terça-feira, 26 de setembro de 2017

ACORDANDO DO SOBRESSALTO

(https://www.ft.com/content/5640e818-a28c-11e7-9e4f-7f5e6a7c98a2)



(Embora a procissão que levará à formação de um governo na Alemanha ainda nem tenha saído do adro, já parece haver condições para acordar do sobressalto e refletir sobre as linhas com que nos poderemos amanhar; a metáfora do copo meio cheio, meio vazio invocada por um cronista do Financial Times não me parece desadequada…)

No Financial Times, o sempre perspicaz Gideon Rachman (link aqui) escreve que acaba de cair por terra a tese do excecionalismo alemão em matéria de resistência ao populismo nacionalismo de direita, em marcha para a xenofobia. Na segunda feira, o embaixador português em Berlim esforçava-se por sossegar os portugueses residentes e a trabalhar na Alemanha dizendo que a AfD estava já presente nos parlamentos regionais de alguns estados alemães, não sendo por isso de esperar grandes mudanças ao que tem resultado dessa participação. Compreendo a intenção do embaixador, mas a entrada no Bundestag da AfD (simbolicamente designada de Alternativa para a Alemanha) com 13% dos votos não é matéria para desvalorizar, sobretudo pelo que ela pode implicar como agenda política de marcação e condicionamento da tal solução governativa que os jornalistas designaram encantados de solução Jamaica, devido às colorações das forças políticas aí potencialmente representadas.

Um outro cronista do Financial Times afirmava há dias no rescaldo imediato das eleições que quanto aos resultados podia haver dois cenários de interpretação, o do copo meio vazio (pessimista) e o do copo meio cheio (otimista). A metáfora talvez não seja desinteressante, sobretudo se pensarmos que anda por essa Europa uma onda de grande hipocrisia quanto à questão dos refugiados. A coragem evidenciada por Merkel na altura do acolhimento de cerca de uma magnitude impressionante de refugiados deveria justificar algum pudor no tom displicente com que muita gente se refere à reação alemã. Mas haverá algum país europeu com moral suficiente para discutir o problema? Duvido.

A tentação mais óbvia é associar o crescimento da AfD ao fenómeno do acolhimento dos refugiados. Mas o gráfico construído pelo Financial Times aconselha alguma prudência nessa interpretação. De facto, os territórios do este alemão em que a AfD mais cresceu são precisamente aqueles em que o crescimento do fenómeno imigratório foi menos intenso. O que sugere algo de preocupante. O crescimento da AfD estará eventualmente associada a questões mais estruturais do que a simples abertura à imigração e ao acolhimento de refugiados, bem no coração da Alemanha de leste, de que Merkel é proveniente. O que podemos também interpretar concluindo pela falência absoluta do modelo de desenvolvimento territorial ensaiado pela Alemanha após a integração. Mais uma evidência de que em termos espaciais a tese dos efeitos de trickle-down territorial não funciona apesar da larga e generosa alocação de fundos europeus e alemães à revitalização da zona leste.

Meio copo cheio ou meio copo vazio pode ser uma metáfora interessante para acordar do sobressalto do último fim de semana alemão. Por agora tudo me conduz ao meio copo vazio, esperando que Merkel me surpreenda e que o SPD tenha uma boa cura de oposição e saúde futura para recuperar eleitorado.

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