segunda-feira, 10 de março de 2014

UCRÂNIA = COMPLEXIDADE



O artigo de Teresa de Sousa, ontem, no Público, inserido no que considerei o melhor do fim-de-semana, já nos introduzia na complexidade que a situação ucraniana traz à governação mundial, embora o fizesse essencialmente na perspetiva de uma União Europeia desatenta e essencialmente apostada no deixa andar, que o tempo resolve.
Mas a questão da Ucrânia é, a meu ver, o resultado de uma desatenção mais vasta, que começa com queda do muro de Berlim e com a desagregação da União Soviética e da sua influência no leste europeu mais profundo. Essa desagregação que foi vista como uma vitória dos valores da liberdade e do mercado (para alguns o principal significado) deu origem a economias de mercado bem mais complexas do que o esperado, sobretudo pela coexistência de economias de mercado formais e subterrâneas, de uso da democracia por plutocracias e formas de “crony capitalism” muito difíceis de acomodar em processos democráticos minimamente “accountable” pelo escrutínio democrático livre. O ocidente foi encolhendo os ombros a esta realidade complexa, sempre na ilusão de que a democracia e a economia de mercado seriam suficientes para, dentro, fora ou em associação estreita com a União Europeia, conter e domesticar todas as malformações do capitalismo a leste. Para além disso, o encolher de ombros tornou-se também inevitável quando os interesses da integração e ocupação económica de tais espaços penetraram a diplomacia, segundo um modelo de realismo político ditado por uma rede de interesses cada vez mais complexos e contraditórios.
Mas pior do que tudo foi ignorar, por um lado, a história anterior à Revolução bolchevique de 1917 (e essa reemerge de quando em vez, ressuscitando velhos monstros e conflitos) e, por outro, que estas economias se abriram ao exterior de forma desabrida e muitas vezes sem organização de interesses aparente, constituindo hoje uma geometria de interesses que é praticamente impossível desconstruir.
Esta ideia foi-me hoje sugerida por uma pequena intervenção de João Monjardino na TSF que alertava para a chegada ao problema da Ucrânia da China. Desconhecia que a China realizou nos últimos tempos avultados investimentos de compra de terra para potenciar a partir de um dos grandes gigantes de produção alimentar os complementos de produção cerealífera e também de carne que o aumento do consumo per capita chinês está a exigir e que a produção nacional não está em condições de satisfazer. Também por esta via, temos um outro protagonista de peso mundial a complicar o xadrez ucraniano. Há desatenções que se pagam caro. E para além disso estamos a falar de capacidades produtivas que interessam sobretudo a colossos demográficos e não a sociedades em declínio.

Sem comentários:

Enviar um comentário