(Em tempos em que a economia como ciência e os modelos que
a constroem são questionados face ao seu poder explicativo da realidade em
transformação, o formalismo matemático não é necessariamente a carta de
alforria que a economia precisa para enfrentar os rigores da ciência.
A intuição de Paul Romer faz o seu caminho e outros economistas seguem-lhe as
pisadas.
O rigor matemático dos
modelos económicos como linguagem de expressão de um pensamento supostamente
rigoroso ainda representa um poderoso instrumento de afirmação e validação
entre pares. Há quem implicitamente divida os economistas entre eleitos e membros
de um clube de terceira categoria, reservando a classificação dos primeiros
para os que esgrimem e formalizam o seu pensamento em termos matemáticos. O
restante grupo representaria a ralé dos que se deixam contaminar pela deturpação
política. Esta divisão tem muita força e não será rapidamente banida dos mecanismos
de reprodução do conhecimento, através de uma coisa que não é senão o controlo
do poder que a orientação de teses de doutoramento e o acesso à publicação em
revistas de ranking top permitem, frequentemente sem qualquer contra-escrutínio.
Nos últimos tempos, houve
quem, sem renunciar ao rigor matemático, questionasse a utilização abusiva da
matemática como veículo de validação. Já não estou a referir-me aos inúmeros
casos de matemáticos sem a mínima sensibilidade ao fenómeno económico, que
escrevem para uma minoria que pode entender tal apuro de formalização. Quanto a
estes casos, ou a deriva se chama isolamento ou quando esses pseudo-economistas
têm de falar em público a contradição está no facto de terem de utilizar palavras
e não símbolos ou fórmulas para se fazer entender.
Este blogue foi o
primeiro a divulgar em Portugal o conceito de “mathiness” convocado por Paul Romer para zurzir nos que utilizando
símbolos, fórmulas e modelos matemáticos, de maior ou menor formalização, são
pouco rigorosos em escolher as palavras certas e rigorosas para argumentar com
tais símbolos, fórmulas ou modelos. Não foi por acaso que tenha sido um
economista que já há algum tempo desistiu de uma carreira académica pura e dura
a trazer para o debate crítica tão virulenta da pretensa validação matemática.
Timothy Taylor, editor
do incontornável Journal of Economic Perspetives e autor do blogue Conversable Economist, recupera a audácia
de Romer comparando desenvolvimentos do seu argumento com uma convocação
surpreendente do velho Alfred Marshall (link aqui)
Tim Taylor recupera o
argumento original de Romer:
“O estilo a que chamo mathiness permite
que a política académica se mascare de ciência. Tal como a teoria matemática, a
mathiness usa uma mistura de palavras e de símbolos, mas em vez de
estabelecer relações rigorosas, deixa um amplo espaço para derrapagem entre afirmações
em termos de linguagem natural e formal e entre afirmações com conteúdo teórico
e empírico. (...) A mathiness pode representar um dano permanente porque é extremamente custoso distinguir
a mathiness da teoria matemática”.
Depois, Tim Taylor
recupera as quatro regras enunciadas por Romer para uma boa distinção do trigo
do joio:
“
1. O teste
consiste em discernir se a matemática nos aproxima ou nos afasta da clareza e
da precisão. Um escritor pode utilizar seja as palavras da linguagem diária ou
os símbolos da matemática para produzir afirmações que sejam claras e precisas;
ou opacas e vagas.
2. O problema
mais profundo é a intenção, não a capacidade ou a competência.
3. Os escritores
que desejam fazer previsões usam as palavras e a matemática para serem claros e
precisos. Os escritores que querem lançar desculpas usam as palavras e a matemática
para serem opacos e vagos.
4. Comparada com
as palavras a linguagem matemática e de código tende a ser mais tanto mais
precisa como mais opaca.”
Finalmente, a citação de
Marshall é uma delícia, que só um grande economista, à moda antiga, poderia
proporcionar:
“Mas eu sei que tive um sentimento crescente nos meus últimos anos de
trabalho sobre este assunto que um bom teorema matemático a tratar de hipóteses
económicas só muito dificilmente será boa economia; e fui cada vez mais encaminhado
para regras: (1) Utilize a matemática como uma linguagem abreviada; mais do que
como um motor de pesquisa, (2) Mantenha-se fiel até ter concluído o seu
trabalho. (3) Traduza para inglês. (4) Depois ilustre com exemplos que sejam
importantes na vida real. (5) Deite fogo à matemática. Se não for capaz de concretizar
a regra 4. queime a regra 3. Foi o que muitas vezes fiz.”
A beleza profunda da
simplicidade demolidora. Romer e Marshall, quem diria, alinhados na mesma onda de
rigor e honestidade intelectual.
Estou em crer que a mais
recente tentativa de dar sentido económico à política de descida de impostos de
Donald Trump materializada na posição conjunta de um conjunto de
economistas-estrela de inspiração republicana não resiste a estas regras
simples, na formulação de Romer ou de Marshall.
Sem comentários:
Enviar um comentário