É tempo de balanço, parece ter querido determinar o último post do
meu amigo e catalisador deste blogue António Figueiredo. Pois seja, aí vão mais
algumas achas para fazer arder essa fogueira.
Não sei se me revejo cabalmente nas “famílias” da tipologia
proposta pelo AF. A meu ver, e pelo menos, ainda lhe faltaria considerar/incluir
as ratazanas, os sempre-em-pé e várias espécies de vaidosos e parolões, tudo
isso para além de aprofundar, em contraponto, a sua ideia de “gente lúcida”
(talvez à luz de “insights” como independência, competência e experiência). E,
mesmo assim, não sei se iremos conseguir catalogar adequadamente um figurão finíssimo e rebuscadíssimo
como é Paulo Portas (abaixo caricaturado por Fernando Campos, em http://ositiodosdesenhos.blogspot.com).
Nesta fase do campeonato, e assinando integralmente por baixo em
relação às caraterísticas de consistência profissional que definem a grande
jornalista que é Teresa de Sousa, julgo pertinente salientar a sua coexistência
com outros tipos de perfis de lucidez (menos “sangue, suor e lágrimas”,
digamos). Por exemplo, aqueles mais orientados por certos “mix” de
inteligência, intuição, rapidez, coragem e capacidade de síntese e comunicação
(necessariamente também, mais propensos a que pontualmente possa sair asneira).
Falo de gente como Miguel Sousa Tavares que ainda esta semana disse tanto em
tão pouco:
- “acho que o lado negro de Passos Coelho é que ele não tem uma ideia própria na cabeça sobre assunto nenhum”;
- “ele [Passos] diz que a diferença é que a outra [a TSU baixar com o IVA] era uma medida de curto prazo, enquanto que desta maneira [a TSU baixar com os descontos dos trabalhadores] é uma medida de médio e longo prazo que vai ser boa para a competitividade porque baixa os salários definitivamente (…) – eles querem tornar Portugal competitivo pagando salários de Terceiro Mundo, mas querem mesmo, é um programa político”;
- “é um problema de falta de agenda política, de receitas económicas erradas e de uma gente totalmente impreparada para governar, desfasada da realidade e – como estamos agora a ver – notoriamente incompetentes. (…) O mais incompetente de todos, acabou de o demonstrar hoje, é o próprio primeiro-ministro que chefia este Governo”.
Quanto a Maria João Rodrigues, que conheço bem desde Paris e de
quem gosto, tendo a ver o seu posicionamento sobre estas matérias menos como
uma evidência de lucidez do que como uma dominância da dupla informação/taticismo;
ainda que com a lucidez de quem resiste ao acantonamento lisboeta e se esforça
por respirar atmosferas mais arejadas. Além disso, concordo largamente com o AF
quando refere que o ponto nevrálgico poderá estar menos na interação das três
prioridades de MJR (que estão, a meu ver, pouco trabalhadas no seu conteúdo e
faseamento) do que na relação de submissão do Governo face à Troika e aos seus
congéneres europeus. Manuela Ferreira Leite exprimiu-o de modo exímio: “Mas há uma
coisa que eu tenho a certeza. É que, àquilo a que eu fosse obrigada a fazer que
eu considerasse que era pernicioso para o País, no mínimo dizia-o aos
portugueses. (…) E devo dizer que berrava por todos os lados, nomeadamente nas
instâncias europeias, dizendo: eu tenho estado a comportar-me bem, eu tenho
estado a fazer tudo direitinho, eu tenho condições excecionais no País para
fazer tudo bem, não posso ser mais bem comportado do que aquilo que estou a ser
e, em cima disso, nem me ouvem!”
Voltando a Paulo Portas, divido-me sobre
qual possa ser, em última instância, a sua real estratégia. Dando de barato o
seu repetidamente proclamado patriotismo e assumindo como óbvia a sua vitória
conjuntural no seio da coligação, o que está por saber é quando e até onde lhe
importará dispor do pueril Passos (e, até certo ponto, também de Seguro) para desencadear
novas incursões rumo a uma ambicionada liderança governativa. As
dúvidas permanecem mais do que muitas – entre elas: o que representa hoje,
verdadeiramente, o PSD dos chamados “passistas”? E o dos barões incomodados? E
o cavaquismo? E, de outro modo, qual a correlação de forças em presença relativamente
à nossa cada vez mais enfraquecida classe dirigente? E, por outro lado, qual o
real peso que pode advir do protesto nas ruas e nas praças?
Temo que Portugal, a meio de uma
arriscada travessia em que já cometeu erros irreversíveis desde que se viu
sujeito à batuta de um Passos ofuscado pela ilusão do poder e correspondente
papel que ocuparia na História – primeiro capturado por Relvas e seus
apaniguados (chumbo do PEC 4, resgate tornado inevitável, negociação inenarrável
do memorando com a Troika, processo eleitoral, modelo governativo, assunção de
uma radical subserviência europeia), depois tomado por uma fé gaspariana que
tão serviçalmente assenta em interesses internacionais dominantes –, possa
estar mais próximo de um caminho “à grega” do que de “outro caminho”.
Neste quadro, talvez nada deva ser a priori excluído. Mesmo arriscando cometer algum sacrilégio. É, assim, que o pensamento flui: quem
poderia por cá encarnar o aproveitamento de um ainda duvidoso cenário europeu
marcado pela consolidação de movimentos duradouros em direção a uma saída da
crise? Não será que a nossa melhor expectativa de curto/médio prazo até poderia
advir de um (difícil) apagamento dos aparelhos partidários com paralela
emergência executiva da dimensão tecnocrática? E quem poderia ser o nosso
Monti? Pessoalmente, e conjugando o “lugar certo na hora certa” com as imprescindíveis condições de credibilidade e competência, só consigo apontar ao nome de Carlos Costa…
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