O que está a acontecer politicamente em Portugal ultrapassa todos
os limites concebíveis. É que já não se trata apenas de um governo constituído
por vários ministros inexperientes, incompetentes ou mal-intencionados. Nem somente
de um governo que se deixou capturar por interesses, corporações ou amiguismos.
Nem unicamente de um governo à deriva, sem estratégia europeia e externamente
subserviente.
O que temos hoje é um típico produto das nossas lamentáveis jotas
partidárias exibindo um provinciano deslumbramento com o lado formal de ser
poder. O que temos hoje é um analfabeto funcional querendo compor um lugar e um
discurso, confiante de ser para tal bastante uma “corajosa” voz de barítono e a doutrinação
e ensinamentos de gurus técnicos (Gaspar e Borges) ou políticos (Relvas à
cabeça). O que temos hoje é uma espécie de marioneta – a quem alguns notáveis
gostam de chamar “o menino” – fingindo ser o primeiro-ministro de um país
europeu.
Não, não colhe argumentar com os erros passados e com a
responsabilidade dos socialistas na situação do país. Não, não colhe ripostar
com as exigências dos credores internacionais e da assistência financeira. Não,
não colhe contrapor empobrecimentos inevitáveis e análises económicas mais ou
menos objetivas. Porque de todas essas verdades (ou partes dela) não têm
necessariamente de decorrer implicações estritas e absolutistas.
Também o “timing” escolhido não convence, tal como as novas razões
invocadas – desta vez é em nome da defesa do emprego – para esta austeridade identicamente
dirigida. Porque o que manifestamente não se quer é uma “repartição equitativa
dos sacrifícios” – onde está o contributo do capital, dos poderosos ou dos mais
favorecidos? (veja-se, a propósito, a proposta que há meses vem sendo defendida
por Miguel Cadilhe). Porque o que verdadeiramente sobreleva nos talibãs que
tomaram S. Bento é um indisfarçável servilismo perante os seus donos e/ou uma
vaidosa obstinação na superioridade de uma ideologia e dos correspondentes
modelos.
Assim sendo, o mais certo é que Passos (acima caricaturado por
Fernando Campos, http://ositiodosdesenhos.blogspot.com, muito ao jeito dos seus melhores
tempos de líder laranjinha) se tenha “suicidado” anteontem. Restando-lhe a pobre consolação
de continuar convenientemente assistido pelos óbvios e agradecidos suspeitos do
costume (Frasquilho, Abreu Amorim, Montenegro e Nuno Magalhães no parlamento; Aguiar e Mota
no governo; Moreira da Silva e Teresa Leal Coelho no partido).
Senão vejamos: os cidadãos anónimos tornam cada vez mais audível a
sua indignação (“cachopos” ouviu-se ontem), os parceiros sociais demarcam-se
(até Proença já parece lamentar a colaboração prestada a pretexto da “cris”),
as “vozes amigas” desmultiplicam-se (de Freitas a Eanes, de Mira
a Bagão, de Duque a Gomes Ferreira, de Capucho a Bacelar Gouveia), os barões e
as bases social-democratas agitam um pungente silêncio (Silva Peneda foi disso
exemplo cristalino), Portas cala e espera o seu momento (enquanto vai aproveitando
para gozar os prazeres da sua quarta viagem anual ao Brasil).
Sarilhos e trapalhadas, desobediência e conflito institucional,
quebra de promessas e mentira – isto só vai poder acabar mal…
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