O meu parceiro de blogue produziu o seu comentário final das presidenciais sete minutos antes de eu aqui vir ao mesmo. Mas não será por isso que deixarei de avançar meia-dúzia de perceções pessoais sobre a matéria em questão.
Primeiro, para explicitar com clareza o caráter inequívoco da vitória de Marcelo, evidenciando ela a moderação da larga maioria dos portugueses (o que nos tempos que correm é um elemento não despiciendo de alguma garantia para o futuro próximo). Segundo, para sublinhar o obsceno resultado obtido por André Ventura (11,9% e segundo mais votado em 11 distritos do Continente e na Madeira, o que não deixa de ser assustador em si e também porque só não foi segundo na corda litoral do País – Viana, Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, Lisboa e Setúbal – e nos Açores). Terceiro, para não menosprezar o resultado de Ana Gomes (13% e mais de 540 mil votos) em condições de falta de comparência (e até de bastante hostilidade oficial) do PS e, portanto, da área do socialismo democrático (foi ela, no seu discurso de encerramento, que melhor expressou a sua diferença em relação à outra esquerda ao posicionar-se como representante de um espaço “democrático, progressista e europeísta” – goste-se mais ou menos dela e da sua postura e considere-se ou não que ela tem tiques que a aproximam de algum populismo, argumentação em que mais uma vez Miguel Sousa Tavares mostrou à saciedade a sua falta de isenção analítica). Quarto, para não omitir uma interrogação que me continuará a perseguir (o que diriam António Costa e a direção do PS se Ventura tivesse sido segundo?), sendo uma boa prova do alívio por terem escapado entre os pingos da chuva (de justesse, como dizem os franceses) o discurso de Carlos César saudando Ana Gomes e agradecendo aos eleitores do PS o facto de terem contribuído para uma “vitória da democracia” e para uma “derrota dos extremismos de direita” (classificando Ventura, com alguma mas não total razão, como sendo por enquanto maior ameaça para o PSD do que para o País). Quinto, para registar o inqualificável discurso de um Rui Rio completamente desfasado do essencial e aplaudindo com entusiasmo a vitória de Ventura sobre o PCP (designadamente em todo o Alentejo), o “esmagamento da esquerda” e a “derrota do PS” (que colocou em contraposição às suas constantes lideranças nas sondagens). Sexto, para insistir no que sempre entendi como um erro crasso do Bloco de Esquerda, que poderia ter capitalizado a candidatura de Ana Gomes em favor de uma unidade à esquerda que também comprometeria as direções do PS e do PCP (em detrimento de se submeter a uma mais do que previsível contagem vergonhosa do seu valor eleitoral nestas condições concretas – Marisa quase que o confessou ao saudar o facto de a frontalidade e solidariedade de Ana Gomes terem ficado acima das aldrabices e do ódio de Ventura).
Não quereria terminar sem uma alusão preliminar e a quente a alguns aspetos quantitativamente revelados pelos resultados (faltará, mas espero pelos especialistas, uma avaliação cuidada das transferências de voto): Marcelo venceu com 60,7% e ficou à frente em todo o lado (com uma curiosa maior significância nas Ilhas – 72,2% na Madeira e 69,7% nos Açores – e com menor expressão no Alentejo – 51,3% em Beja, 54,7% em Évora e 55,7% em Portalegre – e em Setúbal, Faro e Lisboa, onde rondou 57% para menos ou para mais); Ana Gomes teve a sua maior percentagem de votos no Porto (15,6% – a sua adesão à causa da regionalização poderá ter sido um forte contributo nesse sentido) e, de seguida, em Beja (15%), Lisboa (14,5%) e Setúbal (13,4%); Ventura chegou aos 20% em Portalegre, mas teve também 17,6% em Bragança, 16,8% em Évora, 16,7% em Faro, 16,2% em Beja e 15,8% em Santarém, sendo as suas expressões mais limitadas as do Porto (8,4% – refiro-o com algum orgulho!), Aveiro (9,6%) e Madeira (9,9%) – e não esqueçamos, ainda, os 12,9% em Lisboa.
E basta – para não dizer chega – por hoje! Amanhã voltamos à pandemia – cujo combate é a prioridade das prioridades, Marcelo dixit –, esperando-se apenas que a reforçada legitimidade presidencial possa dar origem a opções de gestão menos light em forma e conteúdo; com a ajuda do facto, facilitador e a partir de hoje tornado completamente patente, da inexistência à esquerda de condições objetivas para que António Costa possa ser verdadeiramente incomodado. Uma razão adicional para regressarmos à estratégia lá para o Verão?
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