sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

MARLI RENFRO



Até hoje, momento em que comprei o Le Monde no aeroporto, o nome de Marli Renfro era-me totalmente desconhecido, embora o tema sempre me tivesse seduzido e a recente revisita do filme sobre Hitchcock o tivesse reavivado.
O tema circunscreve-se a tudo que rodeou e ainda hoje rodeia as filmagens do PSICO e a eterna cena do chuveiro com Janet Leigh. Ora Marli Renfro é nada mais nada menos do que a dupla de Janet Leigh que esta exigiu para fazer a cena do nu que passa praticamente despercebida tal é a tensão que Hitchcock consegue imprimir à referida cena, aliás uma das mais coscuvilhadas pela instituição americana “defensora da moral e dos bons costumes” da contraditória sociedade americana.
Tudo ficaria por aqui se o tema que leva o assunto ao suplememento LIVRES do Le Monde de hoje não fosse a publicação da versão francesa de um livro que também desconhecia e que, a partir de agora, vou ter dificuldade em não ler compulsivamente e o mais rapidamente possível: The Girl in Alfred Hitchcock’s shower de Robert Graysmith.
Graysmith, estudante de arte em Berkeley, ter-se-á apaixonado pela figura de Marli, que representaria para o jornalista a beleza ideal. De facto, a imagem que abre o post, com os seios em forma de pero, representa uma espécie de beleza naturista, que terá estado na base do seu fugaz aparecimento no primeiro filme de Francis Ford Coppola, Tonight for Sure, de 1962, que a reportagem do Le monde considera uma espécie de opus naturista. O mundo é pequeno e há histórias do arco da velha.
E, como não podia deixar de ser, o espírito de Hitchcock não está também ausente. Não é que, em 2001, Graysmith tem conhecimento que Marli foi assassinada em condições muito similares às da cena do chuveiro? Não estão a pressentir aquilo sorriso meio cínico, meio estranho, com que Hitchcock acabava as séries de tão boa memória na televisão?

MINISTROS E RETÓRICA



Um avião demasiado cedo ao princípio da tarde para o Porto não permitiu que acompanhasse toda a sessão matinal da conferência sobre os efeitos da crise e das políticas de austeridade sobre o modelo social europeu.
Mas deu para acompanhar as intervenções políticas de ministros e secretários de Estado, onde estiveram representados a Bélgica, a Croácia, o Luxemburgo, a Espanha, a Grécia, a Lituânia e Malta. Ou seja, de peixe graúdo só a Espanha e com representação de secretária de Estado. Quanto aos países que podem inverter o ataque ao modelo social europeu nem vê-los e se calhar não será por acaso.
Em minha opinião, com exceção da intervenção do Luxemburgo, o que resulta de todas as intervenções é uma imensa retórica, que frustra e irrita a mais calma das almas. Ninguém se atreve a defender o desmantelamento, mas grande parte das intervenções estão muito para além da busca de padrões de sustentabilidade e eficiência, são atitudes ideológicas que são assumidas um pouco à socapa, pois em encontros desta natureza ninguém tem a coragem de assumir o que estão a concretizar. A intervenção do ministro do Luxemburgo é vigorosa e contrasta em termos de defesa do projeto europeu como um projeto de valores que deve continuar a ser uma referência para países à procura de um modelo social. A retórica política mais evidente forneceu-a a Espanha. Depois de ouvir a senhora, um observador desprevenido julgaria que o desemprego estaria em torno do desemprego natural e que em termos sociais a Espanha deveria ser um paraíso.
Como imagem final não é por acaso que com exceção da Espanha todos os países presentes são pequenas forças entre os outros colossos europeus.
Não fiquei nada convencido que o modelo social europeu esteja defendido e nem sequer que haja espaço para uma revisão aberta com defesa dos seus valores de origem.

O “DEBATE” DO MÊS (II)

(Luís Afonso, http://www.sabado.pt)

Não, caro leitor, não está de todo enganado. De facto, a ideia subjacente a este post, assim como a ilustração que a acompanha, são-lhe mesmo familiares e isso pura e simplesmente porque são as mesmas do final do mês passado. A razão é de uma evidência cristalina: é que neste país que é o nosso reina o primado da inovação – senão vejamos os imaginativos termos da reflexão dominante: saída limpa ou saída suja, saída à irlandesa ou saída cautelosa, saída com programa cautelar duro ou saída com programa cautelar ligeiro, ufff!...

