domingo, 30 de setembro de 2012

EUROPA ILUSTRADA (IX)


Setembro foi vivido em relativa bonança no conjunto da Zona Euro, muito ainda sob influência das intervenções veraneantes de Mario Draghi. A habitual síntese ilustrada do mês tenta refleti-lo com recurso ao traço de Emilio Giannelli em http://www.corriere.it de um lado, o “salva Europa” e, do outro, a impensável “reabilitação” de Merkel (“da parte do povo contra os mercados”) – e, ainda, evocando a decisão tomada pelo Tribunal Constitucional alemão (o dinamarquês Niels Bo Bojesen em http://jyllands-posten.dk) e a esperta adaptação dos gregos ao experimentalismo “troikista” a que vão sendo sujeitos (Tsimis Skitso em http://www.ekathimerini.com).

 
 
 

Mas o mês acabou por terminar com um preocupante renascimento/regresso dos mercados ("that crisis feeling again") perante a hesitação de Rajoy e a habilidade tática de Monti (Nicolas Vadot em http://www.lecho.be), tendo também conhecido alguns sinais explosivos, com especial destaque para a insólita situação na Catalunha (Jaume Capdevilla, vulgo Kap, em http://www.lavanguardia.com) que a “Marca” tão bem sintetizou nas palavras de Vicente Del Bosque: “Não imagino um Espanha-Catalunha”…



O SENHOR BORGES ATACA DE NOVO

(estadosentido.blogs.sapo.pt)


Como previa, o mistério das origens da ideia peregrina de descer a TSU às empresas e de a subir aos trabalhadores tão candidamente apresentada pelo primeiro-ministro como pretensa alternativa ao chumbo do Tribunal Constitucional haveria de desvanecer-se. Ora, tudo indica que o mistério está resolvido.
A investida (de baixo e mau gosto) do senhor Borges contra os empresários que não só se insurgiram contra a medida mas também admitiram a hipótese de devolver aos trabalhadores do seu próprio bolso o que lhes era retirado (como aconteceu no setor do calçado) é, na minha perspetiva, um bom indicador das origens da tão arreigada convicção do primeiro-Ministro. Talvez acrescentasse ao quadro a perspicácia do pequenino e sabidola Moedas e o beneplácito do ministro Gaspar.
Compreende-se que o homem, o senhor Borges, ande mal com a vida. Afinal, ele é um génio, ou considera-se como tal, teve a seus pés uma grande escola de negócios para a economia global, uma consultora financeira cuja seriedade na grande crise de 2007/2008 deixa muito a desejar e até o FMI Europa não escapou à sua sapiência. Ora, nestas condições, ser incompreendido no seu próprio país, apesar de ministro-sombra, e serem rejeitadas as suas propostas de rumo quando ele não está à vista, é coisa que deve abalar qualquer um. Mas o que poderia gerar uma reação de simples incompreensão e de alguma tristeza, leva o senhor Borges a espingardear para todos os lados e pelos vistos a transmitir ao primeiro-Ministro ideias similares. Há dias, Passos Coelho sobre esta questão dizia que a permanência de uma dialética entre trabalho e capital nas empresas nos tempos que correm era sinal de que não tinham compreendido o sinal desses tempos. Quem? Os trabalhadores e os empresários ou ele próprio?
Pois nessa atitude de espingardear para todos os lados à sombra de um estatuto de ministro-sombra não esteve com meias medidas e chamou ignorantes aos empresários e, do alto da sua cátedra (qual?), disse mesmo que chumbariam à sua disciplina. Além de tudo, é um insulto sério à memória do seu próprio avô, Eng. Mário Borges, um dos vultos mais proeminentes da então Associação Industrial Portuense, agora Associação Empresarial de Portugal. Alguns deles responderam-lhe à letra, dizendo por exemplo que não seria recrutado por qualquer uma das suas empresas, o que deixa alguns empregadores do senhor Borges, a começar pelo próprio Governo, em situação ingrata.
Sente-se que o senhor Borges está de mal com a vida, síndroma comum em personalidades incompreendidas deste calibre. Mas não haverá por aí nenhuma consultora financeira internacional que o acolha, lhe massaje o ego e o ponha a milhas de propor rumos para o país?

sábado, 29 de setembro de 2012

UMA ALTERNATIVA EUROPEIA?




