domingo, 9 de setembro de 2012

GRAU ZERO



O que está a acontecer politicamente em Portugal ultrapassa todos os limites concebíveis. É que já não se trata apenas de um governo constituído por vários ministros inexperientes, incompetentes ou mal-intencionados. Nem somente de um governo que se deixou capturar por interesses, corporações ou amiguismos. Nem unicamente de um governo à deriva, sem estratégia europeia e externamente subserviente. 

O que temos hoje é um típico produto das nossas lamentáveis jotas partidárias exibindo um provinciano deslumbramento com o lado formal de ser poder. O que temos hoje é um analfabeto funcional querendo compor um lugar e um discurso, confiante de ser para tal bastante uma “corajosa” voz de barítono e a doutrinação e ensinamentos de gurus técnicos (Gaspar e Borges) ou políticos (Relvas à cabeça). O que temos hoje é uma espécie de marioneta – a quem alguns notáveis gostam de chamar “o menino” – fingindo ser o primeiro-ministro de um país europeu.

Não, não colhe argumentar com os erros passados e com a responsabilidade dos socialistas na situação do país. Não, não colhe ripostar com as exigências dos credores internacionais e da assistência financeira. Não, não colhe contrapor empobrecimentos inevitáveis e análises económicas mais ou menos objetivas. Porque de todas essas verdades (ou partes dela) não têm necessariamente de decorrer implicações estritas e absolutistas. 

Também o “timing” escolhido não convence, tal como as novas razões invocadas – desta vez é em nome da defesa do emprego – para esta austeridade identicamente dirigida. Porque o que manifestamente não se quer é uma “repartição equitativa dos sacrifícios” – onde está o contributo do capital, dos poderosos ou dos mais favorecidos? (veja-se, a propósito, a proposta que há meses vem sendo defendida por Miguel Cadilhe). Porque o que verdadeiramente sobreleva nos talibãs que tomaram S. Bento é um indisfarçável servilismo perante os seus donos e/ou uma vaidosa obstinação na superioridade de uma ideologia e dos correspondentes modelos.

Assim sendo, o mais certo é que Passos (acima caricaturado por Fernando Campos, http://ositiodosdesenhos.blogspot.com, muito ao jeito dos seus melhores tempos de líder laranjinha) se tenha “suicidado” anteontem. Restando-lhe a pobre consolação de continuar convenientemente assistido pelos óbvios e agradecidos suspeitos do costume (Frasquilho, Abreu Amorim, Montenegro e Nuno Magalhães no parlamento; Aguiar e Mota no governo; Moreira da Silva e Teresa Leal Coelho no partido). 

Senão vejamos: os cidadãos anónimos tornam cada vez mais audível a sua indignação (“cachopos” ouviu-se ontem), os parceiros sociais demarcam-se (até Proença já parece lamentar a colaboração prestada a pretexto da “cris”), as “vozes amigas” desmultiplicam-se (de Freitas a Eanes, de Mira a Bagão, de Duque a Gomes Ferreira, de Capucho a Bacelar Gouveia), os barões e as bases social-democratas agitam um pungente silêncio (Silva Peneda foi disso exemplo cristalino), Portas cala e espera o seu momento (enquanto vai aproveitando para gozar os prazeres da sua quarta viagem anual ao Brasil). 

Sarilhos e trapalhadas, desobediência e conflito institucional, quebra de promessas e mentira – isto só vai poder acabar mal…

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