sábado, 16 de setembro de 2017

A LUCIDEZ DE CENTENO

(Público on line)




Já por diversas vezes neste espaço de reflexão ficou patente o meu desagrado por alguns momentos menos felizes da governação do ministro das Finanças Mário Centeno e da sua equipa mais próxima, seja no tema Caixa Geral de Depósitos, seja na sua relação com o Banco de Portugal. Momentos titubeantes que eram desnecessários e que permitiram à oposição um falso fôlego. Na verdade, não tinha matéria para oposição convincente, cavalgando oportunidades que não criaram. Apesar desse sentido crítico, sou dos primeiros a reconhecer que a aprendizagem da equipa de Mário Centeno e do próprio Ministro é notável, tanto mais notável quanto Centeno não tem propriamente uma forma de estar natural para o exercício mediático da função. Mas com a inadequação mediática dos ministros posso eu bem, sobretudo quando a sua governação é consistente.

A saída do estatuto de lixo da dívida pública portuguesa prestar-se-ia a exercícios fáceis de gabarolice política, tanto mais que Passos Coelho e o PSD já nem se atrevem a imaginar que outras partidas à sua estratégia irão aparecer nos próximos episódios, escavacando essa mesma estratégia. Mas a reação pública de Centeno ao acontecimento foi de uma contenção de manual. O Ministro falou mesmo do elevado valor da dívida, talvez surpreendendo os comunicadores de serviço que esperariam uma tomada de posição mais efusiva, questão que Centeno preencheu com a sua classificação de acontecimento extraordinário, mas dita com o tom certo e seguramente sem qualquer gabarolice política. Não posso deixar de saudar esta contenção de reação, muito pedagógica sobretudo para as forças políticas que subscrevem o acordo parlamentar que permite a governação do PS.

No contexto atual, a reação de Centeno foi de uma grande inteligência política. Vivemos um período de múltiplas reivindicações, das quais poderei dizer que, individualmente e de per si, até poderão ser bondosas, justas e proporcionadas relativamente ao passado imobilista e à incidência dos cortes cegos que atravessaram a administração pública. Mas o problema é que tais reivindicações acontecem sem ter sido avançada qualquer ideia concreta sobre o papel que a esquerda em geral pretende para o Estado. O único consenso existente parece ser o de haver margem para aumentar de novo a despesa pública e esse é um falso consenso, ou pelo menos um consenso perigoso, tanto mais perigoso quanto mais tivermos um ministro das Finanças que dance ao ritmo de cada reivindicação. Pelos elementos que temos disponíveis, Centeno parece suficientemente consistente para não dançar ao ritmo de cada reivindicação.

O momento político em que se encontram os acordos bilaterais PS-PCP e PS-Bloco, sim acordos bilaterais e não acordo global, embora o resultado “orçamento negociado” pudesse ser visto como tal, é particularmente crítico. O conceito de Estado e do seu papel no desenvolvimento do país estão longe de terem sido discutidos. PCP e Bloco parecem mais atraídos pela ideia de peso do Estado do que estão propriamente abertos a discutir o seu papel numa economia que continua a ser frágil do ponto de vista global. E com essa perspetiva alimentam a ilusória ideia de que a capacidade de tributação é ilimitada, embora saibamos como é reduzido o número dos que pagam impostos. No interior do próprio PS existe diversidade de posições quanto a essa matéria. Por isso, paradoxalmente, o clima gerado por uma saída do estatuto de lixo em matéria de dívida pública atiçará a relevância do momento político que atravessaremos nos próximos momentos, em plena multiplicação de reivindicações que terão sempre tradução na despesa pública.

Por isso, a lucidez de Centeno se resistir ao canto das negociações assegura-nos o conforto da sensatez. Quem diria!

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