E AGORA, COMO VAI SER?


Dias atrás, o “Diário Económico” tinha em primeira página a notícia acima, a qual remetia para uma explicação mais circunstanciada na terceira página. Onde se lia que o maior acionista da EDP – os chineses da “China Three Gorges” – procura apoio de outros acionistas para reduzir elementos do órgão presidido por Eduardo Catroga – o Conselho Geral e de Supervisão (CGS) – e defende mudança do modelo de governance para incluir chineses na gestão. Note-se de passagem que um aspeto facilitador da eventual concretização da dita redução está em os estatutos apenas estipularem um número mínimo de nove elementos no CGS, embora com obrigatória maioria de elementos independentes.

As razões subjacentes seriam as óbvias: reduzir custos com os órgãos sociais, por um lado, e aumentar a sua influência executiva, por outro. Mas há também por aí quem afirme que aquela vontade de redução do número de membros do CGS a partir de 2015 resulta de uma fina análise custo-benefício realizada pelos chineses, da qual terão concluído por uma muito mais limitada necessidade de exercício de lóbi político do que aquela que lhes teria sido vendida como necessária (os portugueses são dóceis e os corredores acessíveis) e, simultaneamente, por terem sido escassos o envolvimento ou a participação ou a influência de muitos conselheiros que haviam sido conduzidos a convidar imediatamente após a privatização.

Conhecida a atual composição do CGS (ver esquema abaixo) e a presença no seu seio de tantos experimentados gestores e especialistas em matérias energéticas (com um especial e merecido destaque para figurões do calibre de Braga de Macedo e Celeste Cardona, embora sem qualquer menosprezo para com alguns outros parceiros encartados), adivinha-se cerrada a disputa pela permanência em tão honorífico lugar…

GENTE QUE (NÃO) SE ENXERGA


O deputado Miguel Frasquilho passa boa parte do seu tempo a correr de estúdio para estúdio, de câmara para câmara, de foco para foco, mas o episódio que protagonizou ontem – primeiro falando à comunicação social em nome do PSD numa preferência que manifestara aos troikos por uma saída com cautelar e pouco depois vindo corrigir essas declarações notoriamente a mando e com o rabo entre as pernas – veio mostrar quão tristemente recomendável é a verticalidade de caráter que tem para exibir. Já me tinha apercebido que a criatura dança conforme a música – foi vê-lo no “Eixo do Mal” ou na “Quadratura do Círculo”, em manifesto contraste com outros programas de debate em que se sente mais senhor de si e até capaz de falar grosso! – mas não pensava que chegasse ao ponto de se transformar num boneco articulado manipulável por cordéis mal disfarçados por aventais ocultos. É, de facto, preciso “engolir sapos, elefantes e muito mais” para ganhar a vidinha na política à portuguesa!

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

THROTTLEMAN, FIM DE LINHA



O artigo de hoje do Daniel Deusdado (DD) no JN chama a atenção para uma realidade muitas vezes acusatoriamente badalada mas poucas vezes devidamente ilustrada: as gigantescas incongruências, e as correspondentes desgraças, que se apoderam de uma sociedade cujo funcionamento depende largamente do Estado e em que a governação deste é significativamente função de uma ditadura acéfala das Finanças sobre as pessoas e a economia real.

O caso em apreço tem a ver com a “Throttleman”, uma marca portuguesa de vestuário para homem, senhora e criança que já detinha uma rede de cerca de cinquenta lojas, além de representações no “El Corte Inglès” e em espaços comerciais multimarca, e que foi há dias declarada falida. A história da empresa remonta a 1991, quando quatro jovens empreendedores acabados de sair da universidade decidiram criar a “Boxer Shorts” – à época apenas comercializando boxers, camisas e gravatas para homem –, e conheceu vicissitudes muito diversas; pessoalmente, cheguei a conhecer algumas delas bem de perto.

