Com mais uma avaliação da TROIKA à perna, o
pronunciamento é geral, desafinado e direi eu inconsequente. A lógica do bom
aluno mendiga uns tempos mais para a realização da prova, pedindo compreensão
para o não cumprimento da meta do défice. O PS procura sair do estado de
hibernação, cura psicológica para o trauma da transformação do PEC 4 e do
acordo tácito com a senhora Merkel em memorando à força de “entendimento” com a
TROIKA. Mais austeridade, não! Primeiro passo para um pronunciamento
parlamentar mais duro no Parlamento em relação ao orçamento 2013, esperando
tacitamente que tal rejeição precipite uma trajetória de recuperação eleitoral
ou, quando muito, que tal posição permita ganhar alguma coisa à qual possa
colar-se um selo PS inequívoco. À esquerda nada de novo. O PCP, com TROIKA ou
sem ela, teria praticamente o mesmo discurso. O Bloco esperançado num SYRISA à
portuguesa, multiplicando fações.
Mas este tom desafinado é também inconsequente, porque
ninguém a meu ver tem questionado o âmago das contradições que atravessam os
memorandos que hoje regulam os resgates financeiros em curso. A TROIKA que
afinal deveria lidar com o tema do ajustamento acaba por ser sim uma TROIKA de
desajustamentos.
Na verdade, alguns dos elementos integrantes da mesma
(particularmente com origem na representação do FMI) têm-se esforçado por demonstrar
que os programas subjacentes aos três memorandos (Irlanda, Grécia e Portugal) são
diferenciados e ajustados às situações estruturais das três economias. Mas só
um ouvinte bondoso e ingénuo, ou então bastante distraído, engolirá esta
patranha.
A contradição fundamental dos memorandos assenta em duas
falhas:
- Primeiro, não tem em linha de conta que todas as economias sob resgate têm as suas situações, mesmo que diferenciadas, dependentes de um problema global, que é a crise global da zona euro, fortemente amplificada pela incompetência, indecisão, falta de solidariedade e de visão das suas principais lideranças políticas, mesmo as não eleitas (Comissão Europeia à cabeça);
- Segundo, está por demonstrar que os memorandos configurem ajustamentos diferenciados.
A primeira contradição está no centro da TROIKA dos
desajustamentos. A Comissão Europeia e o Banco Central Europeu não podem
descartar o problema e fugir entre a chuva. Todos os problemas diferenciados que
as três economias apresentam são amplificados pelo problema global e há matéria
para demonstrar que o adiamento de uma solução para esse problema global tem
agravado os problemas de raiz, que existem e que como é óbvio não podem ser
remetidos para a cobertura das causas externas. E a via através do qual o
impacto se produz é a do impacto que essa indeterminação provoca no agravamento
do panorama recessivo, transformando em votos pios o apelo à competitividade
externa e agravando o défice de arrecadação fiscal que toda a estratégia de
austeridade tende a provocar.
A segunda contradição resulta de uma má leitura
estrutural da situação que conduziu aos pedidos de resgate. No caso português, é
necessário compreender que há, de facto, um problema de endividamento, mas não
apenas um problema de endividamento. Ele existe, mas em cima de um problema
estrutural que não é combatível por um programa simplesmente ideológico e
doutrinário de liberalização, de privatização, de desregulação do mercado de
trabalho. É preciso combater, como tenho defendido aqui até à exaustão, o
conceito de reformas estruturais que subjaz aos memorandos e à pretensa leitura
estrutural sobretudo da CE e do BCE. As reformas estruturais aqui em jogo não
podem deixar de ser escrutinadas democrática e eleitoralmente. Até porque o
entusiasmo com que essas reformas têm sido recebidas pela sociedade civil em
regra institucionalmente ouvida está a arrefecer. Basta ver, por exemplo, a
impaciência com que uma CIP assiste ao mero anúncio dessas reformas, sem ver
nelas a raiz de uma solução.
O PS tem de ter um pronunciamento claro nestas questões,
até porque os governos Sócrates por mais de uma vez cederam ao encanto dessa música
celestial das reformas estruturais. As reformas estruturais têm que partir de
um debate sério dos problemas verdadeiramente estruturais do país, como por
exemplo: o impacto a médio e longo prazo do envelhecimento; a dependência do
financiamento empresarial do crédito bancário; a batalha das qualificações; a
consolidação da mudança do perfil de especialização da economia portuguesa; o
desemprego estrutural.
Qualquer ladainha sobre as reformas estruturais que não
seja precedida de um debate sério e democrático destas questões é pura banha
de cobra e vendedores da mesma na política é o que por mais aí há, mas já os
topamos à distância.
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