Ontem, em cima do acontecimento, o amigo Freire de Sousa
assinalava o momento diríamos histórico da entrevista de Manuela Ferreira Leite
à TVI 24, letal a todos os níveis para a governação atual. E a vertigem dos
acontecimentos puxa-nos para um turbilhão de profunda aceleração do tempo político.
A melhor síntese da entrevista tão corajosa de MFL é a da
projeção do fim a que poderemos aspirar como prémio do bom aluno, obediente e
aplicado, “um país destroçado”. Não são precisas imagens. A palavra basta.
Contundente a ponto de arrepiar.
Mas MFL vai mais longe e denuncia os requintes de
controlo planificador que o ministro das Finanças admite poder realizar para
controlar as contas das empresas e orientar a aplicação da poupança fiscal
resultante da descida da taxa social única. Na mouche. De facto, estes
economistas do mainstream mais
irredutível e liberais na lapela, sim apenas na lapela, quando à solta no poder
e para tornar a economia bacteriologicamente pura e ajustada aos seus
pressupostos, não hesitam em penetrar no mundo mais sórdido da sanha
planificadora. Liberais? O poder corrompe convicções não muito sólidas. Óbvio e
a história, recente ou passada, não nos desmente.
Com MFL acontece o que frequentemente atinge algumas
personalidades desta envergadura. Tornam-se dissonantes e até desajeitadas em
certos momentos. Mas o contexto muda, os poderes alteram-se, a sofreguidão política
instala-se e basta manterem-se coerentes e consistentes com a sua palavra
anterior para terem razão e poderem dizer com fundamento “o poder vai nu”. É o
caso. E estranhamente essa razão a
posteriori permite compreender melhor as suas posições do passado. Por
outras palavras, têm hoje mais sentido e fundamento as suas críticas violentas à
governação Sócrates. A história e a política têm destas coisas. Fascinante.
Não era necessário muita intuição política para
compreender que a ascensão vitoriosa da linha Passos Coelho no PSD, varrendo precisamente
os resquícios da liderança de MFL, fraturou irreversivelmente o partido,
projetando para as cenas de um próximo capítulo senão o ajuste de contas, pelo
menos a reposição das coisas na sua dimensão mais rigorosa. Como diria José
Pacheco Pereira, quem os conhece por dentro terá imaginado na altura que, numa
curva mais apertada, próxima ou longínqua em função das exigências do percurso,
haveria um despiste qualquer. Ora, o percurso revelou-se ainda mais exigente do
que o esperado e o deslumbre do piloto para com a sua máquina (de poder)
precipitou necessariamente os acontecimentos.
Turbilhão de acontecimentos e de informação.
O representante do FMI na TROIKA encarregou-se de sacudir
a água do capote e atribuiu inequivocamente ao governo a iniciativa
experimental da descida da taxa social única para as empresas acompanhada da
subida para os trabalhadores (pura redistribuição direta operada). Não foi
desmentido por ninguém. Cai, assim, por terra o argumento da pressão de negociação.
O que equivale a concluir que o governo (quem?, Vítor Gaspar acossado?) para além
da metáfora do bom aluno, assume agora explicitamente o estatuto de aluno
cobaia, voluntário, oferecendo numa bandeja o sacrifício experimental de uma
redistribuição direta do trabalho para o capital, encapotada numa defesa da
estabilidade da segurança social pública. Mas esta gente já evidenciou claramente
que não tem a estabilidade, o rigor e a ética que se pedem a gestores de experiências
desta natureza. Até porque não há voluntários para se submeterem a essa experiência.
É trabalho forçado.
Tenho a intuição e custa-me dizê-lo que esta gente não
entende a força e a lógica da razão e do argumento. Entenderão certamente o pronunciamento
de rua, a ira e a indignação, a proximidade física dessa indignação. Não
estaremos tão longe da Grécia como isso.
E finalmente, já não era sem tempo, o PS assume-se. Primeiro
na retórica da indignação de João Galamba, ontem no Parlamento. Depois com a
comunicação de hoje de António José Seguro. Pura dialética política. Finalmente.
Haja consistência futura. O tempo político acelera. Quem não se sente, não é
filho de boa gente … Cá por mim, eu sou!
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