(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)
Andou pelo nosso espaço público um chorrilho de gritaria e um arrazoado de reações indignadas ou agradadas em volta do inesperado regresso de Cavaco ao PSD e do seu discurso de quase 54 minutos na respetiva Universidade de Verão em Castelo de Vide. Também porque o António Figueiredo aqui de imediato se pronunciou (com total a propósito, aliás) sobre a matéria, resisti por uns dias a acrescentar o que quer que fosse ao tanto que foi sendo dito (mais mal que bem). Quando assim tinha o assunto praticamente arquivado e deixando retido no meu registo uma síntese da feliz palavra interrogativa de Cristina Azevedo na sua coluna semanal do JN (ver mais abaixo), eis que se me depara um imprevisto acesso à integralidade do discurso, ademais em versão filmada (o que, como compreenderão, ainda recrudesce as inerências de alergia e irritação) – e zás, lá terá mesmo que ser...
Limito-me a citar, textualmente como ele gosta de referir, a parte final e mais patética do que nos quis deixar dito para a sua posteridade (continuo a não conseguir conviver racionalmente com a ideia de que esta figurinha possa ter existido por tanto tempo na vida pública nacional e, sobretudo, possa alguma vez ter calado ou encantado as alegadas elites e as fulgurantes cabeças que se arrogam encher-nos os dias com os seus pedantes juízos de conformidade) – uma peça tão lamentável quanto despropositada, tão autoelogiosa quanto ressabiada, tão ignorante quanto parola. Ora leiam, releiam e voltem a ler (ao jeito de ato de contrição, se for o caso em concreto):
“Vou fazer-vos algumas referências à estratégia de comunicação política do presidente Emmanuel Macron, o novo presidente da França. Eu acompanho um pouco a política francesa através do jornal ‘Le Monde’ e através da revista ‘Express’. E chamou-me a atenção as regras seguidas pelo presidente Emmanuel Macron relativamente à política de comunicação. Porque elas não eram muito diferentes daqueles que eu adotava, tal como escrevi nas minhas memórias. Eu não sei se Macron vai ter ou não sucesso político. Mas há uma coisa que eu sei: que ele já é um ‘case study’ pela forma como, num curto espaço de tempo, percorreu o caminho até à Presidência da República e conseguiu uma confortável maioria no Parlamento. Ora, foi divulgado, por aqueles órgãos de comunicação que eu há pouco disse que acompanho, que ele cortou o acesso generoso que o Presidente Hollande concedia aos jornalistas políticos para entrar no Palácio do Eliseu; o que muito os irritou. E vou referir-vos algumas orientações específicas da política de comunicação de Emmanuel Macron, que ele considera fundamentais para a dignidade do exercício da sua função. Repito: limito-me a mencionar aquilo que retirei do ‘Le Monde’ e do ‘L’Express’. Primeira orientação: não à promiscuidade no relacionamento com jornalistas; em maio, ele afirmou textualmente: ‘Contrariamente a outros políticos, não farei dos jornalistas os meus confessores. Em França, não passa pela cabeça de ninguém que Macron telefone a um jornalista para lhe passar um notícia ou uma informação. Segunda orientação do presidente Macron: os ministros e conselheiros estão proibidos de falar à comunicação social sem a devida autorização. Terceira orientação: Macron entende que a palavra presidencial deve ser escassa – é por isso que lhe chamam o presidente Júpiter, um deus de palavra rara no seu Olimpo. A sua estratégia contrasta com a verborreia frenética da maioria dos políticos europeus dos nossos dias, ainda que não digam nada de relevante. Contrariamente aos seus predecessores, após a eleição Macron não aceitou nenhum dos múltiplos convites mediáticos que recebeu para entrevistas. Quarta orientação: para desilusão dos jornalistas, ele recusa responder a questões não respeitantes aos assuntos que decide tratar. Em junho deste ano, quando o questionaram sobre a saída dos ministros MoDem do senhor Bayrou do governo, ele respondeu – vou citar –: ‘Quando abordo um assunto que escolhi, falo daquilo que escolhi; não faço comentários sobre a atividade política’. Quantos em Portugal teriam coragem para responder assim! E quando lhe perguntaram ‘qual o seu posicionamento ideológico?’, ele respondeu: ‘nem de direita, nem de esquerda, porque de direita e de esquerda’. Quando tive funções executivas, eu várias vezes disse algo semelhante. Olhem, eu não sei se esta estratégia de comunicação de Macron é a melhor do seu ponto de vista pessoal, mas eu estou certo que é a melhor do ponto de vista da França. Ele pretende dizer que se concentra nos interesses do país sem se preocupar com os interesses de clientelas mediáticas. Eu continuo a pensar, tal como escrevi nas ‘Memórias’, que a independência em relação aos jornalistas é um princípio básico do exercício de funções públicas. A atitude, quanto a mim, que melhor serve o interesse do país – e penso que também o interesse pessoal dos políticos – é o respeito pelos profissionais da comunicação social, mas mantendo com eles distanciamento e nunca negociando aquilo que publicam ou deixam de publicar.”
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