sábado, 24 de fevereiro de 2018

MAS AFINAL O QUE É O POPULISMO ECONÓMICO?




(Dani Rodrik tem sido dos economistas com maior investimento de análise sobre o populismo económico. Mas, tal como acontece para o populismo em geral, o tema continua, apesar dos esforços de Rodrik, envolto numa grande nebulosidade. Paredes meias com este nevoeiro, existe uma forte proximidade do tema com a crítica dos rumos da globalização tal como hoje ela se perfila. Daí provavelmente a confusão ainda persistente.

Nos últimos tempos temos sido bombardeados com referências que bastem à disseminação de correntes e pensamentos populistas. Mesmo no plano interno, ainda recentemente no caldinho em que Rui Rio mergulhou, o político nortenho foi acusado de contradição no seu pensamento putativamente anti-populista pelo facto de ter trazido para uma das vice-presidências do PSD, uma populista, a advogada Elina Fraga. Claro que ninguém se preocupou em analisar se Rio tem alguma noção do populismo para poder ser considerado um seu adversário e também poucas linhas se escreveram sobre a fundamentação da acusação de que Elina Fraga é e sempre foi uma populista. No plano internacional, a densidade de confusão é mais elevada. Trump e Bernie Sanders são ambos considerados como veiculando um discurso populista. Le Pen em França, o movimento 5 Estrelas em Itália, o PODEMOS em Espanha costumam também ser encapsulados na designação.

Deve-se essencialmente a Dani Rodrik a segmentação do termo, projetando-o na dimensão económica. O populismo económico aparece cunhado pelo economista americano em termos fortemente ancorados na crítica da globalização. Estaríamos assim perante a ação política destinada a dar voz aos perdedores da globalização, trabalhadores mais velhos e menos qualificados e territórios/comunidades em que vivem, os quais consideram que os seus governos estão reféns das elites empresariais e financeiras que mais têm beneficiado com a globalização. Numa coluna de opinião recente no New York Times (link aqui), Rodrik mobiliza o seu paper mais recente no NBER (link aqui)e compara o populismo económico de hoje com o de Franklin D. Roosevelt, com a sua intervenção unilateral de combate à Grande Depressão.

Sem se tratar de uma mera questão de semântica, a tese de Rodrik segundo a qual Roosevelt e Trump estariam do mesmo lado do populismo económico inspira algumas reservas, sobretudo porque o populismo económico de Trump aparece integrado num programa de ação política de teor marcadamente fascizante. Para além disso, Rodrik avança com outra categorização do populismo económico, o bom e honesto populismo contra o mau populismo. Se bem entendi, o mau populismo é aquele que bloqueia e não reforma os rumos da globalização. O bom e honesto populismo seria aquele que procura rebalancear os rumos da globalização, impedindo a deriva dela se projetar num desequilíbrio irremediável a favor do capital e, claro está, sem “danificar irreversivelmente as normas democráticas fundamentais da tolerância e do respeito pela cidadania de todos os grupos sociais”.

No que eu considero ser uma boa e sucinta problematização do populismo, Jan-Werner Müller escreve em O que é o Populismo (Texto, 2017) o seguinte:

(…) Não temos pura e simplesmente nda que se assemelhe a uma teoria do populismo e parecemos carecer de critérios coerentes pra decidir quando os atores políticos se tornam populistas em qualquer sentido que tenha significado. Assim como assim, todos os políticos – em especial nas democracias movidas pelas sondagens – querem apelar ao “povo”, todos querem contar uma história que possa ser compreendida pelo maior número possível de cidadãos, todos querem ser sensíveis ao que pensam e, em particular, sentem as “pessoas comuns”. Poderá a acusação de “populismo” ser em si própria “populista”? Ou poderá o “populismo” ser, no fim de contas, “a voz autêntica da democracia”, como Christopher Lasch defendia?”

Se é verdade que o populismo económico, bom ou mau não importa para o caso, respeita um dos critérios que costumamos associar ao populismo, a crítica das elites como uma espécie de condição necessária embora não suficiente, tenho dificuldade em encaixar as teses de Rodrik, pelo menos no que ele designa de bom e honesto populismo. É que corrigir por via redistributiva os efeitos penalizadores da globalização sobre determinados grupos sociais, designadamente de trabalhadores, não me parece de todo uma versão do populismo económico. Já quando a pretexto dessa correção se bloqueia a extroversão de um país e se geram práticas “madurescas”, sem informar o povo que o fecho puro e duro da globalização tenderá a gerar efeitos bem mais perniciosos do que a sua correção inteligente, ai estaremos perante uma forma declarada de populismo.

O problema é que a ligação causal que alguns pretendem estabelecer entre as incidências da globalização e do declínio do emprego na indústria transformadora nem sempre assenta em bases sólidas ou, pelo menos, assenta num contributo de causalidade que pode não ser o determinante. O progresso tecnológico, as práticas de algumas sociedades e a própria politica económica podem ter um contributo bem mais sério do que a globalização em si.

Em resumo, embora se compreenda que Rodrik queira puxar o populismo económico para os lados da globalização e da sua reforma, ou não seja ele o economista de referência desse combate, ao fazê-lo parece-me que está a simplificar abusivamente algo que a própria ciência política ainda não compreende na perfeição. E por isso continuaremos nos tempos mais próximos a ter de conviver com utilizações abusivas do termo.

Mas afinal Rio é antipopulista? E Elina Fraga é uma perigosa populista à solta?

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