segunda-feira, 31 de março de 2014

O “DEBATE” DO MÊS (III)

(Luís Afonso, http://www.sabado.pt)

Pelo terceiro mês consecutivo por cá se continuou a chover no molhado de como vai ser essa nossa tão promissora saída do programa da Troika. Um verdadeiro tormento, mesmo para os ouvidos menos sensíveis a discos riscados e repletos de palavras tão carregadas de esperança como limpos, irlandeses ou cautelares! Embora mantendo o mote, quero contudo renovar a ilustração de acompanhamento, para o que volto a recorrer à criatividade com que Luís Afonso semanalmente se nos apresenta na “Sábado” através do repórter Lopes. Claro que vamos ter festa graúda em maio, mas à cautela não seria de encomendarmos uma placa limpa dizendo “sem saída”?

DUAS MANCHETES



Termino por aqui as minhas arrumações do mês, recordando o que por cá disseram ao “Expresso” o economista-chefe do BCE e o especialista dinamarquês Jens Nordvig. Arquive-se...

APANHADOS NAS CURVAS...

(Cristiano Salgado, http://expresso.sapo.pt)


Continuo a arrumar a casa. Aqui deixo então o devido registo formal de umas sugestivas contas que o “Expresso” fez, permitindo a conclusão de que desde a chegada da Troika em 2011, e já incluindo o pacote que se estima para 2015, foram ou irão ser extorquidos aos portugueses mais de 29 mil milhões de euros (um valor equivalente a 17% do PIB atual) em medidas de austeridade (com destaque para os 8,1 mil milhões de euros obtidos em cortes a funcionários públicos e pensionistas). Para o que der e vier e, muito especialmente, para prevenir amnésias futuras...

DÉFICE ESTRUTURAL


Tenho-me referido aqui ao compromisso do Fiscal Compact que tanto nos tolhe. E, mais recentemente, recuperei os cálculos contidos no prefácio escrito por Cavaco e indiciando os tão falados vinte anos de mais austeridade. Não tive então a preocupação – porque o meu ponto central era outro – de tratar a questão de modo completamente rigoroso, designadamente no que toca ao facto de serem o défice estrutural (despido de medidas conjunturais, como sejam p.e. certas transferências sociais) das nossas contas públicas e o PIB potencial (em termos grosseiros, uma evidência da força da economia afastando incidências recessivas) as variáveis que contam para efeitos da chamada “regra de ouro” (défice estrutural a equivaler a 0,5% do PIB potencial). Soube-se entretanto que a Comissão Europeia está em vias de proceder a uma alteração das regras de cálculo do PIB potencial e aqui venho deixar, para que conste, uma infografia recente do JN/Dinheiro Vivo em que é apresentado um exercício estimando a possível melhoria de situação que a referida alteração traria/trará para o caso português.

HOLLANDE AO FUNDO



Em contagem decrescente para as europeias, nas quais seria crucial formar-se no Parlamento Europeu uma maioria clara de denúncia dos rumos que a União Europeia está a tomar sobretudo como consequência da desastrada construção do euro, as frentes da social-democracia de pendor socialista abrem fissuras por todos os lados. Em Itália, um admirador de Blair, Matteo Renzi, é anunciado como uma espécie de salvador, aparentemente sem contributo refundador da matriz social-democrata. Na Alemanha, o SPD, envolvido numa coligação que os resultados eleitorais tornaram incontornável com o partido da senhora Merkel, não parece nos próximos tempos ser porta-voz de qualquer linha de rumo que anuncie uma refundação de pensamento, adaptado ao período de crescimento anémico que se avizinha. Na França, a rigidez e inabilidade política de Hollande, tão rapidamente evidenciadas após a festa da Bastilha das últimas eleições legislativas francesas, lançam o PS francês numa agonia e numa viragem claramente “pro-business” que a estrondosa derrota eleitoral autárquica de ontem irá precipitar com a chamada de Manuel Valls ao cargo de primeiro-ministro. Renzi, Gabriel e Valls não anunciam nada de refundador do pensamento social-democrata.
A derrota autárquica do PS francês é estrondosa, perdendo amplamente para a direita não Frente Nacional, para os ecologistas e esquerda radical como foi o caso da convivial Grenoble e permitindo à Frente Nacional ganhar uma nova expressão local, embora longe do que Marine Le Pen desejaria como rampa de lançamento. Esta perda é sobretudo chocante para uma força política que já produziu em tempos pensamento de ponta sobre descentralização e poder local e mostra duas coisas: a agonia da governação Hollande e a estagnação das práticas locais.
De toda esta hecatombe ficam duas compensações que se não tivessem ocorrido me incomodariam bastante. Paris e Avignon resistiram a primeira à direita não Frente Nacional e a segunda à própria Frente Nacional, esta última numa galvanização de última hora, ambas através da energia de duas mulheres.

Quanto à resposta política de Hollande à hecatombe eleitoral, o “governo de combate” que é associado à decisão de nomear Manuel Valls primeiro-ministro pode representar pela aproximação a um governo “pro-business” o espectro de uma total perda de equilíbrio entre as diferentes tendências que organizam presentemente o PS francês. E o eleitorado pode sempre pensar do modo seguinte: para termos um PS a governar à direita não será melhor regressar ao original?
 

ROSA PEQUENA OU GRANDE AZUL?

