quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O “BUZZ” DO SNS




(Por ausência de uma informação oficial clara e rigorosa, de responsabilidade do Governo e da entidade reguladora, está a instalar-se um clima de denúncia avulsa e nem sempre isenta de oportunismo corporativo das anomalias de um SNS sob pressão, gerando um caldo intragável. Seria tempo de uma contra-informação, não do tipo agit pro, mas opondo ao circunstancialismo pontual, ou não, uma medida global do desempenho sob a referida pressão, que essa é inquestionável …)

Talvez mais por intuição do que por trabalho sobre indicadores objetivos, tenho para mim que a qualidade do Sistema Nacional de Saúde (SNS) é, em Portugal, mais que proporcional ao seu nível de desenvolvimento económico. Claro que tal como outros domínios de atividade no país, pública ou privada, podemos identificar extremos, do melhor que se faz entre pares por esse mundo fora até ao pior em termos de desumanidades e vulnerabilidades de certos grupos de população. Quem passa por um hospital de grande dimensão em Portugal com olhar atento ao que o rodeia rapidamente identifica esses extremos e essa dualidade. Mas o conjunto do SNS oferece, ou ofereceu até há bem pouco tempo, pelo menos até ao resgate de 2011, uma qualidade média que, em meu entender, está acima do nível de desenvolvimento económico do país.

Esta avaliação pode ser considerada controversa e até temerária quando se sucedem as denúncias pontuais, no sentido de aqui e ali, de situações totalmente dissonantes do juízo que acabo de formular. Mas sem querer ignorar essas evidências que nos fazem chegar em tempo de horário nobre, não confundo a qualidade do SNS com essas evidências que um jornalismo pouco rigoroso tende a transformar em estado das coisas. Para além disso, o SNS é atravessado por comportamentos corporativos e de classe profissional que me deixam, por vezes, abismado. Nos últimos tempos, perdi totalmente a confiança, por exemplo, em alguns sindicatos de enfermeiros e até a Ordem não escapa a esse juízo. Já tivemos exemplos de tomadas de posição reivindicativas que não hesitam em pintar de negro o que tem outra cor, não necessariamente risonha e esfusiante, penalizando doentes e provocando danos na confiança que o SNS deve merecer do cidadão médio.

Há por isso no ar, que o jornalismo populista e defensor da tese de que a austeridade afinal não desapareceu ajuda a disseminar, pontualmente cavalgado por alguma oposição em desespero de causa, um clima de “buzz”, de ruído, de diz que diz, de rumores, gerando a tal evidência impressiva e “fuzzy” que dá muito jeito a quem pretende fazer da parte o todo.

O ministro da Saúde tem vindo lenta mas paulatinamente a deixar-se adormecer por esse “buzz”, abdicando de produzir informação global credível para contrariar esse populismo impressivo. Não me parece inteligente subtrair ao cidadão, utente ou doente na categorização do Manuel Sobrinho Simões, a ideia de que o SNS está sob uma grande pressão e não estou a falar da gripe e dos surtos virais, sobretudo afetando a função respiratória, que entupiram urgências sensivelmente a meio do inverno. O cidadão comum não pode partir da ideia de que o SNS está distendido e sem stress. As alterações da organização social, nas cidades e no mundo rural, o envelhecimento progressivo com toda a bateria de patologias que o acompanha e o fenómeno do isolamento de uma massa significativa de população constituem uma bomba de relógio do ponto de vista da pressão a que o SNS vai ser submetido. Para além disso, os bens (produtos de saúde) continuam a revelar um comportamento dos seus preços relativos em alta relativamente ao preço médio do PIB que constituirá uma nova forma de pressão sobre o SNS. É sabido que Portugal tem uma cultura de saúde que empola a procura e o consumo de meios auxiliares de diagnóstico. Os hospitais privados estão a agravar essa tendência, no âmbito da população, designadamente ADSE, que conseguem atrair para o seu raio de ação. Não tenho a certeza que toda a formação médica esteja a ser concebida e ministrada com a preocupação de desincentivar esse comportamento aditivo da população portuguesa relativamente a meios auxiliares de diagnóstico.

