Quinta-feira é dia de rituais. Não necessariamente o
Quadratura do Círculo, cada vez mais previsível, não por esgotamento dos seus
protagonistas, mas essencialmente pela evolução do contexto político em que o
programa tem decorrido nos últimos tempos.
O ritual a que me refiro é o ritmo da quinzena com as crónicas
de António Lobo Antunes na Visão. Umas vezes no comboio para Lisboa, outras no
café do meio da manhã, mergulho religiosamente naquelas duas páginas
incompletas que nos transportam ao mais profundo das almas.
Resisto à amargura das crónicas mais pessoalizadas. As
que me interessam de sobremaneira são aquelas em que ALA toma a palavra das
personagens mais recônditas da classe média, regra geral mulheres, isoladas,
carentes, prolongando artificialmente o tempo, robotizadas pela rotina, pelas
dificuldades e pela Cidade grande. De quando em vez um retrato impiedoso sobre
os homens, piegas, indiferentes ou em rota para uma morte de cão abandonado. Mas
onde a sensibilidade de ALA se renova constantemente é no retrato dessas
mulheres, tal como na crónica de hoje.
Aquelas duas páginas incompletas valem muito mais do que
qualquer arremedo de survey sociológico
e transportam-nos para quem não se manifesta, quem vive para lá dos estores
semi-corridos, para o mais profundo desencanto da alma humana. Vêm a calhar
numa semana de arrufos políticos para os quais já não há pachorra, sobretudo
depois do ressurgimento de uma certa sociedade civil.
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