereira fazia questão de recordar. Isso também não significa que, do ponto de vista da articulação das autárquicas com a situação política global do país, à medida que se caminhou para o 1 de outubro as coisas não tenham melhorado, ganhando algum interesse adicional.

A primeira ideia é que o PS teve, no contexto global em que as autárquicas se desenrolaram, condições excelentes para sair da noite de 1 de outubro com um resultado agregado com significado político global, embora não ignorando as particularidades destas eleições. Será que estou convicto que isso vai acontecer? Não, não estou e até posso avançar com algumas razões de fundamentação das minhas dúvidas.

Primeiro, em municípios em que o presidente da CM se candidata e é proveniente de outra força política, com um mandato irrepreensível, dinâmico e com vitória assegurada, o PS não resistiu à tentação de aderir ao modelo de “carne para canhão”, avançando com candidatos que como diria Marcelo não lembraria ao careca apresentar. O exemplo que melhor representa esta tentação é o da eleição em Braga, em que o exercício do PS com Ricardo Rio é de grande dinamismo. Não consigo sequer lembrar-me do candidato do PS e da sua proposta eleitoral (Braga é uma das maiores cidades do país) e tenho relatos de amigos que apontam para uma candidatura inenarrável em termos de fragilidade. Portanto, o problema do PS em Braga não é perder, será provavelmente não fixar eleitorado, anunciando uma longa hibernação, saudável para os eleitores depois dos consulados de Mesquita Machado e das trapalhadas judiciais do presidente seguinte. Poderia ser diferente? Podia, pois há ocasiões em que se ganha perdendo, o que não vai ser o caso. Isso significará que qualquer propósito de retorno à governação em Braga irá partir do zero numa próxima eleição. Provavelmente, não houve ninguém com peso disposto a assumir o peso de uma derrota.

Um segundo modelo é o de presidências PS que se recandidatam mas em rendimentos decrescentes não pela usura do tempo, mas mais pela usura das ideias e pela incapacidade de ser portador de futuro. Por isso, do ponto de vista político, espero com alguma curiosidade os resultados de Coimbra, onde se confrontam duas personalidades que já não são portadoras de futuro, Manuel Machado e Jaime Soares, ameaçadas por três candidaturas independentes, incapazes de se mobilizarem em torno de um projeto comum. Coimbra no seu melhor, isto numa cidade em que existe um Instituto Pedro Nunes meca do empreendedorismo de base tecnológica, mas onde também um lastro de inércia se enraíza na cidade.

Por último, o PS não resistiu em alguns municípios a cavalgar a dinâmica de independentes, verdadeiros e falsos, relativamente aos quais é praticamente impossível descortinar um elo de filiação com a orientação política do partido. Paradigmático desta opção é o apoio ao filho de Vieira Carvalho na Maia, aproveitando o termo do mandato de Bragança Fernandes. Noutros, como em Matosinhos, terá de se haver com independentes ressabiados, como Narciso Miranda e António Parada (este último apoiado, pasme-se, por Nuno Cardoso).

Por todos estes motivos e seguramente mais alguns que escapam ao meu raio de conhecimento, o PS deverá ganhar mas provavelmente poderá ficar abaixo do que poderia ser classificada como uma vitória retumbante, aproveitando os ventos da conjuntura.

Nos últimos dias, as autárquicas viraram para um olhar nacional e para isso muito contribui o putativo (inventado essencialmente por jornalistas) banho eleitoral que alguns esperam que o PSD de Passos Coelho possa experimentar. Tenho muitas dúvidas de que possa acontecer o chamado banho global. É provável que, no voto urbano das grandes cidades (com a exceção de Braga), sobretudo pela inépcia e desleixo na escolha dos candidatos o PSD possa sofrer uma queda substancial de votos. Mas já no que diz respeito ao PSD profundo, dos distritos interiores do norte e do centro, entendo que a resiliência do partido vai fazer-se sentir, a não ser que alguma situação mais escabrosa de incompetência municipal esteja visível. Mas para mim a grande interrogação não é esta. Tenho dúvidas de que a mais que certa perda de voto urbano nas grandes cidades signifique uma perda estrutural e definitiva desse eleitorado. Se o PS interpretar assim os resultados penso que irá arrepender-se. Os eleitores portugueses já nos habituaram a comportamentos de grande seletividade e creio que isso acontecerá numas próximas legislativas relativamente ao eleitorado do PSD.

A MEDALHA E O REVERSO

(www.lemonde.fr)

Julgo poder considerar-me insuspeito de simpatia pela liberalização do mercado de trabalho como mezinha contra os grandes problemas macroeconómicos. Escolhi, por isso, trazer hoje aqui um gráfico provocador e de algum modo contranatura em que a espantosa evolução da taxa de desemprego alemã ao longo da última década – culminando com a situação de quase pleno emprego atualmente prevalecente – é simultaneamente relacionada com a legislação laboral por lá produzida no primeiro lustro deste século e com o antagónico comportamento da mesma variável observado no conjunto da União Europeia e da França. A história acabaria por aqui se contada pelos mais ortodoxos dos meus colegas economistas, julgando assim demonstrados os benefícios axiomaticamente assumidos da referida liberalização; outros há, porém, que acrescentam episódios adicionais ao anterior, com crescentes precariedade, desigualdades e atipicidades várias no centro da agenda narrativa (vejam-se, nesse comprimento de onda, os dados abaixo). Nem sempre o que parece é, sendo que tal confusão gera frequentemente mossas significativas e perigosas no plano social e político.

(www.lemonde.fr)