(Há uma paleta de interpretações para todos os gostos acerca
do acordo de governação entre Merkel (CDU), a CSU e o SPD de Schultz, que
requer ratificação por parte das bases do SPD.)
Mais do que quatro meses foram necessários para se conseguir um acordo de governo
na Alemanha, isto no pressuposto de que, com maior ou menor resistência e crítica,
as bases do SPD acabarão por validar o alcançado em duras e complexas negociações.
Se é verdade que Schultz jogou forte para fazer apagar a imagem sombria da última
coligação, cujo retorno eleitoral para o SPD foi precário, também não é menos
verdade que a ameaça da extrema-direita alemã, hoje representada no Parlamento,
e futura protagonista da oposição ao presumível governo, pairou sobre toda a
negociação, impondo resultados de concretização.
Não tive ainda acesso ao texto de muitas páginas que enquadra o acordo. Dos
últimos elementos tornados públicos em termos de posicionamento das três forças
políticas (tendo em conta que CDU e CSU podem ser considerados forças políticas
com diferente ideário e sobretudo diferente incidência territorial) resultam
algumas ideias que, apesar de escassas, chegam para suscitar uma paleta diversificada
de interpretações (ver aqui um breve resumo do Financial Times).
Do ponto de vista das futuras responsabilidades ministeriais, a “conquista”
pelo SPD das Finanças e da diplomacia externa (que o próprio Schultz assumirá
abandonando a liderança do SPD) pode ser lida como uma grande conquista. Mas
também pode ser interpretada como uma habilidade negocial de Merkel, amarrando os
dois ministérios a acordos bem definidos, forçando o SPD a comprometer-se com áreas
mais críticas e cortando cerce a sua margem de manobra de recuo caso as coisas possam
correr mal. É que o futuro ministro das Finanças, embora possa trazer para a
política europeia um estilo bem diferente do de Schäuble, continua amarrado a uma
lógica de orçamento equilibrado e não expansionista. O método utilizado é
aplicar o excedente orçamental em programas sociais, mas mantendo o compromisso
do equilíbrio orçamental.
Há também quem veja na negociação o canto do cisne (da pata) de uma Merkel
em fim de ciclo político. O chiste de que “vá lá a CDU conseguiu manter a
chancelaria” é elucidativo do ambiente suscitado pela longa negociação. E a bávara
CSU, para além do ministério dos Transportes que continua a liderar, foi
presenteada com um ministério do Interior alargado, a partir do qual poderá
controlar a supervisão da imigração. Schultz comprometeu-se com metas mais apertadas
de abertura à imigração, contrapartida necessária para o avanço das suas próprias
propostas.
Reina entretanto entre os observadores algum otimismo quanto ao que a nova
coligação pode significar em matéria de participação no processo de conserto
das instituições europeias. Mas Schultz conseguiu colocar na letra do acordo a
questão do Fundo Monetário Europeu. Continuo a pensar que a articulação entre a
França de Macron e a Alemanha da nova coligação estará mais interrogada e não sabemos
de que modo essa eventual aproximação contribuirá para um reposicionamento dos
restantes países. Pelo menos, uma maior atenção a algumas experimentações e
derivas salientes por terras do Visogrado (Eslováquia, Hungria e Polónia) será
necessária.
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