Não terão sido cometidos erros, estratégicos ou de ordem corrente, no decurso do projeto empresarial que agora vê chegado o seu termo? A ousada internacionalização inicial, o alargamento da gama de produtos, a gestão da subcontratação, as recentes incursões no Médio Oriente e em Angola ou outros? Inquestionavelmente que sim, sendo contudo certo que o momento final acaba por não ser tanto o produto deles – sempre melhor ou pior ultrapassados com a devida aprendizagem e correção de tiro – como o resultado de mais um dos avassaladores bloqueios institucionais que definem este país.

Por economia de espaço, cito DD: “Uma média de 12 milhões de vendas anuais revelavam-se insuficientes. Os 23 milhões de euros de passivo acumulado pela Throttleman e Red Oak levaram então a que, em novembro de 2012, ambas avançassem para o ‘Processo Especial de Revitalização’, um mecanismo criado pelo Estado para ajudar empresas em dificuldades. Viáveis ou não? Os credores decidiriam. E neste caso as coisas correram de forma extraordinária: em apenas 76 dias conseguiu-se um acordo com cerca de 80% de créditos, incluindo a Segurança Social. Quem faltou? Praticamente apenas o Ministério das Finanças, ainda por cima credor privilegiado. Aceite pelo tribunal o Plano de Recuperação, vida nova? Errado. As Finanças interpõem um recurso judicial que impediu a recuperação de arrancar. Há um ano. Apesar das Finanças e da Segurança Social terem assegurado o ressarcimento de 100% da dívida em 150 prestações, acrescidas de juros a uma média de 6,25%, as Finanças não aceitaram que os juros antigos e as coimas fossem perdoados em 80%. Uma gota no conjunto de todo o processo. (...) A Throttleman andou 12 meses a lutar com as Finanças em recursos judiciais e depois o processo encalhou no Tribunal Constitucional. Entretanto, a gestão tornou-se impossível. Há dias anunciou o pedido de insolvência. Tinha 200 trabalhadores. As Finanças (e todos os outros) vão agora receber zero ou pouco mais.”

Ah, e já agora, não seria também de deitar uma vista de olhos sobre o que andam para aí a fazer os chamados administradores de insolvência?

DEBATE MORNO



Primeiro dia da conferência sobre os efeitos da crise e das políticas de austeridade sobre o modelo social europeu e suas heterogéneas manifestações em cada país, segundo o modelo de apresentações muito curtas dos resultados dos estudos realizados para 12 países e comentários de parceiros sociais (sindicatos e representantes de patrões).
Debate morno, apesar das evidências gritantes apresentadas em diferentes países, incluindo o nosso, através da diligente apresentação da colega Pilar González, sobre os efeitos galopantemente recessivos das políticas de austeridade como forma de abordagem à crise das dívidas soberanas e da zona euro. Debate feito com uma grande ausência da Comissão Europeia, representada apenas por alguns funcionários da DG Emprego e Assuntos Sociais. Interpelada por uma representante sindical belga, o representante da Comissão Europeia viu-se obrigado a vincar que a Comissão é só uma, mas que existe debate sobre a melhor maneira de sair da crise. Mas por muito esclarecimento oficial que se apresente, toda a gente sabe que a Comissão não é apenas uma, é mais do que uma, com fissuras de interpretação muito acentuadas entre Comissários e DG.
Do debate fica sobretudo a extrema diversidade que o modelo social europeu reveste desde as economias bálticas extra-liberais que continuam a ver no Estado uma forma travestida de diabo comunista (eles lá sabem porquê!), passando pelos verdadeiros atentados à democracia em curso na Hungria nas barbas das instituições europeias (a última é a reforma compulsiva aos 62 anos para os trabalhadores do setor público identificados com a administração do modelo comunista de outrora) até à adaptação exemplar e em tempo oportuno do modelo social sueco, que conseguiu manter a resiliência do modelo social como grande alavanca de amortecimento dos efeitos da crise económica e ao verdadeiro calvário que o modelo social do Reino Unido tem vindo a atravessar.
Perante uma Comissão Europeia praticamente ausente e certamente incomodada com tanta evidência a zurzir na abordagem adotada, fica sobretudo a presença salutar de representantes sindicais e patronais num debate sereno, mas firme, com relevo principal para o representante do Solidariedade polaco que zurziu a bom zurzir na atuação da Comissão Europeia. Algumas notícias relevantes ao nível do diálogo social europeu com o conhecimento da assinatura de uma plataforma de entendimento que visa assegurar a representação de trabalhadores e patrões no G20 e também o seu pronunciamento regular junto das instâncias comunitárias no âmbito da preparação dos sucessivos semestres europeus.
A representação portuguesa esteve a cargo da CGTP (Fernando Manuel Pires Marques) e da Confederação da Indústria Portuguesa (Luís Henrique), sempre em amena cavaqueira, revelando o bom clima na concertação social portuguesa. A CGTP insurgiu-se contra o diagnóstico errado da crise das dívidas soberanas que esteve na base das políticas de austeridade e o representante da CP torceu-se um pouco com a nossa conclusão de que se continuar o clima de ausência de confiança relativamente a instituições nacionais e comunitárias e persistir o bloqueio total da mobilidade social ascendente em Portugal a democracia pode estar em risco, sobretudo no sentido de que a participação democrática ficará reduzida às suas expressões mais residuais e com grande divórcio face às instituições políticas. Mas foi coisa que uma boa conversa posterior não tivesse resolvido.
Para acabar o dia, receção e jantar na Maison des Brasseurs, no 10 da Grande Place, com vista para a praça e o debate virou cavaqueira.
Amanhã há mais.

