quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

UMA PRECIOSIDADE

 


(Ouvi dizer a alguém já há muito tempo que o trabalho nunca acaba e não era seguramente por ignorar a dimensão do desemprego. Estou com trabalho por todos os lados e mais um e por isso há pouco tempo para o blogue. Por isso, nesse contexto algumas preciosidades musicais vêm a preceito para digerir a intensidade da tensão.)

            Já perceberam que a desmaterialização dos artefactos culturais me perturba e me deixa estranhamento insatisfeito. Leio muita coisa on line, nos portáteis e também no IPAD, sobretudo revistas. Por exemplo, não sei por que carga de razões me habituei a ler a New Yorker no IPAD, talvez porque por essa via tenho acesso no tempo e em papel teria de a lar com duas semanas de diferimento. O correio vindo dos EUA não perdoa. Mas na maioria dos casos há uma frustração latente quando o digital se interpõe.

Mas o manuseamento do livro e dos jornais continua a ter o seu papel no gozo do contacto com o artefacto, mesmo que as edições digitais da versão em papel existam, não em todas as assinaturas. Por exemplo, a minha assinatura digital do El País não permite como o Público o contacto digital com a versão impressa. O manuseamento descansa-me, descontrai mais do que a digital. Ofereço-me para ser tratado experimentalmente acaso haja alguém interessado em estudar a prospetiva da desmaterialização dos artefactos culturais do ponto de vista da procura.

Com os discos, apesar do ressurgimento do Vinyl, a desmaterialização tem prosseguido. Com malta mais nova, por exemplo os meus filhos, passo por alguém “out of his time”, já que segundo eles ninguém já compra um CD, dada a emergência de plataformas.

Mas quase todos os discos, mesmo em formato ainda resistente á desmaterialização, não permitem regra geral grande prazer com o seu manuseamento. Não é o caso da preciosidade que hoje invoco, acabada de chegar numa distribuição em casa extremamente rápida da FNAC.

A preciosidade é o volume 1 dos Arquivos de Joni Mitchell, cobrindo os anos iniciais de 1963 a 1967. É um disco que primeiro se manuseia como um objeto de arte e depois se ouve, deixando-nos render aquela voz que naquele período soava como uma pureza cristalina de combate mesmo que o não parecesse. Basta por exemplo ouvir o disco 1, gravado no Radio Station CFQC AM (1963) e ouvir logo o House of the Rising Sun para se instalar a empatia e deixar fluir aquela voz na nossa memória, bem menos metálica do que a das suas últimas gravações.

Que preciosidade e que alento para a gestão da tensão do trabalho em casa.

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