De passagem por Bruxelas, não resisti à curiosidade de passar pelo Congresso do PES (Party of European Socialists, reunindo os partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas da União Europeia) e de por lá aferir o estado do discurso e algumas perceções e sensibilidades.

Frequentemente acusado de excessivamente taticista, o alemão Martin Schulz – atual presidente do Parlamento Europeu – produziu a intervenção mais consistente e mobilizadora e assim revelou claramente as suas qualidades de liderança e o seu ascendente no seio do Partido. Destaco, entre outras possíveis, quatro mensagens relevantes:
(i) a defesa de que o PES não cede a populismos conjunturais mais ou menos fáceis e mantém a centralidade do seu projeto em torno da ideia de Europa, embora de uma Europa urgentemente carenciada de mudança (daí os “re” que marcaram toda a comunicação – ver cartaz acima);
(ii) a defesa da atual prevalência de um défice ideológico e político e da inerente imprescindibilidade de um novo reforço da dimensão política, por forma a forçar um recuo do atual modelo de capitalismo financeiro (“risk free capitalism”) e um consequente regresso a condições de controlo dos Estados sobre os mercados;
(iii) a defesa de uma alternativa que terá de incorporar uma consolidação orçamental amiga do crescimento e uma mutualização racionalizada de certos níveis de dívida;
(iv) o apelo no sentido de que alguns resistam à presente armadilha (talvez mesmo identificada como o perigo mais grave para a afirmação e vencimento do projeto) de se refugiarem em aparentemente confortáveis lógicas nacionais.

Pelos corredores, julgo ter podido pressentir duas tónicas: um limitadíssimo entusiasmo (desilusão mesmo?) com a nomeação pelo SPD de Peer Steinbrueck como o opositor de Merkel nas eleições de setembro de 2013 e uma crescente predisposição dos “ciganos” do Sul (com Seguro e Rubalcaba particularmente convergentes) para abordarem em frente conjunta algumas das múltiplas matérias de interesse comum que atualmente afligem os seus países.

Aqui fica um conjunto de matérias a justificar mais e melhor exploração, ou até possíveis contraditórios…

A BANCA E O DÉFICE

(Malagon)


Não é coisa que não fosse por cá conhecida. Mas pela sua dimensão, a situação espanhola concede-lhe uma outra expressão. Falo das possíveis relações entre intervenções de resgate financeiro à banca e o défice público, com as consequentes implicações que isso acarreta na situação atual.
O caso espanhol constitui uma excelente ilustração das interrogações que os diferentes esquemas de ajuda à banca tendem a suscitar. O discurso inicial do governo espanhol foi o de associar o resgate financeiro à banca em dificuldades como uma operação que não agravaria a situação do contribuinte espanhol. Daí o seu permanente e reiterado “esconde esconde” com as autoridades europeias evitando transformar essa operação num resgate sobre a economia espanhola, com as consequências que os programas centrados na Irlanda, Grécia e Portugal têm vindo a gerar.
Mas o problema é que essas ajudas e intervenções se processam num contexto global em degradação sucessiva e não numa situação que esteja contida. Em Espanha, a intervenção tem sido concretizada através do FROB (Fondo de Reestructuración Ordenada de la Banca), injetando dinheiro público nas entidades nacionalizadas. Sabe-se hoje que o FROB estima em 11.000 milhões de euros o montante injetado que corresponderá a valores irrecuperáveis, ou seja, a operações de risco elevado ou mesmo “tóxico” realizadas por tais entidades em pleno delírio da fuga para a frente em que o sistema financeiro se viu envolvido na segunda metade da década anterior.
Trocado por miúdos, isso significa algo de semelhante a 1% do POB espanhol que terá de ser assumido como défice público de 2011 ou de 2012, o Eurostat o dirá em articulação com o governo espanhol. Se a operação for reportada a 2011, esse ano ficará na história orçamental espanhola como um dos exemplos mais sinuosos de correção em alta sucessiva do défice público. Primeiro, com correção dos números associados ao governo PSOE, depois com as intervenções nas comunidades autónomas de Madrid e Valência, largamente comprometidas com o despautério da banca nessas regiões e agora com mais esta correção. Claro que nestas operações, que implicam um aumento de gasto público não continuado e só reportado ao ano de inscrição estatística, há aspetos de registo contabilístico mais complexos que transcendem o âmbito desta reflexão. Mas o que fica é a ideia de que há relações entre ajudas à banca e défice público. Para o cidadão comum, o tema é nebuloso e faz aumentar a desconfiança sobre todo o processo. Até porque o problema da banca faz parte do problema e o seu contributo para a criação de condições de recuperação e crescimento continua largamente interrogado.
O relatório da consultora americana Oliver Wyman ontem publicado confirma que são essencialmente as entidades financeiras já intervencionadas pelo FROB aquelas que apresentam as maiores necessidades de capitalização. Surpresa terá sido apenas a indicação do Banco Popular como estando carenciado de capitalização adicional, circunstância que tudo indica será assegurado internamente pela própria instituição.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