Sempre que frequento um hospital privado para consultar o meu médico de família que, reformado do sistema público e da Faculdade de Medicina, prolongou felizmente a sua atividade numa instituição privada, interrogo-me se a “minha” procura está ou não a penalizar o SNS. Ainda hoje, numa tarde de chuva implacável, recorri a esses serviços com a maior da comodidade, estacionamento gratuito e preço irrisório ADSE do ato médico. O ambiente é agradável, aparentemente sem pressão, o tempo de realização de toda a tarefa é extremamente reduzido. Claro que se estivesse perante uma maleita de urgência mais complicada provavelmente iria bater à porta de uma urgência hospitalar. E questiono-me: a minha ida à consulta regular liberta pressão escusada no sistema público ou por essa via estou a contribuir para a destruição da universalidade do SNS, que é aliás discutível que ainda exista na prática?

Um SNS sob pressão daquela que se abate sobre o sistema português  gera profissionais excecionais, cujas competências são geradas num contexto de trabalho irrepetível em qualquer sistema simulado. Mas também gera vulnerabilidades por vezes letais.

Conviria que os portugueses se convencessem que as escolhas públicas são incontornáveis, por muito que os aprendizes de feiticeiros de alguma política se esforcem para sugerir o contrário. Para mantermos o SNS que temos, com a qualidade média que apresenta, há opções em outros domínios que não o da saúde que não podem deixar de cair. Gostaria que o ministro da Saúde fosse mais claro e direto. Sou o primeiro a desvalorizar o “buzz” que nos impingem diariamente. Mas é fatal ignorar a pressão e não comunicá-la com rigor.

Nota final: e onde anda a entidade reguladora?

O CRESCIMENTO EM SEU DEVIDO CONTEXTO

(a partir de https://www.ft.com)

Um gráfico do “Financial Times” que, não trazendo muito de especialmente novo, fornece uma perspetiva de conjunto bastante eloquente sobre o que foram estes últimos dez anos de crescimento económico acumulado (desde finais de 2007 até à atualidade) nos 32 países que integram a OCDE. Uma evidência empírica que, entre muitas outras – a campeã Turquia, a medalha de prata irlandesa a despeito de uma forte crise pelo meio, os crescimentos de convergência do leste europeu (Polónia à cabeça, mas também Eslováquia, República Checa e Hungria), os Estados Unidos bastante distanciados da União Europeia e do quase estagnado Japão, as desgraças da Itália e da Finlândia ou a tragédia grega –, serve também para moderar e contextualizar o otimismo de alguns que, entre nós, teimam em confundir a relativa proeza da presente fase de crescimento português (ainda insuficiente para que se tenham reposto os níveis pré-crise!) com uma hipotética ultrapassagem dos enormes problemas estruturais que por cá continuam a imperar e nos continuam a emperrar...

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

A INCOMPREENSÍVEL DIVERSÃO DO PSD




(A diversidade de erros mútuos em curso na gestão política do PSD, com foco no seu inenarrável grupo parlamentar, é algo de incompreensível numa força política que pretende ser poder e ganhar a confiança do eleitorado. Se for capaz de gerir e conter as derivas do vendedor antecipado que por vezes intrinsecamente o atravessa, o PS pode bem agradecer aos deuses da política, acaso eles existam …)

