terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

MONOPÓLIOS E DESIGUALDADE (Um pouco técnico)




(As réplicas positivas dos trabalhos de Piketty e colegas têm sido imensas para benefício da economia estrutural. Gaudi Eggertsson e mais dois colegas brindam-nos com um artigo excelente no Equitable Growth (Kaldor and Piketty’s facts: The rise of monopoly power in the United States), contributo fundamental para construirmos os factos estilizados do crescimento económico dos tempos de hoje e ensaiar a sua explicação… )

Como tenho vindo em sucessivos posts a documentar, entre outras segmentações a economia divide-se em dois grandes grupos: os que a trabalham essencialmente a partir da formalização, mais ou menos abstrata e com base em famílias de pressupostos mais ou menos afastados da realidade; os que submetem os desenvolvimentos teóricos à necessidade de explicar (ou pelo menos estar em conformidade com) evidências marcantes, regra geral simplificadas sob a modalidade de factos estilizados. Como é compreensível, os factos estilizados tendem a variar no tempo longo em função das épocas.

Não sou dos que rejeitam liminarmente o primeiro daqueles dois grupos. Mas sou sensível à necessidade de avaliar se o rigor matemático-formal é ou não uma forma encapotada de subverter a realidade (fizemos aqui eco da cruzada de Paul Romer contra a mathiness, uso trapaceiro da matemática na economia. Estou por isso mais próximo do segundo grupo ou segmento. Embora penalizada ou menorizada pela sua dificuldade de reconstruir a realidade que quer explicar, sou dos que penso que a economia não pode furtar-se a explicar evidências. Admito que por vezes “explicar” é termo demasiado ambicioso para tentativas de demonstração de que um determinado modelo produz pelo menos resultados em conformidade com tais evidências.

Explicitado o contexto, não pode passar em claro que vivemos tempos de mudança de factos estilizados. Primeiro, toda a economia do conhecimento e a relevância das atividades de I&D trouxeram novos factos estilizados às economias avançadas. Segundo, em tempos como os nossos de aumento dos níveis de concentração da economia, da sua monopolização e do aumento da desigualdade, há evidências novas, factos estilizados do tempo de hoje, que a ciência (menorizada por alguns) económica não pode ignorar.

Com os trabalhos de Piketty e de toda a equipa transatlântica, um novo facto estilizado emergiu, acompanhado de uma espécie de puzzle para decifrar. O rácio “Riqueza/Rendimento” aumentou em 35 anos (de 1970 a 2015) em praticamente todas as economias avançadas. Nos EUA, esse valor passou de 250% em 1970 a 400% em 2015. E o puzzle? O aumento do rácio “Riqueza/rendimento” concretizou-se num período em que a taxa de poupança diminuiu sistematicamente. Assim, se a riqueza aumentou mais que proporcionalmente ao rendimento, isso não se deveu à variável poupança. Deveu-se então a quê? Deveu-se ao sistemático aumento do valor de mercado de ativos financeiros que garantem o acesso a lucros puros (de monopólio) e ao valor especulativo de mercado do capital habitacional.

Uma outra evidência que entretanto emergiu foi o sistemático aumento do chamado Q de Tobin. Trata-se de um indicador que mede o valor de mercado das sociedades relativamente ao custo de substituição do seu stock de capital. E, apesar deste aumento, que justificaria maior investimento, a evidência que temos é que o peso do investimento no PIB tem vindo a baixar. O puzzle complica-se. Mas uma coisa é clara: a riqueza financeira e o capital produtivo passam a revelar comportamentos diferenciados. É da primeira e não da acumulação do segundo que resulta o aumento do rácio “Riqueza/Rendimento”, com descida da taxa de poupança.

Qual é o alcance do modelo que justifica este post (link aqui)?

O seu maior alcance é o argumento de que os novos factos estilizados das economias avançadas explicam-se com a combinação de dois tipos de fatores: por um lado, o aumento da concentração nas economias, a sua monopolização e o aparecimento de lucros puros (de monopólio); por outro lado, a descida da taxa real (natural ou de equilíbrio) de juro. Adeus mundo da concorrência perfeita. Lugar ao universo dos monopólios, da concentração, dos ativos de risco que dão acesso a lucros puros. Em conformidade, diga-se, com o aumento da desigualdade. Afinal, não são os detentores de lucros puros aqueles que pertencem ao topo do 1% ou 0,1% mais rico?

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