quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

O INFINITO NUM JUNCO

 

(Quem gostar de livros, de os compreender e à sua história, de falar com eles petrificado perante a beleza de uma estante, não pode deixar de ler Irene Vallejo de O Infinito num Junco (Bertrand Editora). Um êxito editorial da escritora aragonesa em Espanha e creio que também o será em Portugal, o que me sugere esperança para o futuro do livro.)

            Nestes dias de paragem até aos Reis (o que me custa a desvalorização da consoada de Reis) aproveitei (com a ajuda preciosa da companheira, especialista em arranjar espaço onde ele não existe) para reorganizar as estantes na casa de Vila Nova de Gaia. Operações de manutenção que são essenciais para a boa saúde dos materiais que lá aguardam visita. Operações diversas do tipo reagrupar autores, definir novas tipologias temáticas, encontrar elos e articulações que estão para lá das lombadas, destacar livros de afetos, regularizar a difícil relação entre os livros de primeira e segunda fila na estante (procurando que essa distribuição não seja ofensiva para os que ficam atrás), recordar leituras que ficaram por fazer ou incompletas, definir próximas leituras sequenciais, redescobrir o prazer da descoberta, pacificar a relação que pode ser conflitual entre livros e discos. Quando o tempo não me escasseia sou capaz de passar horas nessas operações, com a ajuda de uma escada de livreiro enquanto a agilidade ainda me acompanha. Li algures se a memória não me falha que o Bagão Félix fala com as plantas da sua botânica particular. Pois estas operações de reorganização da estante são a minha maneira de falar com os livros, de os respeitar, de não permitir que se percam no esquecimento de quem os procurou e deixou de o fazer.

Por mero acaso, comecei nesses dias a ler o livro de Irene Vallejo, O Infinito num Junco, de que tinha lido bastantes referências nos jornais espanhóis e já me tinha chegado um comentário ou outro elogioso em Portugal.

É uma obra deliciosa sobre a história da invenção do livro desde a ambição da biblioteca de Alexandria e os seus rolos de papiro até à possibilidade da sua produção em massa, entrecruzado com experiências da escritora de Saragoça por terras e bibliotecas de todo o mundo, com referências particulares a Oxford e a Florença. É uma história imensa de materiais e tecnologias, de personagens fascinantes como os escribas ou os copistas, os responsáveis das bibliotecas, os caçadores de tesouros livrescos. Uma oportunidade para relembrar obras como a de Jorge Luís Borges e Alberto Menguel sobre bibliotecas reais e oníricas, mas também pretexto para relembrar dimensões da Antiguidade e sobretudo da civilização grega e também romana.

Muito resumidamente, ler O Infinito num Junco é também uma forma de conversar com os livros, neste caso, com o Livro na sua metamorfose até chegar à produção de hoje, onde temos o problema inverso do da Antiguidade, edita-se muito e em escala, mas é também em massa que se enchem depósitos de edições não totalmente vendidas.

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