PAOLO FELLINI OU FEDERICO SORRENTINO?


No quase desconhecimento que tinha em relação ao realizador Paolo Sorrentino, hesitei em arriscar – seria mais um daqueles desconchavos franco-italianos que por aí vão abundando? –, até porque a dúvida me era alimentada pela larga maioria da crítica nacional e só uma leitura muito positiva de Jorge Leitão Ramos (JLR) a contrariava. Segui mais uma vez a indicação deste e, de novo, não me arrependi.

“La Grande Bellezza” é um filme de rara qualidade e fina sensibilidade, onde tudo surge conjugado com um grande virtuosismo e um rigor filigrânico, do argumento à realização, da cenografia à imagem, da música à interpretação. E onde, apesar de uma sucessão de aparentes absurdos e manifestações de incongruência – como quando a dada altura nos deparamos com uma girafa no meio de uma praça de Roma –, tudo acaba por bater certo naquele universo de sonhos e memórias que também faz parte integrante de uma vida.

E é da vida que se trata, de uma meditação em torno dela. Como refere o protagonista (Jep Gambardella, magistralmente desempenhado por Toni Servillo), “isto é como acaba sempre, com a morte”, “mas primeiro houve a vida, escondida por detrás do blá, blá, blá”. Uma vida que, no caso daquele desencantado jornalista e escritor romano que acaba de celebrar os 65 anos e de receber a notícia da morte do seu primeiro amor, evolui de um hedonismo fútil, voyeurista e decadente para uma deambulação nostálgica, delirante e vertiginosa pelo seu próprio interior e pelas ruas e locais da Cidade Eterna. Alguém escreveu que “ele quer viver, mas a própria ideia de vida é demasiado estreita para ele”; e é o próprio que o confessa quando explica porque não publicou um segundo livro: “andei à procura da grande beleza mas não a encontrei”.

Como decorrerá óbvio para os mais atentos, é completamente impossível não aproximar esta obra de Sorrentino de uma evocação de Fellini e do seu “La Dolce Vita”. Nesta também uma decadência imersa numa existência atormentada e inibidora de “um modo de vida decente” se cruza com um tributo a Roma, aliás admirável. Com a pequena diferença das expressões novas da decadência e a enorme diferença da lucidez de Gambardella, como sustenta JLR – “ele sabe que não há salvação” e “à noite, está deserta a Via Veneto...” – ou como refere, convergentemente, o texto da apresentação oficial em Cannes – de um lado, Jep, que “assiste a esse desfile de uma humanidade oca, derrotada, poderosa e deprimida”; do outro, “Roma no Verão, esplêndida e indiferente, como uma diva morta?”.

Porque, em definitivo, a “grande beleza” está na vida sem truques ou para além deles...

