Foi um primeiro-ministro irritado que se referiu
hoje ao chamado Manifesto dos 70, mais conhecido pelo manifesto sobre a reestruturação da dívida para um crescimento sustentado da economia portuguesa.
Afinal não é para menos, pois o leque de
personalidades que assina o manifesto constitui um vasto campo de
sensibilidades, que poderíamos caracterizar, talvez com a exceção de gente
afeta ao Bloco de Esquerda, como um
apoio alargado a uma governação alternativa a esta maioria. Imagino também que
terão saltado os olhos a Cavaco quando duas personalidades do PSD mais profundo
como Vítor Martins e Sevinate Pinto, seus assessores de longa data, assumiram a
liberdade de assumir também o manifesto.
O exercício de liberdade cidadã do manifesto é
incontornável e o cínico branqueamento da situação que suscita o documento é
suficientemente gravoso para justificar uma posição desta natureza. Dou de
barato que possa discutir-se o timing
da sua apresentação (até tu ó senadora Teodora?), mas o que é lamentável é que
nenhum dos opositores discute a sua essência.
Como seria expectável, as aves raras e submissas
que povoam a Comissão Europeia, pelo menos nos serviços mais identificados com
a política macroeconómica da União e da zona euro, apressaram-se a vomitar a
ideia de que a dívida portuguesa é sustentável e que não necessita de ser reestruturada,
mesmo que justa e inteligentemente como o manifesto o reclama.
O conceito de sustentabilidade da dívida não é
apenas uma operação de cenarização matemática de trajetórias possíveis de
pagamento da mesma, através designadamente de estimativas de taxas de juro,
maturidades e excedentes primários orçamentais que é necessário gerar. A
sustentabilidade da dívida exige que se considere no centro da análise as
implicações penalizadoras do crescimento económico que os necessários
excedentes primários orçamentais tenderão a provocar, sobretudo pela via da
diversão de recursos gerados pelas exportações do investimento para o pagamento
de juros. E é essa a dimensão que o manifesto sublinha, denunciando o cinismo
insuportável dos que continuam a apregoar a retórica do crescimento para
justificar a sua opinião sobre a sustentabilidade da dívida e tudo fazem com a
promoção de políticas e de desigualdade (ver post de ontem) que penalizam esse
crescimento. O cinismo chega ao ponto de promover uma política macroeconómica
na União e zona euro que adia a recuperação económica e com isso penaliza os
esforços de exportações portuguesas tão necessários para a proclamada
sustentabilidade da dívida.
Estamos no meio de uma peça de teatro gigantesca,
com atores vulgares e solícitos do lado de cá e cínicos e prestidigitadores do
lado de lá. Para cada situação concreta, esta gente encontra uma teoria nova
para explicar o comportamento das taxas de juro e dos mercados, usando sempre em
última instância esse argumento – não argumento para compensar a falta de
ideias sobre a essência do problema. E até Cavado consultou os deuses para
explicar que os tais mercados retribuiriam o famigerado consenso.
Mas haverá consenso mais alargado do que o que suporta
o manifesto?
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