AS ALTERNATIVAS



O Quadratura do Círculo de ontem foi marcado pelo tema das alternativas ao atual plano inclinado em que a trajetória anunciada para o resgate financeiro se encontra.
O tema é central, pois grassa por aí a ideia da ausência de alternativas, argumento que tem constituído a defesa principal da atual maioria, apoiada sobretudo na situação de partida, a incapacidade de acesso a financiamento por parte do Estado e da banca.
Também neste espaço de discussão, o debate não foi favorável ao Governo. A proteção que normalmente António Lobo Xavier lhe concede, e neste tema a sua posição é próxima da defesa da inexistência de alternativas, foi bastante obscurecida pelo reconhecimento claro e inequívoco da incompetência, impreparação e delírio na gestão política de todo o processo. Aliás, essa evidência está hoje já enraizada na perceção do cidadão comum, gerando uma efetiva desautorização de praticamente toda a prática governativa, que intervenções isoladas e desajeitadas de alguns ministros não fazem mais do que reforçar (caso, por exemplo, dos disparates de Paula Teixeira da Cruz). A argumentação de José Pacheco Pereira emergiu no debate como implacável. A trajetória atual degradou-se de tal modo que já não pode considerar-se uma alternativa viável. Mas a já referida incompetência e impreparação na gestão política do processo tem sistematicamente reduzido as margens de manobra de alternativas possíveis, alternativas entendidas no sentido de diferentes opções de governação para aplicar o acordo de resgate financeiro.
E o que é verdadeiramente surpreendente (ou se calhar não) é que, apesar dos esforços de António Costa, retenho de ontem apenas a ideia da revitalização urbana como instrumento de investimento e criação de emprego a curto prazo, o PS aparece marginal a todo este debate das alternativas. Compreende-se que o PS aspire a uma maturação mais lenta da consolidação de um projeto de governação. Mas convém não perder de vista que o tempo político está em profunda aceleração. De tanto esperar pode soar mesmo a ausência de alternativa de governo.
Seria bom que as palavras sensatas de Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, suscitassem um amplo debate. Sem falsa modéstia, já aqui fiz eco de tais ideias. O país necessita de estabilizar a carga fiscal que a sociedade portuguesa está disposta a suportar, incluindo o seu caráter progressivo e distributivo. Só depois faz sentido discutir as escolhas públicas que o futuro exige.

O PRODÍGIO DA CRIAÇÃO

Imagino alguns leitores deste espaço já saudosos de Andrés Rábago García (“El Roto”). De facto, primeiro as minhas férias e depois as dele explicam a ausência. Redimo-me hoje com esta admirável meia dúzia de ilustrações suas nas páginas do “El País” deste Verão. Os números que não se responsabilizam pelos dados, a tendência para o equilíbrio com a economia a esfriar e a rua a aquecer, o mundo a mudar manipulado por novos homens de negro, os rios tratados como água sobrante, as conquistas sociais que não passavam afinal de concessões temporárias e o toque possível de otimismo com o registo de que as malas dos que saem já não são de cartão, aqui ficam algumas mensagens impressionantes pela força impiedosa e arrepiante de um olhar iluminado…
 





MACEDO & MOURA


A noite foi prolixa e riquíssima em pérolas. Nomeio vencedor o debate (?) entre aqueles dois “marretas” que às vezes se juntam na RTP Informação e que hoje, sorridentes, assim comungaram no final junto do moderador: “Tem de nos dar mais alguns minutos a ver se discordamos em alguma coisa”!