Sempre tive a certeza de que um grupo parlamentar que se agarra desesperadamente por longo tempo à tese do diabo que vem aí e conhecendo as peças que o suporte de Passos Coelho alberga iria fazer suar as estopinhas a uma alma do Norte, com pretensões a colocar em ordem o partido, como Rio se apresenta. E ainda com mais convicção fiquei quando os ditos cujos renunciaram às primárias, acolhendo-se na personagem “Maria vai com as outras” em que Pedro Santana Lopes (PSL) tem vindo a transformar-se, como forma de resiliência não muito recomendável. Por isso, não sei se por ingenuidade ou por maquiavelismo à moda do Porto, quando Rio decidiu envolver fraternalmente os apoiantes de PSL numa lista única para o Conselho Nacional, nem por sombras fui na cantiga que isso iria pacificar as hostes. Primeiro, há a velha matéria da matriz das regionais no PSD que têm muita força e que amigos, amigos, negócios à parte, procuraram fazer reservas de posição, vá lá o diabo (não o outro) tecê-las. Depois, imaginar que as hostes que suportaram Passos e os seus arremedos de estadista (o emblema na lapela faz parte desta minha interpretação) e permanecem sentadinhos (daqui ninguém me tira) no grupo parlamentar se entregariam docilmente ao clima de paz e harmonia era pura ilusão. Ou seja, isso equivaleria a não conhecer as peças e que peças. Basta mergulharmos com atenção em dois anos de vida parlamentar e de papagaiada em tudo que é comunicação social pronta a acolher os putativos liberais para compreender de que ambição destrutiva esta gente é capaz. Nesse vasto movimento que foi resistindo como pôde à agilização inesperada da geringonça, existe um ADN que não desdenharia partir os pratos no grupo parlamentar e deixando o pobre e honesto Negrão numa posição de profunda (veremos se irreversível) fragilidade. Não há nesse grupo uma personalidade relevante que seja que se afirme como alguém com pensamento reconhecido na sociedade e por isso o aprendiz de estadista Passos aparece com a auréola que lhe pintaram. Basta também ler algumas crónicas no Observador para compreender o profundo desespero por Passos ter saído de cena. E vejam, por exemplo, esta pequena maravilha de um dos cronistas dessa orientação (João Marques de Almeida): “Agora que Passos Coelho abandonou a liderança do PSD, gostaria de salientar a sua capacidade para captar figuras com talento e carreiras brilhantes fora do nosso país. Entre essas pessoas, apontaria Vítor Gaspar, cujo valor foi reconhecido em Frankfurt, em Bruxelas e agora no FMI; Miguel Poiares Maduro, com uma carreira académica brilhante na Europa e nos Estados Unidos tal como no Tribunal de Justiça Europeu; Carlos Moedas, cujo desempenho na Comissão Europeia tem sido elogiado por todos em Bruxelas e noutros países europeus; e Álvaro Santos Pereira, com uma posição de destaque na OCDE. Nenhum deles precisa da política para ter sucesso e, como se tem visto, o seu valor é muito bem reconhecido fora do nosso país”. Não sei se o JMA perguntou alguma vez a tão ilustres personalidades se seguiriam a mesma estrada. Talvez tivesse algumas surpresas.

Por vezes, dou comigo a matutar e a pensar em algumas almas penadas que apareceram nas manifestaçõezinhas de Lisboa e Porto para protestar pelo facto do partido mais votado (o de Passos) não poder afinal governar pelo simples jogo político parlamentar. Onde estarão hoje essas almas penadas? Serão elas o suporte da guerrilha suicida instalada no grupo parlamentar? Estarão os guerrilheiros a pensar manter-se ativos até devolver às terras do Norte o pretensamente reorganizador Rio?

Dou também comigo a matutar que a política tem destas coisas. Não imaginaria poder alimentar alguma empatia por um candidato como Rui Rio, que não corresponde de facto ao meu sentido de modernidade. Mas, face à rapaziada que vai alimentando essa guerrilha e se vai agarrando pour cause a um lugar parlamentar, apetece-me dizer Rio vai-te a eles. O que me sugere que algum eleitorado possa estar a pensar o mesmo. É verdade que a agenda de Rio não é aliciante e a sua aprendizagem para lidar com os amigos da corte, sim mais do que tudo são amigos da corte, vai ser longa e dura. Mas, se pelo menos em matéria de descentralização, Rio conseguir que o equilibrado pacote de descentralização do PS se liberte das incompreensíveis medidas, avulsamente anunciadas, de eleições diretas para as presidências das Áreas Metropolitanas e de eleições dos Presidentes das CCDR a partir de um colégio eleitoral de autarcas, serei o primeiro a felicitá-lo. Já no que respeita ao tema dos Fundos Estruturais e PT2030, o ex-secretário de Estado de Maduro Castro Almeida, face à génese do PT2020 e à sua atribulada negociação não me inspira grandes otimismos.

O PS tem aqui um desafio enorme, mas seguramente retribuidor, de gestão política equilibrada.