sábado, 9 de setembro de 2017

AS TRANSFORMAÇÕES DO MUNDO DO TRABALHO

(Fonte: OECD Employment Outlook 2007, p. 161)


(Andou por aí um alarido generalizado sobre o comportamento sindical na Auto Europa como se a multinacional, apesar da sua importância vital para o país, fosse intocável; quanto a mim, parece-me que há gente que ainda não compreendeu o que é uma economia de mercado moderna e a que barganha sindical faz parte dessa modernidade, por muito que custe a alguns saudosistas de um mundo em que as greves seriam proibidas em nome não se sabe de que interesse, talvez do interesse nacional capturado…)

Claro que o alarido em torno da Auto Europa foi largamente apimentado pela sugestão de uma luta intestina entre o sindicato que veio a terreiro e a demissionária Comissão de Trabalhadores. Afinal, o sindicato seria afeto ao PCP e a demissionária Comissão de Trabalhadores tinha reconhecidamente uma forte implantação do Bloco de Esquerda. A narrativa estava montada: as desavenças à esquerda mostrariam uma geringonça capaz de sacrificar o interesse nacional em troca do conflito sindical, ou seja a luta intestina entre a barganha salarial descentralizada ao nível do posto de trabalho versus a barganha ao nível da representação sindical. Essa narrativa ignorava escandalosamente um facto, os trabalhadores não são personagens destituídos de discernimento e estão no seu direito de se recusar a trabalhar ao sábado, pelo menos sistematicamente.

Cada vez mais a investigação disponível mostra que o ativismo sindical é crucial para proporcionar uma relação mais equilibrada entre capital e trabalho, manifestamente alterada a favor do primeiro nos últimos dez anos. Certamente que nos convém uma Auto Europa dinâmica e investidora e que qualquer risco de deslocalização da fábrica de Palmela teria efeitos devastadores sobre a balança externa portuguesa e sobre as condições de vida de uma massa muito significativa de trabalhadores. Mas não acredito que a sua experiência os trabalhadores da Auto Europa se deixem apanhar e ludibriar por questões de protagonismo mediático ou por falsas ilusões de conquistas de novos direitos.

Ainda há dias, num artigo de Lawrence Summers comemorativo do Labour’s Day nos EUA (link aqui), e Larry não é seguramente um perigoso esquerdista ou um comunista convicto, o economista americano se insurgia contra a perda de poder negocial do mundo do trabalho. E concluía que o restabelecimento de uma relação mais equilibrada entre o capital e o trabalho só poderá ser conseguido com um recrudescimento do poder de barganha no mundo do trabalho e da empresa, o que exigirá que o sindicalismo recupere forças e o seu universo de representação.

Sabemos que a chamada densidade sindical, que mede a percentagem de trabalhadores empregados inscritos numa organização sindical, é muito baixa em média nos países da OCDE, 17%, embora substancialmente mais elevada entre os países escandinavos e substancialmente mais baixa entre os países do leste europeu entretanto seduzidos pela economia de mercado. Para além disso tem vindo a baixar sustentadamente ao longo do tempo, sobretudo entre 1985 e 2015. Os números do mais recente Employment Outlook OCDE (2017) são esclarecedores.

A situação portuguesa é no contexto europeu preocupante. O poder de representação dos trabalhadores é um dos mais baixos (ver gráfico inicial) e estamos com os países de mais baixa densidade sindical (Hungria, Lituânia, Polónia, Turquia). Más companhias em termos de proteção do mundo do trabalho.

Como é óbvio, os números de Portugal não são seguramente o produto de uma falta de confiança no poder de representação que os sindicatos oferecem. Em meu entender, não são tanto os casos tipo Auto Europa que estão na origem desta tão baixa densidade sindical. Talvez mais casos como o do Sindicato dos Enfermeiros ou dos Professores nos seus momentos de maior delírio. Os números de Portugal são o reflexo das transformações observadas no mundo do trabalho, desfavoráveis aos trabalhadores. Certamente também que a barganha descentralizada protagonizada pelas Comissões de Trabalhadores do tipo da demissionária na Auto Europa é crucial. Por isso, todo o alarido em torno da greve de Palmela reflete uma perspetiva tendenciosa sobre as transformações no mercado de trabalho, na qual a queda da densidade sindical se integra.

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