Disse Macedo: “É só quando de facto há uma ignorância daquilo que são as condicionantes externas que não se percebe o sucesso extraordinário do ajustamento externo. Mas atenção: esse sucesso foi de tal maneira espetacular (…), num ambiente recessivo, que, primeiro, não se sabe se vai poder continuar e, segundo, traz efeitos negativos (…), os efeitos orçamentais, porque evidentemente quando se exporta isso não beneficia o IVA, o IVA é uma grande receita e, portanto, há esse problema.”


Retorquiu Moura: “Eu acho que há um conjunto significativo de atos económicos concretos, resultantes do funcionamento da economia, que permitem antever – sublinho antever – a hipótese de se estar no início de uma viragem positiva.” E, mais explícito ainda: “Uma coisa é sublinhar-se as dificuldades, sublinhar-se até os erros que conduzem a certo tipo de dificuldades, outra coisa muito diferente é querer-se dar por atacada e acabada a ideia de que a política económica até agora desenvolvida, deste Governo, fracassou.”

Mas a tirada da noite veio desse mesmo Moura, também às vezes cognominado Cardeal: “Ninguém contesta o direito de quem quer que seja se manifestar.” – não é divinal?

PREOCUPAÇÃO NACIONAL


Está desvendado o mistério da política europeia do Governo português: Pedro (Passos) explicou hoje que não quer estar na lista de problemas da agenda europeia!!!

O mínimo que se pode esperar dos comandantes europeus, certamente embevecidos, é que trauteiem com ele a canção de um outro Pedro (Abrunhosa):
“Socorro!! Estou a apaixonar-me
É impossivel resistir a tanto charme.”

PREOCUPAÇÃO PESSOAL


“A questão que tem que se pôr é o que é que a Caixa Geral de Depósitos como banco público faz diferente dos outros; se é só para financiar grandes operações de grande capital, não é preciso ter um banco público.”

Começo a ficar sinceramente preocupado – então não é que hoje ao jantar dei por mim a quase concordar com Mira Amaral?

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

SURPRESA CUMULATIVA



As intervenções públicas do primeiro-Ministro têm o condão de nos projetar num clima de surpresa permanente, diria mesmo de surpresa cumulativa, pois o espanto vai aumentando com as sucessivas intervenções. E os circunstancialismos da sua agenda pública têm-nos transportado nos tempos mais recentes para declarações em almoços. Por mais dignidade que tais eventos veiculem, esta alternância de alocuções oficiais e de discursos em eventos desta natureza não contribui em nada para as levar a sério.
Hoje, Passos Coelho manifestou publicamente o seu desconforto com a sua não compreensão da reação de alguns empresários relativamente à TSU. Não sei que representatividade têm os casos invocados pelo primeiro-Ministro de empresários que terão referido receios de represálias por parte dos trabalhadores por causa da alegada (segundo Passos Coelho) transferência de rendimento do trabalho para o capital. A obsessão ou o trauma da TSU pelos vistos não passarão tão cedo. A invocação do tema das represálias não parece muito feliz e não constitui de todo a reação dominante que ressalta da rejeição manifestada pelos empresários quanto à controversa medida. Passos Coelho continua a não entender o significado profundo do que propôs nas condições atuais do país e das empresas. A maneira como invoca a sua surpresa pelo teor da reação dos empresários evidencia exatamente isso: “Se a visão que temos das empresas não é a de instituições relevantes, mas estão reconduzidas, por qualquer razão, à dialética do trabalho e do capital, então teremos progredido muito pouco ao longo destas dezenas de anos de aprendizagem democrática, e isso prometeria muito pouco para o nosso futuro”.
Ou seja, não entendeu rigorosamente nada. O que constitui mau prenúncio do que poderá vir por aí. O que contrasta por exemplo com a sensatez de uma personalidade como António Saraiva, presidente da CIP, bem mais ponderado do que o permanentemente enjoado Ferraz da Costa. E tudo resulta da vivência de uma empresa que Saraiva seguramente tem, bem diferente da do primeiro-Ministro. Em guarda, por precaução.