Finalizadas as Presidenciais, e com o País a braços com crises de tipo diverso e tamanho incomensurável, vivemos um quadro político em que passou definitivamente a imperar o ruido e a especulação desencontrada. Além de um taticismo irritante e de visíveis e variadas lutas pelo poder e/ou pela sobrevivência. Aqui procurarei deixar, de seguida, uma ideia desejavelmente arrumada do que me passa pela cabeça em relação a tão complexa matéria e de como leio algumas opções e comportamentos a que assistimos.
Em primeiro lugar, assumo dois adquiridos maiores: (i) o de que o CDS dificilmente conseguirá largar a quase absoluta irrelevância em que caiu, vergado à mediocridade dos “barões” que por lá ficaram sob Cristas e Chicão e ao expressivo aparecimento de forças de Direita descaradas e enérgicas (do “Chega” ao “Iniciativa Liberal”); (ii) o de que a vitória rotunda e clara de Marcelo tenderá a obrigá-lo a assumir um protagonismo maior, designadamente se souber e quiser usar preferencialmente a sua componente de racionalidade (reconhecidamente brilhante) em detrimento de instabilidades emocionais e selfies, componente aquela que lhe determinará um papel insubstituível no sentido de forçar um potencial abandono da “cepa torta” como destino nacional.
Em segundo lugar, três notas sobre dimensões do foro estratégico (ou vontade de que assim seja):
(i) No espaço à Direita do PS, e Ventura à parte (já que este não é mais do que um epifenómeno – vejam-se as suas declarações mais distraídas e assim mais indiciadoras do que pretende em termos subjetivos e de ambição pessoal –, o que não significa menos perigosidade nem desaparecimento natural), tivemos alguns movimentos curiosos: a demissão de Filipe Lobo d’Ávila e a quase disponibilização de Adolfo Mesquita Nunes (AMN) para vir a ocupar o lugar de Chicão; a criação de uma associação cívico-política (“+ Liberdade”) pelo fundador do “Iniciativa Liberal” Carlos Guimarães Pinto (que se tem desdobrado em esforços justificativos de um regresso de Passos à cena política) em articulação com aquele mesmo AMN e com um empresário (liberal?) que não oferecerá almoços grátis; a reação ofendida de Chicão (e de Ribeiro e Castro – estas coisas da política também têm um prazo de validade!), que se lançou nos braços autárquicos de Rio e depois se concedeu um fim de semana para reflexão, o que acabará pela convocação de uma reunião magna do seu partido para se despedir dos companheiros (com Nuno Melo – guicho! – a assistir para o que der e vier, guardando-se para 2022!).
(ii) No PSD propriamente dito, defrontam-se surdamente a “estratégia” de Rio – atrapalhada e volúvel (aquele discurso da noite eleitoral!), mas tendencialmente guiada pelo wishful thinking de Ângelo Correia e com o “Chega” a ser erradamente encarado por ele e alguns próximos (Morais Sarmento) como variável de ajustamento – e as estratégias (convergentes?) dos “órfãos do passismo” (com Jorge Moreira da Silva em condições de fazer a ponte junto da restante direita democrática – um novo CDS e a ascendente “Iniciativa Liberal” – e Miguel Morgado a desempenhar um papel assente no caráter prematuro de um rompimento interno); entretanto, Paulo Rangel participa ao longe no foguetório e espera poder apanhar as canas possíveis, enquanto Santana quer filiar-se novamente e a qualquer preço (estas coisas da política também têm um prazo de validade!) e Marques Mendes apenas procura um posicionamento “politicamente correto” que lhe garanta hipóteses para os ambicionados caminhos presidenciais futuros.
(iii) No PS, o tempo da estratégia não é agora, quer porque não está na massa do sangue da sua atual direção quer porque só Pedro Nuno Santos tem necessidade de ir marcando o seu terreno contra a preparação de uma sucessão prevista para Fernando Medina (o eleito dos “moderados”), embora tal marcação de terreno seja largamente simbólica porque o confronto ainda tarda (neste plano, espero bem que Ana Gomes não se precipite!); as tomadas de posição de Alegre e Sócrates são, neste quadro e por razões óbvias e diferentes, cartas fora do baralho (de novo, estas coisas da política também têm um prazo de validade!) e Sérgio Sousa Pinto e alguma "direita do PS" não parecem suscetíveis de iniciativa.
Em terceiro e último lugar, a palavra a alguns comentadores que produziram contributos úteis para a reflexão em causa, mesmo quepessoalmente possa não os partilhar na íntegra. Sumarizo: o diretor do “Expresso”, João Vieira Pereira (JVP), trouxe-nos as 500 mil cruzes no “Chega” e a impreparação à esquerda e à direita para lidar com elas (na linha daquela apropriada referência de Henrique Raposo segundo a qual “o Chega dá respostas desprezíveis a perguntas legítimas”, sugerindo um indiferenciado “encontrem as respostas decentes”); Miguel Sousa Tavares leva a expectável maior intervenção de Marcelo ao ponto de lhe propor um imediato governo de emergência nacional de iniciativa presidencial (impossível na conjuntura pandémica e europeia mas algo que poderá contribuir para um Marcelo mais dirigido); José Eduardo Martins, muito na linha de JVP, fala de uma “direita entretida” e uma “esquerda paralisada” para explicar como a vida de António Costa poderia estar facilitada (e tantos foram os que lhe deram uma vitória por não comparência na noite eleitoral!) “se fosse para ir levando com a barriga”; por fim, Maria João Avillez, nunca omitindo ao que vem (a denúncia dos “abusos do Governo Socialista”), não deixa de elencar problemas reais como a falta de horizonte ou as responsabilidades da sociedade civil.
E a restante esquerda, a esquerda não PS, perguntarão? Temo ter que responder provisoriamente a tal questão com um anúncio de perda inevitável no caso de tudo o mais constante. O Bloco cometeu um erro primário e fatal e o PCP já só pretende manter uma espécie de influência em partes da sociedade e na “geringonça”. Aqui também, a recomposição será obrigatória...