(Público on line)
Já por diversas vezes neste
espaço de reflexão ficou patente o meu desagrado por alguns momentos menos
felizes da governação do ministro das Finanças Mário Centeno e da sua equipa
mais próxima, seja no tema Caixa Geral de Depósitos, seja na sua relação com o
Banco de Portugal. Momentos titubeantes que eram desnecessários e que
permitiram à oposição um falso fôlego. Na verdade, não tinha matéria para oposição
convincente, cavalgando oportunidades que não criaram. Apesar desse sentido crítico,
sou dos primeiros a reconhecer que a aprendizagem da equipa de Mário Centeno e
do próprio Ministro é notável, tanto mais notável quanto Centeno não tem
propriamente uma forma de estar natural para o exercício mediático da função. Mas
com a inadequação mediática dos ministros posso eu bem, sobretudo quando a sua
governação é consistente.
A saída do estatuto de
lixo da dívida pública portuguesa prestar-se-ia a exercícios fáceis de
gabarolice política, tanto mais que Passos Coelho e o PSD já nem se atrevem a
imaginar que outras partidas à sua estratégia irão aparecer nos próximos episódios,
escavacando essa mesma estratégia. Mas a reação pública de Centeno ao acontecimento
foi de uma contenção de manual. O Ministro falou mesmo do elevado valor da dívida,
talvez surpreendendo os comunicadores de serviço que esperariam uma tomada de
posição mais efusiva, questão que Centeno preencheu com a sua classificação de acontecimento
extraordinário, mas dita com o tom certo e seguramente sem qualquer gabarolice
política. Não posso deixar de saudar esta contenção de reação, muito pedagógica
sobretudo para as forças políticas que subscrevem o acordo parlamentar que
permite a governação do PS.
No contexto atual, a
reação de Centeno foi de uma grande inteligência política. Vivemos um período
de múltiplas reivindicações, das quais poderei dizer que, individualmente e de
per si, até poderão ser bondosas, justas e proporcionadas relativamente ao
passado imobilista e à incidência dos cortes cegos que atravessaram a
administração pública. Mas o problema é que tais reivindicações acontecem sem ter
sido avançada qualquer ideia concreta sobre o papel que a esquerda em geral pretende
para o Estado. O único consenso existente parece ser o de haver margem para
aumentar de novo a despesa pública e esse é um falso consenso, ou pelo menos um
consenso perigoso, tanto mais perigoso quanto mais tivermos um ministro das
Finanças que dance ao ritmo de cada reivindicação. Pelos elementos que temos
disponíveis, Centeno parece suficientemente consistente para não dançar ao
ritmo de cada reivindicação.
O momento político em
que se encontram os acordos bilaterais PS-PCP e PS-Bloco, sim acordos bilaterais
e não acordo global, embora o resultado “orçamento negociado” pudesse ser visto
como tal, é particularmente crítico. O conceito de Estado e do seu papel no
desenvolvimento do país estão longe de terem sido discutidos. PCP e Bloco
parecem mais atraídos pela ideia de peso do Estado do que estão propriamente abertos
a discutir o seu papel numa economia que continua a ser frágil do ponto de
vista global. E com essa perspetiva alimentam a ilusória ideia de que a capacidade de
tributação é ilimitada, embora saibamos como é reduzido o número dos que pagam
impostos. No interior do próprio PS existe diversidade de posições quanto a
essa matéria. Por isso, paradoxalmente, o clima gerado por uma saída do
estatuto de lixo em matéria de dívida pública atiçará a relevância do momento
político que atravessaremos nos próximos momentos, em plena multiplicação de
reivindicações que terão sempre tradução na despesa pública.
Por isso, a lucidez de
Centeno se resistir ao canto das negociações assegura-nos o conforto da
sensatez. Quem diria!
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