(Dani Rodrik tem sido dos economistas com maior
investimento de análise sobre o populismo económico. Mas, tal como acontece
para o populismo em geral, o tema continua, apesar dos esforços de Rodrik,
envolto numa grande nebulosidade. Paredes meias com este nevoeiro,
existe uma forte proximidade do tema com a crítica dos rumos da globalização tal
como hoje ela se perfila. Daí provavelmente a confusão ainda persistente.
Nos últimos tempos temos
sido bombardeados com referências que bastem à disseminação de correntes e pensamentos
populistas. Mesmo no plano interno, ainda recentemente no caldinho em que Rui
Rio mergulhou, o político nortenho foi acusado de contradição no seu pensamento
putativamente anti-populista pelo facto de ter trazido para uma das vice-presidências
do PSD, uma populista, a advogada Elina Fraga. Claro que ninguém se preocupou
em analisar se Rio tem alguma noção do populismo para poder ser considerado um
seu adversário e também poucas linhas se escreveram sobre a fundamentação da
acusação de que Elina Fraga é e sempre foi uma populista. No plano
internacional, a densidade de confusão é mais elevada. Trump e Bernie Sanders são
ambos considerados como veiculando um discurso populista. Le Pen em França, o
movimento 5 Estrelas em Itália, o PODEMOS em Espanha costumam também ser
encapsulados na designação.
Deve-se essencialmente a
Dani Rodrik a segmentação do termo, projetando-o na dimensão económica. O
populismo económico aparece cunhado pelo economista americano em termos fortemente
ancorados na crítica da globalização. Estaríamos assim perante a ação política
destinada a dar voz aos perdedores da globalização, trabalhadores mais velhos e
menos qualificados e territórios/comunidades em que vivem, os quais consideram
que os seus governos estão reféns das elites empresariais e financeiras que
mais têm beneficiado com a globalização. Numa coluna de opinião recente no New
York Times (link aqui), Rodrik mobiliza o seu paper
mais recente no NBER (link aqui)e compara o populismo económico de hoje com o de Franklin
D. Roosevelt, com a sua intervenção unilateral de combate à Grande Depressão.
Sem se tratar de uma
mera questão de semântica, a tese de Rodrik segundo a qual Roosevelt e Trump
estariam do mesmo lado do populismo económico inspira algumas reservas,
sobretudo porque o populismo económico de Trump aparece integrado num programa
de ação política de teor marcadamente fascizante. Para além disso, Rodrik
avança com outra categorização do populismo económico, o bom e honesto
populismo contra o mau populismo. Se bem entendi, o mau populismo é aquele que bloqueia
e não reforma os rumos da globalização. O bom e honesto populismo seria aquele
que procura rebalancear os rumos da globalização, impedindo a deriva dela se
projetar num desequilíbrio irremediável a favor do capital e, claro está, sem “danificar
irreversivelmente as normas democráticas fundamentais da tolerância e do
respeito pela cidadania de todos os grupos sociais”.
No que eu considero ser
uma boa e sucinta problematização do populismo, Jan-Werner Müller escreve em O
que é o Populismo (Texto, 2017) o seguinte:
“ (…) Não temos pura e simplesmente nda que se assemelhe a
uma teoria do populismo e parecemos carecer de critérios coerentes pra decidir
quando os atores políticos se tornam populistas em qualquer sentido que tenha
significado. Assim como assim, todos os políticos – em especial nas democracias
movidas pelas sondagens – querem apelar ao “povo”, todos querem contar uma história
que possa ser compreendida pelo maior número possível de cidadãos, todos querem
ser sensíveis ao que pensam e, em particular, sentem as “pessoas comuns”. Poderá
a acusação de “populismo” ser em si própria “populista”? Ou poderá o “populismo”
ser, no fim de contas, “a voz autêntica da democracia”, como Christopher Lasch
defendia?”
Se é verdade que o
populismo económico, bom ou mau não importa para o caso, respeita um dos critérios
que costumamos associar ao populismo, a crítica das elites como uma espécie de condição
necessária embora não suficiente, tenho dificuldade em encaixar as teses de
Rodrik, pelo menos no que ele designa de bom e honesto populismo. É que
corrigir por via redistributiva os efeitos penalizadores da globalização sobre
determinados grupos sociais, designadamente de trabalhadores, não me parece de
todo uma versão do populismo económico. Já quando a pretexto dessa correção se
bloqueia a extroversão de um país e se geram práticas “madurescas”, sem
informar o povo que o fecho puro e duro da globalização tenderá a gerar efeitos
bem mais perniciosos do que a sua correção inteligente, ai estaremos perante
uma forma declarada de populismo.
O problema é que a ligação
causal que alguns pretendem estabelecer entre as incidências da globalização e
do declínio do emprego na indústria transformadora nem sempre assenta em bases
sólidas ou, pelo menos, assenta num contributo de causalidade que pode não ser o
determinante. O progresso tecnológico, as práticas de algumas sociedades e a própria
politica económica podem ter um contributo bem mais sério do que a globalização
em si.
Em resumo, embora se
compreenda que Rodrik queira puxar o populismo económico para os lados da
globalização e da sua reforma, ou não seja ele o economista de referência desse
combate, ao fazê-lo parece-me que está a simplificar abusivamente algo que a própria
ciência política ainda não compreende na perfeição. E por isso continuaremos
nos tempos mais próximos a ter de conviver com utilizações abusivas do termo.
Mas afinal Rio é
antipopulista? E Elina Fraga é uma perigosa populista à solta?
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