sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

DECÊNCIA POR FAVOR!

 


(O mundo da justiça em Portugal é um conflito permanente de interesses corporativos, o que ofusca o profissionalismo e honestidade de muitos dos agentes do sistema que nele atuam com respeito dos valores fundamentais. Este mais recente caso de vigilância ilegal de jornalistas, iniciado com a sempre em foco Joana Marques Vidal, tem dado origem a uma incontornável controvérsia. A capa da revista Sábado mostra como o jornalismo em Portugal está metido até à exaustão nessas lutas intestinas…)

            Constato que nunca comprei na vida um número que fosse da Sábado e que sempre resisti a promessas de descontos relevantes para a sua assinatura que, não sei bem porquê, me invadem regularmente a caixa do correio eletrónico. Sinto-me aliviado com essa intuição. A capa da revista que abre este post é um exemplo de nojo jornalístico e de composição gráfica, colocando no centro das bancas o rosto da atual Procuradora (que admito poder ser flor que não se cheire), quando quem iniciou o processo foi Joana Marques Vidal.

Procuradoria Geral, Conselho Superior do Ministério Público, Sindicato dos Juízes do Ministério Público, Conselho Superior da Magistratura, associações sindicais de juízes, advogados e Bastonário e outras mais têm-se entretido nos últimos anos a defender posições corporativas, acrescentando muito pouco à questão fundamental que seria a modernização da justiça portuguesa, responsabilizando os sucessivos governos pela alocação dos recursos necessários a essa modernização. Bem pode Marcelo Rebelo de Sousa puxar dos galões invocando o Pacto da Justiça por si apadrinhado, que está a puxar por uma coisa que tem estado completamente ausente dos desenvolvimentos mais recentes. Será provavelmente mais um nado morto de pensamentos bondosos, engolido pelo corporativismo das diferentes posições.

Não me sai da ideia de que na atribulada nomeação do representante português para a nova Procuradoria europeia, para além da fragilidade e inabilidade da ministra Francisca Van Dunem e da segura existência de um chico esperto qualquer que quis agradar a alguém (sabe-se lá quem) próprias de um Governo que teima em desgastar-se por coisas deste teor, que o conflito corporativo terá também a sua quota parte.

De caso em caso, parece que o sistema judicial está também ele sujeito a uma onda estranha de contágios, alguns dos quais incomodam pelos tiques e sinais antidemocráticos que apresentam. Esta coisa da vigilância, sem mandato ou justificação superior, de jornalistas é perigosa e representa um atentado à liberdade do exercício do jornalismo e da investigação associada. Deve ser por isso denunciada e objeto de um combate sistemático e persistente. Mas o que parece evidente é que há também um certo jornalismo envolvido nos conflitos da justiça e que a valorização dos chamados juízes justiceiros não é coisa nova e tem agendas ocultas nada recomendáveis.

A desfaçatez de uma revista como a Sábado colocar na sua capa referente ao assunto a atual Procuradora Lucília Gago que herdou o dossier da sua da antecessora Joana Marques Vidal, mostra como a falta de decência está instalada no próprio jornalismo. Não está em causa a necessidade de escrutínio e de crítica da atual Procuradora, que terá seguramente as suas fragilidades. Mas aproveitar este dossier para adensar a campanha contra o seu exercício mostra como a crise da justiça é campo para adensamento de toda a série de oportunismos.

A gente decente que escreve na Sábado e, sinceramente, como não compro nem a leio não faço ideia se existe, tem o dever de se pronunciar denunciando este exemplo de indecência democrática.

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