(https://www.ft.com/content/5640e818-a28c-11e7-9e4f-7f5e6a7c98a2)
(Embora a
procissão que levará à formação de um governo na Alemanha ainda nem tenha saído
do adro, já parece haver condições para acordar do sobressalto e refletir sobre
as linhas com que nos poderemos amanhar; a metáfora do copo meio cheio, meio vazio invocada por um cronista do
Financial Times não me parece desadequada…)
No Financial Times, o
sempre perspicaz Gideon Rachman (link aqui) escreve que acaba de cair por terra a tese do
excecionalismo alemão em matéria de resistência ao populismo nacionalismo de
direita, em marcha para a xenofobia. Na segunda feira, o embaixador português
em Berlim esforçava-se por sossegar os portugueses residentes e a trabalhar na
Alemanha dizendo que a AfD estava já presente nos parlamentos regionais de
alguns estados alemães, não sendo por isso de esperar grandes mudanças ao que
tem resultado dessa participação. Compreendo a intenção do embaixador, mas a
entrada no Bundestag da AfD (simbolicamente designada de Alternativa para a
Alemanha) com 13% dos votos não é matéria para desvalorizar, sobretudo pelo que
ela pode implicar como agenda política de marcação e condicionamento da tal
solução governativa que os jornalistas designaram encantados de solução
Jamaica, devido às colorações das forças políticas aí potencialmente
representadas.
Um outro cronista do
Financial Times afirmava há dias no rescaldo imediato das eleições que quanto
aos resultados podia haver dois cenários de interpretação, o do copo meio vazio
(pessimista) e o do copo meio cheio (otimista). A metáfora talvez não seja
desinteressante, sobretudo se pensarmos que anda por essa Europa uma onda de
grande hipocrisia quanto à questão dos refugiados. A coragem evidenciada por
Merkel na altura do acolhimento de cerca de uma magnitude impressionante de
refugiados deveria justificar algum pudor no tom displicente com que muita
gente se refere à reação alemã. Mas haverá algum país europeu com moral
suficiente para discutir o problema? Duvido.
A tentação mais óbvia é
associar o crescimento da AfD ao fenómeno do acolhimento dos refugiados. Mas o
gráfico construído pelo Financial Times aconselha alguma prudência nessa interpretação.
De facto, os territórios do este alemão em que a AfD mais cresceu são
precisamente aqueles em que o crescimento do fenómeno imigratório foi menos intenso.
O que sugere algo de preocupante. O crescimento da AfD estará eventualmente associada
a questões mais estruturais do que a simples abertura à imigração e ao
acolhimento de refugiados, bem no coração da Alemanha de leste, de que Merkel é
proveniente. O que podemos também interpretar concluindo pela falência absoluta
do modelo de desenvolvimento territorial ensaiado pela Alemanha após a integração.
Mais uma evidência de que em termos espaciais a tese dos efeitos de trickle-down territorial não funciona
apesar da larga e generosa alocação de fundos europeus e alemães à revitalização
da zona leste.
Meio copo cheio ou meio
copo vazio pode ser uma metáfora interessante para acordar do sobressalto do último
fim de semana alemão. Por agora tudo me conduz ao meio copo vazio, esperando
que Merkel me surpreenda e que o SPD tenha uma boa cura de oposição e saúde
futura para recuperar eleitorado.
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