(Christo Komarnitski, http://www.toonpool.com)

O balanço das eleições municipais em França parece apontar mais para uma derrota estrondosa do presidente Hollande (mais de 96 mil conselheiros eleitos por listas à direita e apenas pouco mais de 67 mil eleitos por listas à esquerda) do que para uma enorme subida da extrema-direita (1598 eleitos, sendo 1496 da Frente Nacional, FN, de Marine Le Pen).




Uma leitura que tem o seu quê de enganoso, quer porque está marcada por uma sobrevalorização do inesperado flop em que redundou o petit François – já começa a ser um triste sina dos franceses, essa de serem tão grandiosos e elegerem chefes de Estado tão pequeninos em tamanho e/ou em visão! – quer porque subvaloriza o assinalável avanço da FN, que até agora apenas dispunha de cerca de uma centena de conselheiros em todo o país e que conseguiu levar à segunda volta 323 listas espalhadas um pouco por toda a parte – la bête monte, pois….

(Alain Le Quernec, http://www.lemonde.fr)

domingo, 30 de março de 2014

O PROTO-TANGO DE MELINGO


Estou a chegar a casa após uma bela noite assistindo na Casa da Música à estreia do novo espetáculo de Daniel Melingo, centrado na apresentação em quinteto (“Los Ramones del Tango”) do seu novo disco “Lyniera” (segundo ele “uma homenagem aos vagabundos e idealistas”). 

Apesar das anteriores passagens de Melingo por Portugal, nunca tivera a oportunidade de ouvir ao vivo este músico porteño – de que tanto tinha apreciado os discos iniciais, “Santa MIlonga” e “Maldito Tango” – que tem qualquer coisa de Tom Waits e não disfarça uma notória assimilação da chanson française nem algumas influências do rock nas sucessivas metamorfoses do seu tango – sim, porque é a sua sensibilidade argentina que sempre acaba por predominar e que ele pretende mais que tudo explorar.

Ainda que tenha ficado claramente a preferir o som à coreografia de Melingo, o certo é que ele veio confirmar e reavivar os estados mais profundos da minha alma – assim como se a sua reincarnação atual não conseguisse fugir à revisitação de outras, felizes e planetariamente sulistas...

WHATSAPP


O excesso de liquidez nos mercados, largamente resultante das políticas expansionistas levadas a cabo pelos maiores bancos centrais do mundo, não se tem refletido apenas numa revisão das leituras de risco relativas à Zona Euro e numa consequente baixa aliviante dos spreads a que temos vindo a assistir nos últimos meses. Aquela abundância também faz sentir a sua presença em termos relevantes por via do acréscimo verificado no volume de negócios de alguns setores de atividade, com destaque para a área tecnológica onde já existem analistas a referir-se a uma nova vaga de crescimento digital (50 mil milhões de dólares nos primeiros dois meses do ano, um montante que apenas encontra paralelo nos 78 mil milhões de inícios de 2000, os tempos da chamada dotcom bubble).

É neste quadro que a recente compra da WhatsApp pela Facebook surge associada ao caso mais emblemático desta nova fase de recrudescimento do M&A (fusões e aquisições) internacional e tecnológico. Com muita polémica pelo meio, entre os defensores de uma perigosa bolha em gestação – os 19 mil milhões (bilhões, dizem os brasileiros) envolvidos por Mark Zuckerberg contrastam significativamente com o décimo de valor aplicado em 2006 pela Google na You Tube ou mesmo com os 8,8 despendidos pela Microsoft na Skype – e de um passo precipitado e altamente arriscado por parte da empresa detentora da maior rede social do mundo – 19 mil milhões por uma companhia com apenas 55 empregados e gerida com um limitado funding de 60 milhões –, por um lado, e os partidários de que se terá tratado de um movimento estratégico essencial (ademais favorecido pela configuração concreta da operação, que terá envolvido uma maioria de 15 mil milhões em ações consideradas fortemente sobrevalorizadas) para permitir à Facebook aceder àquele que era já um ameaçador volume de utilizadores detido pela WhatsApp (450 milhões) e assim continuar em boas condições de disputa da liderança setorial com a Google, por outro.

De uma forma ou de outra, o que não deixa de ser de grande perspicácia é a observação tendente a sublinhar a oportunidade do modelo de negócio lançado pelos acionistas da WhatsApp, a qualidade do modo como exploraram a sua gestão e a batelada da premiação financeira com que acabaram por ser abençoados. Mais um exemplo do imprevisível e inexplicável mix de mérito e acaso que vai fazendo a ventura e a desventura das sociedades contemporâneas…

(Jeremy Banks, “Banx”, http://www.ft.com)

DESIGUALDADE EM STOCK



Já devem ter notado que a relação entre stocks e fluxos me fascina na economia.
Vem isto a propósito da progressiva atenção que é dada à perspetiva da desigualdade endémica que grassa pelas economias de mercado baseada na riqueza (um stock) e não no rendimento (um fluxo), embora a investigação existente e a evidência empírica disponível sejam bastante mais incipientes do que a abordagem via rendimento.
No House of Debt, que vale cada vez mais acompanhar de perto, Mian e Sufi destacam o relevo de investigação preliminar de Emmanuel Saez e de Gabriel Zuckman sobre a distribuição da riqueza na economia americana no tempo longo.
O gráfico que abre este post fala por si e a decomposição do 1% mais rico ainda mais.

Não podemos ignorar que variáveis como o consumo, o aproveitamento de oportunidades, os investimentos em capital humano que as famílias e os indivíduos podem realizar não dependem apenas do rendimento. Um bom tema de acompanhamento futuro.