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

DE BRUXELAS

EU-ILO cooperation

ILO-EU Conference: 'The European Social Model in times of Economic Crisis and Austerity Policies'

The conference will study the evolution of the European Social Model and its different elements in the context of the financial crisis and the introduction of austerity packages in European countries




Hoje de manhã, quando cheguei cedo ao aeroporto de Sá Carneiro de partida para Bruxelas para assistir à conferência sobre os efeitos da crise e das políticas de austeridade sobre o modelo social europeu e as suasdiferentes manifestações em cada país, encontrei-me pela primeira vez na vida diante de um placard de partidas no qual não constava o voo para o qual tinha bilhete, reservado desde janeiro pela Faculdade de Economia. A sensação não é agradável. Tratou-se afinal de um cancelamento atempado feito pela TAP, comunicado à agência de viagens, com esquecimento desta última não avisando o viajante de tal facto. Com a ajuda da colega Pilar González que teve o mesmo problema e com a capacidade de resolução deste tipo de problemas que ainda subsiste entre os responsáveis pelas falhas observadas, lá se conseguiu um voo por Lisboa, com o custo de cerca de 11 horas entre a hora de chegada ao aeroporto e a chegada a Bruxelas.
Estou com alguma curiosidade para saber se o clima de branqueamento que se vive pela Comissão Europeia nas suas Direções Gerais mais identificadas com os programas de resgate financeiro sobre as consequências de tais ajustamentos é ou não extensivo à DG Emprego e Assuntos Sociais e à própria OIT. Os contributos dos 11 estudos por país que a obra coordenada por Daniel Vaugham-Whitehead integra dão matéria bastante para uma perspetiva bem crítica do modo como tais ajustamentos foram praticados e o estudo sobre o Reino Unido é bem revelador da enorme destruição que o governo conservador deixa atrás de si em matéria de proteção social. Mas nestas coisas a agenda que está implícita nestas publicações nem sempre é controlada pelos autores.
Estou por isso curioso em sentir qual é o ambiente e de que modo as eleições europeias em marcha pesam nos contornos políticos desse mesmo ambiente.
A evidência recolhida aponta para histórias muito mal contadas sobre as mensagens e ensinamentos que foram tentados com estes programas de ajustamento de natureza punitiva, acenando com modelos mais ou menos inspirados no modelo alemão.
A este respeito, é bem interessante a crónica que o amigo Alberto Castro publica esta semana no Jornal de Notícias, designada de “Actos”. Cito porque atinge na mouche o que é necessário desmontar:
“(…) Em termos da economia como um todo, a Alemanha é vista como um caso de ajustamento bem-sucedido, reflectido num acréscimo de competitividade internacional e na pujança das suas exportações. Como é que aquelas alterações operaram, na prática? Algo surpreendentemente, análises recentes (http://www.voxeu.org/article/german-resurgence-it-wasn-t-hartz-reforms) apontam a descentralização do processo negocial para um nível próximo da empresa e o forte envolvimento das comissões de trabalhadores como elementos críticos do sucesso. Quer um aspecto, quer outro, são elementos institucionais, enraizados na respectiva cultura das relações laborais. As mudanças na legislação laboral, designadamente no que diz respeito à flexibilização dos despedimentos, pouca influência teriam tido. Como assim? Não foi isso que a troika e o Governo nos têm dito ser fundamental? Os modelos, sobretudo quando muito ligados a culturas e tradições específicas, não são fáceis de transplantar. Ainda assim, há alguns sinais que possam ser lidos como indo na direcção da experiência alemã? O Governo, por exemplo, tem dúvidas que as câmaras municipais possam negociar com os seus trabalhadores as condições do competente horário de trabalho. E quer combater a evasão fiscal sorteando automóveis, de luxo de preferência! Ocorre-me que a descentralização da negociação impõe às empresas contas certas e transparentes. Ou não? Um acto vale mais do que mil palavras. É esta a apregoada reforma de Estado?”
Pois, há histórias muito mal contadas, que só não provocam interrogações em quem tem uma agenda escondida e encontra na via punitiva a melhor forma de a aplicar, atribuindo aos credores as culpas no cartório.