sábado, 2 de janeiro de 2021

PRESIDENCIAIS

 


(Não me recordo de umas eleições Presidenciais com tantas dúvidas de posicionamento pessoal, as quais não creio que venham a ser totalmente dissipadas pela campanha e pelos debates televisivos hoje iniciadas. A começar pela posição agnóstica do PS que me desagradou, já que é frustrante ter uma área política sem candidato, tal vazio conduz-me a um foco excessivo nas personalidades individuais, o que me agrava as dúvidas.)

É um pouco frustrante sentir que uma área política e o modelo de governação e de prioridades a ela associadas e que nos são mais próximas não surgem representados no leque de candidatos que se apresenta a sufrágio. Não vou discutir a tática política seguida por António Costa de colocar o PS a não apoiar um candidato específico, deixando que o seu eleitorado escolha por si e projetando que a maior parte desse eleitorado votará Marcelo Rebelo de Sousa. Também não ignoro que o ciclo político da geringonça encontrou no atual Presidente uma presença de estabilidade e de não hostilização e que Marcelo acabou por trazer à sociedade portuguesa uma descrispação que foi essencial para que os portugueses se pudessem focar em aspetos mais importantes.

A partir do momento em que Marisa Matias e João Ferreira são candidatos cuja principal preocupação será tentar fixar, respetivamente, o voto do Bloco de Esquerda e do PCP, questão que me parece se irá traduzir por um falhanço de ambos e oxalá me engane, as minhas opções traduzem-se por votar em Marcelo, em Ana Gomes ou abster-me. Confesso que as minhas dúvidas se têm prolongado no tempo, embora com oscilações. Apesar de reconhecer a sua combatividade e coragem políticas, Ana Gomes não representa a minha maneira de entender a governação socialista e nem sequer a sua, penso que recente, defesa da regionalização me faz mudar de ideias. Tanto mais que seguramente a minha ideia de regionalização não é a de Pinto da Costa e aparentemente a declaração deste de apoio à candidata Ana Gomes ainda complicou mais a minha escolha. Não valorizo tanto como alguns jornalistas o têm feito a ligação de outros tempos de Ana Gomes ao MRPP. O devir político em Portugal foi intenso e não me choca que uma personagem política evolua nas suas convicções e voluntarismo político ao longo do tempo, se isso corresponder a uma evolução consistente, como me parece ser a ser Ana Gomes. As minhas dúvidas estão mais em alguns traços de personalidade para o exercício da função, como o deslize de um hipotético não dar posse a um hipotético governo liderado por André Ventura o ilustram perfeitamente. Além disso, não me parece que Ana Gomes seja a melhor personalidade política para dar espaço ao que poderíamos chamar a esquerda do Partido Socialista.

Considerando que uma abstenção nos tempos que correm não me parece ser a solução mais aconselhável, resta Marcelo. Confesso que a personalidade de Marcelo é para meu gosto demasiado complexa e incerta para me inspirar a confiança que associo a um voto presidencial. Há para meu gosto demasiados Marcelos, o homem de direita social com preocupações profundas e convictas de justiça social que lhe advém da sua costela católica, o homem manobrador político, o homem que quer governar não governando, o comentador de que não nos esquecemos, enfim alguém que para quem lhe é ou está próximo ou para quem se revê numa presidência de afetos seja mais legível, mas perdoem-me não estou em nenhum dos grupos.

Se nada de espantoso acontecer na campanha, votarei provavelmente Marcelo por que isso será politicamente mais coerente do que a abstenção. Dir-me ão alguns que a possibilidade de André Ventura poder ocupar o segundo lugar numa eleição que só terá uma volta justificaria o voto em Ana Gomes, face às sondagens disponíveis. Não me parece que o combate ao populismo despudorado de Ventura se ganhe com uma votação em Ana Gomes, até porque o comportamento mais recente desta última está provavelmente entre os fatores menos indicados para o conseguir. Mas isso é conversa para outra altura.

Por isso, sem que isso signifique conforto e regozijo por aí além e admitindo que nada de substancial acontecerá até às eleições, votarei Marcelo mais por coerência de avaliação política da situação atual do que por entusiasmo empático com o candidato.

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