(A propósito de
um artigo de Brink Lindsey no American Interest, talvez com um título a roçar o
catastrofismo, “The End of the Working Class”, mas com elementos de reflexão que nos devem
merecer atenção…)
A desvalorização do mundo
do trabalho e do seu poder negocial é perspetivada por Lindsey no quadro de um
conjunto de fenómenos que, plena ou parcialmente, têm sido objeto de vários posts neste blogue: crescente
desigualdade na distribuição do rendimento; progresso tecnológico favorável às qualificações
elevadas (skill-biased); desaceleração
do crescimento da produtividade; prémio salarial crescente de licenciados;
polarização no mercado de trabalho; decréscimo da taxa de participação da força
de trabalho mais jovem; mobilidade relativa inter-geracional baixa e decréscimo
da mobilidade social absoluta.
Pela diversidade e relevância
dos temas atrás assinalados é fácil compreender em que medida a desvalorização
do mundo do trabalho e do seu poder negocial é, simultaneamente, um tema
premente e complexo nas suas origens e determinantes.
Mas o artigo de Lindsey (link aqui),
embora focado na experiência americana e no aproveitamento oportunista que a
eleição de Trump cavalgou a toda a velocidade, vai mais longe. Ele anuncia uma
perda para a qual o capitalismo e a esquerda em particular demoram em encontrar
saída consistente: o fim da classe trabalhadora.
O artigo tem um misto de
sentido metafórico das mudanças que atravessam o mercado de trabalho e de reflexão
baseada na evidência. Lindsey associa o “fim da classe trabalhadora” a uma
combinação de determinantes: a polarização dos empregos no mercado de trabalho baseada
nas consequências que a rotinização informatizável de tarefas está a provocar
em muitas profissões e empregos e os problemas do outsourcing para outros países (ainda e sempre a explosiva combinação
globalização e progresso tecnológico). As necessidades do capitalismo em termos
de uma classe trabalhadora e o orgulho de profissão que alimentava muitas famílias
americanas estavam profundamente ligadas à relevância das tarefas manuais e físicas
que uma legião de trabalhadores desenvolvia. Com base em formações e qualificações
básicas e sobretudo em processos consistentes de aprendizagem na profissão e no
posto de trabalho, a emergência de leis favoráveis ao mundo do trabalho e o
reforço da ação coletiva largamente apoiada pela então decisiva sindicalização apoiaram-se
sobretudo na forte dependência que o capitalismo revelava do trabalho manual
especializado e competente.
É nesse contexto de forte
dependência do trabalho manual especializado em indústrias motoras do crescimento
económico que pode compreender-se a revolta do mundo do trabalho perante a
tentativa de ritmar o trabalho humano como se de uma máquina se tratasse. O
corpo humano não é uma máquina. Mas é também nesse contexto que se cava a
segmentação entre os que trabalham com as suas capacidades intelectuais e os
que o fazem com o seu corpo o mais adestradamente possível.
Todo este contexto tem
sido alterado por via da progressiva perda de relevância do trabalho manual
especializado. As consequências dessa perda do ponto de vista do equilíbrio do
tecido social têm sido pouco estudadas. Como é óbvio, em países de desenvolvimento
intermédio e de menor avança da fronteira tecnológica como Portugal, esta
realidade de perda de influência do trabalho manual especializado não é tão nítida.
Mas a evolução tecnológica e da organização mundial da produção está lá,
latente, em evolução, a cavar esses efeitos. Um contexto profissional dessa
natureza dificilmente ampara processos de mobilidade social ascendente e o
sentimento de perda que por vezes se concentra em territórios específicos é
devastador. O desemprego de longa duração instala-se e os esforços de ativação
de desempregados nessas circunstâncias são cada vez mais exigentes e complexos.
Portugal goza ainda do benefício de não ter embarcado na ilusão da desindustrialização
e continuar a manter (por quanto tempo) uma cultura industrial resiliente em muitas
parcelas do território continental.
É neste contexto que compreendo
e saúdo solidariamente o entusiasmo da nossa afilhada Marta e do marido, ambos
no escalão dos 40, operários (vestuário e calçado) no miolo entre Lousada e
Vizela, que viram hoje a filha Mónica entrar com média de 18 na Faculdade de
Direito da Universidade do Porto. É nestas ocasiões e circunstâncias que se
compreende a importância da Escola Pública e estou certo que a Mónica não vai
perder esta oportunidade de traçar uma trajetória de mobilidade social nunca
esquecendo a sua identidade e origens.
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